O impacto ambiental e humanitário da extração de ouro na Turquia

Imagem por Arzu Geybullayeva

Em 13 de fevereiro, um deslizamento que deslocou 10 milhões de metros cúbicos de terra sobre uma encosta de 200 metros na Mina de Ouro Çöpler, na cidade de İliç, na Turquia, mais uma vez levantou questões a respeito da falta de supervisão do governo nas operações de negócios privados no país, incluindo a indústria de mineração. Pelo menos nove trabalhadores ainda estão desaparecidos no momento em que esta reportagem foi escrita. Há uma preocupação crescente entre os especialistas ambientais de que cerca de 1.000 hectares de terra na região foram expostos ao cianeto e ácido sulfúrico utilizados na mina para a extração.

Essa não é a primeira vez em que houve vazamento de cianeto na mina. Em 2022, o rompimento de um duto que transportava cianeto vazou “resíduos altamente nocivos na Barragem de İliç, no rio Eufrates” – o maior rio da Ásia ocidental, que se estende por 2.800 quilômetros e flui pela Turquia, Síria e Iraque. A empresa reconheceu o vazamento, mas refutou as alegações de que havia danificado o rio. A empresa voltou aos negócios normalmente pouco tempo depois.

O Ministério do Meio Ambiente garantiu que “nenhuma contaminação” foi “detectada por enquanto” e isolou um riacho que vai da mina até o Eufrates.

Especialistas e engenheiros ambientais discordam. O engenheiro metalúrgico Cemalettin Küçük, que falou à Deutsche Welle (DW) Turca, disse que os produtos químicos no solo provavelmente se misturaram ao Eufrates por debaixo da terra, dada a magnitude do deslizamento e a poluição química que causa ao meio ambiente em sua forma amontoada.

Da mesma forma, em uma entrevista para DW turca, a presidente da TEMA (Fundação Turca de Combate à Erosão do Solo), Deniz Ataç, disse que não havia membrana protegendo o solo e, portanto, não havia como impedir que os produtos químicos se misturassem com subsolo. “Estamos observando uma área que tem 30-40 metros de altura, pelo menos 1 km de comprimento e não muito estreita na largura. Esse cianeto está em contato direto com o solo”, disse Ataç.

A plataforma ambiental Ilic Nature, formada por um grupo de ambientalistas locais, disse que apesar de o Ministério ter garantido o isolamento dos afluentes do rio, ele já está contaminado. “Não feche (o riacho), feche a mina”, disse o grupo.

Entretanto, enquanto as instituições estatais se comprometeram a investigar a causa do deslizamento de terras, o principal culpado – a empresa que opera a mina – ainda não enfrentou graves repercussões. Até o momento, suspendeu seus trabalhos apenas por alguns dias.

De acordo com o Gazete Duvar, o Sindicato das Câmaras de Engenheiros e Arquitetos da Turquia (TMMOB) apresentou, em novembro de 2023, uma petição em um tribunal de Erzincan “alertando sobre o risco de deslizamento nas instalações mineradoras”. O sindicato já havia apresentado várias outras petições semelhantes no passado.

O sindicato desafiou a Anagold Madencilik, empresa que opera a mina desde 2010. Ela é propriedade da SSR Mining, com sede em Denver, Colorado, e da Çalık Holding, com sede na Turquia.

Apesar dos apelos feitos pelo Sindicato das Câmaras de Engenheiros e Arquitetos da Turquia para o governo  para fechar a mina até o dia 19 de fevereiro, nem todas as licenças da empresa haviam sido revogadas.

De acordo com o vice-presidente do principal partido de oposição (Partido Republicano do Povo (CHP)), Deniz Yavuzyılmaz, responsável pelo Ministério da Energia e dos Recursos Naturais, “embora [o Ministério do Meio Ambiente] tenha cancelado a licença ambiental da empresa, não houve o cancelamento de seis licenças de operação concedidas à Anagold pelo Ministério da Energia”.

Em uma entrevista à Bloomberg, Dersim Gül, secretário-geral do sindicato, disse: “Estamos perante um possível desastre ambiental”.

Um ex-funcionário da Anagold, que conversou com a Deutsche Welle Turca, disse que o que aconteceu na mina foi devido à falta de controle por parte do Estado. O ex-funcionário disse também que não houve deslizamento de terra. “Não existe tal coisa. Houve lixiviação. Em outras palavras, há minério no solo, e ele está contaminado com cianeto. No mínimo, dois milhões de metros cúbicos desse solo tóxico foram espalhados aqui e ali. E metade está localizada em uma área não controlada. Atualmente, há 99% de chances dele se misturar com a água subterrânea por meio da chuva”, explicou o ex-funcionário.

