Portugal: activista de direitos humanos que luta contra o racismo ganha prémio internacional

Mamadou Ba, da SOS Racismo - captura de ecrã YouTube, feita pelo autor

Mamadou Ba, da SOS Racismo – captura de ecrã YouTube, feita pelo autor

Nos últimos quatro anos, o debate em torno do racismo que tem crescido em Portugal.  Comunidades dos países lusófonos Africanos têm levantado as discussões por conta dos laços históricos colonialistas.

Um dos casos mais emblemáticos é evidenciado no campo político. O primeiro deu-se em 2019, quando pela primeira vez foram eleitas três Deputadas negras para o Parlamento Português.

As três mulheres eleitas, Beatriz Dias pelo Bloco de Esquerda, Romualda Fernandes pelo Partido Socialista e Joacine Katar Moreira pelo Livre, são todas de origem guineense. Elas receberam na altura uma felicitação oficial do Governo de Guiné-Bissau que considerou como um “momento histórico” da democracia portuguesa.

Das eleitas, o nome de Joacine Katar foi aquele que colheu maior eco, sobretudo por ter sido a única eleita no seu partido. Assim, após a eleição surgiram vozes que davam indicação que ela não devia tomar posse, porque não era portuguesa e devia até ser devolvida ao seu país de origem.

Uma das vozes de maior ataque veio de um outro deputado, André Ventura, também eleito para Assembleia, líder de um partido considerado como da extrema direita na política portuguesa. Tudo surge após a deputada ter proposto que era preciso fazer a restituição das obras das antigas colónias de Portugal. Como resposta, o partido de Joacine referiu:

Face aos contínuos ataques de carácter e referências de índole racista e sexista por parte de deputados e dirigentes partidários da direita, nomeadamente do CDS-PP e do partido de extrema-direita “Chega”, e que têm como alvo a deputada Joacine Katar Moreira, deputada única representante do partido LIVRE, o LIVRE não pode deixar de repudiar veementemente esses ataques e o uso de uma linguagem depreciativa e difamatória, que perpetua estigmas racistas e sexistas na sociedade portuguesa.

Ou seja, ao invés de inspirar a celebração que estas conquistas podiam merecer, o acto eleitoral daquele ano deu azo a um ataque à pessoa e figura pública de Joacine Katar Moreira. Este ataque é também foi visto como uma estratégia de deslegitimação da participação política de pessoas racializadas e das políticas de promoção da igualdade étnico-racial que estas reivindicam, como contou um portal local.

No dia 19 deste ano, Joacina fez uma publicação no seu Facebook, na qual chamava atenção para a necessidade de se lutar contra o racismo:

A 21 de Março comemoramos o Dia Internacional de Luta pela Eliminação da Discriminação Racial. Pedi a 100 pessoas que usassem a sua voz e palavra para se manifestarem. E peço-vos que as escutem. O racismo combate-se com o Lugar de Escuta. A 20 e 21 de Março publicarei aqui 100 cartões. Obrigada e a Luta é de todas e todos!

O outro caso não data de longo tempo, tendo sucedido de novo na arena política, quando em Agosto de 2020, um e-mail anónimo foi enviado a ela e às deputadas Mariana Mortágua e Joacine Katar Moreira dando “um prazo de 48 horas” para “rescindirem das suas funções políticas e deixarem o território português,” e fazendo ameaças aos seus familiares caso não o fizessem “para garantir a segurança do povo português.”

Num caso recente, houve a publicação de comentários racistas contra um comentador da Televisão Pública de Portugal, RTP. O acto deu-se no Facebook de um desportista de um dos clubes da capital Lisboa, que após a repercursão do caso viu-se numa situação de solicitar que os seus seguidores parassem com comentários daquele tipo:

Lamento pessoal, mas neste campo eu sou completamente contra. E nesta luta eu estou ao lado do Blessing ou outra pessoa, mesmo que o tenha criticado numa opinião sua.
Não é fácil controlar tantos comentários e isso não serve de desculpa. Sinto-me envergonhado com esta situação e qualquer comentário passará a ser condenado e apagado. Somos muito mais do que isto. As minhas mais sinceras desculpas.
PS: Obrigado às pessoas que me alertaram e se preocuparam com a situação.
O reconhecimento
Todos esses casos culminaram recentemente com a distinção de um maiores activistas a residir em Portugal que luta pelo fim do racismo naquele país.
Trata-se de Mamadou Ba, que se tem dedicado a sua vida ao activismo anti-racista. É membro do Movimento SOS Racismo desde 1999 e é membro fundador de várias organizações nacionais e europeias que defendem os direitos dos migrantes e das pessoas racializadas.
Mamadou é uma das vozes mais proeminentes do movimento anti-racista em Portugal, que tem denunciado a proliferação do discurso do ódio. Como tal, é também um dos alvos preferidos dos ataques de extrema-direita e dos movimentos neonazistas em Portugal.

Por exemplo, no início de 2020, Mamadou Ba recebeu uma carta com uma ameaça de morte em sua casa. Em Fevereiro de 2021, foi lançada uma petição online para o privar da sua cidadania portuguesa e para o deportar de Portugal. E desde Junho, a sede do SOS Racismo foi vandalizada duas vezes com suásticas e calúnias racistas

Como forma de reconhecimento, a Front Line Defenders, dedicou ao activista Mamadou Ba o Prémio para Defensores dos Direitos Humanos em Risco, numa lista também composta por outros activistas inernacionais.

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