Desfecho do caso Josina Machel, vítima de violência doméstica, gera contestação em Moçambique

 

Josina Machel, em entrevista à BBC em Dezembro de 2015. Imagem: BBC/Screenshot

Um caso de violência doméstica voltou a levantar debate em Moçambique. Na semana passada, o empresário Rafael Licuco foi condenado a três anos e quatro meses de prisão, convertidos em pagamento de uma indemnização de 200 milhões de meticais (cerca de 3 milhões de dólares americanos), por ter espancado sua namorada Josina Machel, filha do ex-presidente de Moçambique Samora Machel, que perdeu a visão de um olho como consequência da agressão.

Após se conhecer a sentença, várias foram as pessoas que se indignaram pelo desfecho, questionando o valor da indemnização — cujo pagamento abonará o agressor da pena prisional — e a rapidez com o que o caso foi julgado, a que atribuem à influência da família da vítima. Muitos lembraram que há milhares de outros casos semelhantes em Moçambique que estão esquecidos. Já outros consideraram que o caso serve de exemplo para futuros agressores.

Josina Machel, que também é filha da activista Graça Machel e enteada de Nelson Mandela, veio à público no fim de 2015 relatar a agressão que sofreu no dia 17 de Outubro daquele ano, em Maputo. Supõe-se que após uma discussão dentro de um carro, Licuco, com quem Josina mantinha um relacionamento havia dois anos, deu dois socos em seu rosto, um deles atingindo seu olho direito. Ferida, Josina contou ter fugido cambaleado e sem que ninguém a ajudasse, por fim acordando em um hospital, onde foi informada que perdera a visão de um olho.

O país tem visto a violência doméstica evoluir ano após ano. No ano passado, em todo o país, contabilizaram-se 25 mil casos, segundo reportagem da Deutsche Welle. O Ministério da Saúde já admitiu que a violência doméstica é um caso de saúde pública em Moçambique. A “Lei Sobre a Violência Doméstica Praticada Contra a Mulher”, promulgada em 2009, prevê penas de até 12 anos de prisão para agressão doméstica.

Outro caso marcante sucedeu em Dezembro de 2016, quando outra filha de um ex-presidente de Moçambique, Valentina Guebuza, foi assassinada a tiros pelo seu próprio marido, Zófimo Muiuane, que está preso aguardando julgamento.

Em uma publicação do Facebook, houve quem achasse exorbitante o valor solicitado ao acusado nos comentários, como foi o caso da Joselina Caetano:

Mas porque esse todo valor? Será que a justiça moçambicana quando julga alguém olha para o apelido? Por me ficavas na cadeia esses 3 anos por bom comportamento acho que irias ficar só um em vez de enriquecer essa dai…Justiça moçambicana as vezes não vale para nada

Tomás Machava pergunta até que ponto esse valor pode significar alguma coisa perante milhares de moçambicanos que são todos os dias violados:

Em Moçambique TODOS somos iguais perante a lei, porém, a lei não é igual perante a TODOS..Quantos não são mortos e não são pagos nem a metade dessa fortuna às suas famílias!!! Agora pergunto onde esta a igualdade social????

Numa notícia publicada pelo portal DW em Português, o Bastonário da Ordem dos Advogados de Moçambique, Flávio Menete, explica como se pode determinar a indemnização:

(…) Relativamente a danos não patrimoniais, e é sobre esses danos que versa a matéria controvertida, manda a lei, que é o Código Civil, que nos devem ser atendidos quando a sua gravidade.

(…) Naturalmente que não estamos a discutir se há ou não gravidade, na medida em que a pessoa ficou sem o olho. Agora, quanto ao montante da indemnização, o Código Civil estabelece que o montante deve ser fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção o grau de culpabilidade do agente da infracção, a situação económica dele e situação económica do lesado e também as circunstâncias.

Na mesma reportagem, Maria Paula Vera Cruz, presidente do Fórum Mulher, organização em prol dos direitos da mulher em Moçambique, considera que o alto valor traz ainda outros problemas:

O dinheiro vai distrair-nos, vai tirar-nos do foco. Penso que o dinheiro vem trazer algum problema de reflexão para todos nós em relação à sentença, a lei e a todo o processo que está a volta do caso.

Dioclésio Ricardo refere que todos aqueles que só pensam no dinheiro revelam o quão a sociedade moçambicana enferma de um grave problema social:

Não mais disfarçam! A intolerância, a violência e a imoralidade são, cada vez mais, notórios na nossa sociedade. Não há pudor. Revelam-se em plena luz do dia. Deseja-se a morte, crucifica-se a vítima, humilha-se e devassa-se a vida privada. É recorrente!

Patrícios, o nosso sistema jurídico é de uma família que não se verga ao precedente. Se uns obtiveram uma indemnização de X porque morreu o menino, não legitima que o olho de uma (presumível) vítima de violência doméstica valha menos a título compensatório. Não é obrigatório que o juiz fixe igual ou menos. Pode fixar mais e mais!

(…) Urge uma auditoria moral à sociedade. Estamos imorais demais. Aliás, criamos uma moral na imoralidade. Não mais respeitamos a dor do outro. Comparamos tudo e mesmo o incomparável.

Mauro Paulo congratula o desfecho do caso, considerando que é um vitoria conta a violência doméstica:

Parabéns à VÍTIMA de violência doméstica que conseguiu punir bem mesmo seu agressor. Que as outras tenham feeling de denunciar seus agressores também. Se a justiça não funcionar para vocês, culpem os advogados, promotores e juristas, que não sei para que existem neste País ou a quem servem, e ao cidadão comum que é corrupto e condiciona o espírito da corrupção no dia-a-dia e a todos os níveis.

A vítima, Josina Machel, já referiu que caso receba o valor da indemnização quer usar em prol de outras mulheres que sofrem com o mesmo mal, tendo até já criado uma Associação chamada ”Kuhluka” (erguer-se) para implementar tal iniciativa.

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