Um método tradicional usado por empresas de mineração de ouro é a lixiviação em pilhas – um processo em que o minério é dissolvido e o ouro é extraído com a ajuda do cianeto – um produto químico mortal que pode prejudicar a flora e a fauna circundantes em caso de vazamento.

Interessada em expandir seu setor de mineração, a Turquia desenvolveu uma política de atrair investidores estrangeiros e oferecer-lhes condições especiais para desenvolver o que considera uma prioridade econômica estratégica. Em 2000, a Direção Geral de Pesquisa e Exploração Mineral (MTA) e o Ministério da Energia começaram a mapear depósitos minerais. Em 2004, o governo também alterou a Lei de Minas, concedendo licenças de exploração às empresas, reduzindo impostos e permitindo operações em áreas anteriormente protegidas. Finalmente, em 2010, começou a converter licenças de exploração em licenças operacionais.

De acordo com o site da Anagold, a empresa afirma com orgulho que a mina é “uma das melhores do mundo”, e que a opera “com segurança” e “cumpre as regulamentações turcas e internacionais”:

The safe operation of the mine and facilities is closely monitored by the government and Anagold officers. The operations of Anagold and its contractors have always been in compliance with regulations and continues to be a Turkish business delivering at the highest standard.

A operação segura da mina e das instalações é monitorada de perto pelos oficiais do governo e funcionários da Anagold. As operações da Anagold e seus contratados sempre estiveram em conformidade com os regulamentos e continua sendo uma empresa turca que oferece o mais alto padrão.

Além do vazamento da tubulação em 2022, a mina foi brevemente fechada em 2020 após um derramamento de cianeto no rio Eufrates. Apesar disso, voltou a funcionar logo após pagar uma multa e concluir a operação de limpeza.

Nenhum dos acidentes anteriores impediu o governo de fechar a mina completamente. Em um país que tem um histórico de segurança de minas ruim, será que funcionará na terceira tentativa?

Os culpados

Em 18 de fevereiro, a polícia deteve Cengiz Demirci, diretor e vice-presidente sênior de operações da SSR. Demirci foi libertado no dia seguinte. No início desta semana, outros oito funcionários da mina Çöpler foram detidos como parte de uma investigação em curso, e seis foram formalmente presos.

As autoridades também detiveram um ativista ambiental, Sedat Cezayirlioğlu, que há muito tempo vem fazendo campanha contra a mina com suas críticas on-line. “O que mais você esperava?”, perguntou a jornalista veterana Özlem Gürses em seu canal do YouTube. “Você não estava esperando a prisão dos verdadeiros culpados por este acidente, dos ministérios que aprovaram e distribuíram os relatórios de Avaliação de Impacto Ambiental (AIA), ou dos funcionários envolvidos na suposta corrupção com a empresa mineradora?”

“Há mais gente a ser responsabilizada”, disse o engenheiro metalúrgico Cemalettin Küçük em uma entrevista à DW Turca. Ele estava entre os especialistas cujas descobertas no relatório de 2022 alertaram para possíveis deslizamentos, bem como contaminação do solo, quando a empresa solicitou permissão para expandir a capacidade; no entanto, foram ignoradas. Os investigadores devem questionar a Diretoria Provincial de Meio Ambiente, o Ministério do Meio Ambiente e o ex-ministro Murat Kurum, explicou Küçük.

Kurum serviu como ministro do Meio Ambiente e Urbanização entre 2018 e 2023, e atualmente é o candidato do Partido da Justiça e Desenvolvimento (AKP) nas eleições locais, concorrendo como candidato à prefeitura de Istambul.

O ex-ministro está sendo criticado por aprovar o relatório da Avaliação de Impacto Ambiental (AIA) durante seu mandato, apesar dos avisos de especialistas. Kurum refutou as críticas, dizendo que a responsabilidade do Ministério é avaliar o impacto ambiental, não a expansão da empresa, que está além de sua jurisdição.

Não houve outras demissões por autoridades do Estado.

O pior desastre de mineração do país ocorreu em 2014, matando mais de 300 mineradores. O desastre e os protestos nacionais e internacionais levaram o AKP a finalmente ratificar a Convenção de 1995 da Organização Internacional do Trabalho sobre Segurança em Minas. No entanto, os documentos e as alterações legais não têm sentido quando não são implementados e monitorados. O incidente em İliç é uma prova disso. Sendo uma organização não governamental local, o Centro para Justiça Espacial descreveu o que aconteceu em İliç não como um “deslizamento de terra”, mas como resultado de todos os atores envolvidos, desde a tomada de decisões até as empresas mineradoras e as instituições públicas, agindo de forma contrária aos fatos científicos.

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