Se o pouco que os brasileiros sabem sobre a questão dos refugiados remete à ideia de guerra, então não espantaria dizer que vivemos em tempos de conflito generalizado pelo mundo. Diferentemente das duas Grandes Guerras que o mundo viveu no século passado, em que blocos de países confrontaram-se gerando imensos deslocamentos humanos, atualmente vê-se uma infinidade de conflitos dispersos em muitas áreas do planeta.
Mas em que medida conflitos em regiões como a África Subsaariana e o Oriente Médio podem afetar sociedades alheias àqueles problemas? A resposta passa pelo aparecimento de duas personagens, cuja responsabilidade recairá sobre outras sociedades que não aquelas de onde elas provêm: o refugiado e o imigrante.
Refugiados e Imigrantes: fuga da guerra e da pobreza
Termos que geralmente se confundem, a diferença entre eles é basicamente jurídica. Para “refugiado” citamos aqui a definição usada pelo Comitê Nacional para os Refugiados (CONARE), ligado ao Ministério da Justiça do Brasil:
Será reconhecido como refugiado todo indivíduo que:
I – devido a fundados temores de perseguição por motivos de raça, religião, nacionalidade, grupo social ou opiniões políticas encontre-se fora de seu país de nacionalidade e não possa ou não queira acolher-se à proteção de tal país;
II – não tendo nacionalidade e estando fora do país onde antes teve sua residência habitual, não possa ou não queira regressar a ele, em função das circunstâncias descritas no inciso anterior;
III – devido a grave e generalizada violação de direitos humanos, é obrigado a deixar seu país de nacionalidade para buscar refúgio em outro país.
Já no blog “Cidadania e Profissionalidade” encontramos uma ideia de como os cidadãos, neste caso portugueses, entendem “imigração/emigração”, cuja explicação vem dos leitores Helder Monteiro e Helder Ribeiro:
A emigração é o acto e o fenómeno espontâneo de deixar o seu local de residência para um país estrangeiro.
A imigração é o movimento de entrada, permanente ou temporário e com a intenção de trabalho e/ou residência, de pessoas ou populações, de um país para outro. A imigração em geral ocorre por iniciativa pessoal, pela busca de melhores condições financeiras.
No caso do Brasil, como nos outros países, é a Constituição que dá a definição do estatuto legal aos estrangeiros que se tornam brasileiros. O capítulo III – Da Nacionalidade –, deixa claro quem tem direito à naturalização: “Os estrangeiros de qualquer nacionalidade, residentes na República Federativa do Brasil há mais de quinze anos ininterruptos e sem condenação penal, desde que requeiram a nacionalidade brasileira”.
Assim, na superfície observa-se que enquanto os refugiados deixam seus países pela força dos conflitos e perseguições, os emigrantes partem voluntariamente à procura de condições laborais mais favoráveis à manutenção de suas famílias. Observando em mais profundidade, a questão jurídica apresenta-se da seguinte forma: os refugiados têm o seu status determinado inicialmente pelas Nações Unidas, cujo pedido de asilo é então julgado pelo país acolhedor; já os imigrantes são assunto somente das leis do país que os adotou, sem ingerência exterior.
Refugiados no Brasil: número e perfil
Sabe-se que, de acordo com o Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados, havia no final de 2012, cerca de 15,4 milhões de refugiados no mundo. Desse número o Brasil abrigava até ao final de 2013 cerca de 4.656. O número é alarmantemente pequeno quando comparado ao do país que mais refugiados abriga, o Paquistão, com cerca de 1,6 milhões de pessoas.
Mas embora ainda sejam poucos numericamente, proporcionalmente a 2012 eles praticamente triplicaram quando comparados a 2013, passando de 199 autorizações para 649, tal como mostra um artigo republicado no blog Lajes do Cabugi.
Trata-se do resultado das pressões externas que o Brasil sofreu por parte de ONGs, e mesmo de países, que exigem o abandono do discurso terceiromundista de que o país tinha insuperáveis problemas internos a preocupar-se. Uma e outra razão provocaram no ano passado o começo de um debate nacional sobre a flexibilização das leis que tratam do assunto. Paralelamente, por conta do número de pessoas deslocadas por conflitos no mundo ter praticamente dobrado da década de 1990 para cá, o resultado foi a assunção no País de maiores responsabilidades exteriores e o consequente recebimento de mais refugiados.
O exemplo que mais chama a atenção é o dos sírios que buscaram refúgio no Brasil. Dada a situação atual da Síria, o governo brasileiro anunciou recentemente um plano para a concessão especial de “vistos humanitários” para nacionais sírios que buscam refúgio no Brasil – o primeiro do gênero na América Latina – cujo tempo para a sua obtenção é menor que o usual para a emissão desse tipo de documento. Além disso, os vistos humanitários podem estender-se ao familiares do refugiado que estejam vivendo nos países vizinhos da Síria.
O blog “O Estrangeiro” descreveu a evolução numérica dos refugiados sírios no Brasil:
O Brasil tem sido um destino cada vez mais recorrente dos cidadãos sírios que tentam escapar da guerra civil que abala o país há mais de dois anos, agravada pela possível intervenção militar dos Estados Unidos. Desde o início dos conflitos, em março de 2011, o número de refugiados sírios no Brasil saltou 15 vezes: foi de 17 para 261. Eles já correspondem a 6% do total de refugiados no país.
Os refugiados e a construção de uma nova imagem no cenário internacional
As ambições do Brasil de vir a fazer parte do Conselho de Segurança da ONU, juntamente com o aumento da sua participação na governança global, impuseram-no um dilema incontornável: a passividade sem riscos ou a tomada de responsabilidades sobre questões que até há pouco tempo mantinha-se alheio. Este novo posicionamento implica no aumento de tropas no exterior em missões sob mandato da ONU e na participação em organismos como o Conselho Consultivo da Agência das Nações Unidas de Assistência aos Refugiados Palestinos (UNRWA, na sigla em inglês), para o qual o país aguarda a sua entrada uma vez que seja ratificada uma doação de US$ 6,5 milhões.
O debate sobre os refugiados no Brasil promete ser entusiasmante. Ele colocará frente a frente refugiados estrangeiros a refugiados brasileiros – sim, os há –, são os habitantes das favelas submetidos à violência de traficantes de drogas ou de policiais corruptos, migrantes dos Estados mais pobres do País que aceitam trabalhos próximos à escravidão nas grandes cidades para fugir à miséria absoluta de seus vilarejos, entre outros. Ambas as realidades são muito semelhantes e se forem observadas com atenção pelos congressistas, perceberão que em muitos pontos do Brasil a situação é muito parecida com as que vivem as populações da Palestina ou Sudão do Sul.