Este artigo foi originalmente publicado em PesaCheck.org, a primeira iniciativa de verificação de fatos da África Oriental.
Em uma notícia publicada pelo jornal The Citizen na Tanzânia, o Dr. John Lwegasha, chefe da unidade de gastroenterologia e hepatologia do Hospital Nacional Muhimbili, disse que a hepatite B é responsável por mais mortes por doenças infecciosas do que o HIV.
“Na Tanzânia, a taxa de transmissão de hepatite B, que é de 8%, excede a taxa de transmissão de HIV, que está abaixo de 6%, de acordo com dados recentes disponibilizados pelo Departamento Nacional de Estatística (NBS)”, disse. “Isto significa que a hepatite B é responsável por mais mortes [sic] do que o HIV”.
A hepatite é uma infecção potencialmente fatal do fígado que, em geral, é causada por vírus, mas também pelo consumo excessivo de álcool, comportamento sexual de risco, doenças autoimunes e toxinas.
Os vírus da hepatite A e E são transmitidos, sobretudo, de uma pessoa para outra por meio de água contaminada, alimentos como mariscos e vegetais crus ou frutas preparadas por manipuladores de alimentos infectados. O vírus se prolifera amplamente em populações que vivem em áreas com pouca infraestrutura sanitária.
Por outro lado, as hepatites B e C são transmitidas através de produtos sanguíneos infectados, relações sexuais desprotegidas, itens infectados como agulhas, lâminas de barbear, equipamentos dentais e médicos, transfusões de sangue não triado ou ainda pela transmissão da mãe para o filho durante o parto.
De acordo com a Organização Mundial da Saúde, a hepatite viral afeta 400 milhões de pessoas em todo o mundo e, diante da proporção da epidemia, todos podem estar ameaçados.
A nível mundial, estima-se que 95% das pessoas com hepatite desconhecem sua própria situação. Os exames de hepatite são complexos e podem ser dispendiosos, com a capacidade precária de laboratórios em muitos países, incluindo a Tanzânia, onde as avaliações diagnósticas e terapêuticas custam 470,000 xelins tanzanianos (21 dólares americanos) e a assistência médica custa 250,000 xelins (111 dólares) por mês durante o período de tratamento.
Dados oriundos da instituição de caridade AVERT para HIV e AIDS mostram que 33,000 tanzanianos morrem anualmente por complicações relacionadas ao HIV/AIDS. Enquanto as mortes relacionadas ao HIV são relativamente bem documentadas, encontrar estatísticas sobre quantas pessoas morrem de hepatite é mais difícil. Uma estimativa de carga de doença do site de informações de doenças HealthGrove estima que a Tanzânia tem uma taxa de mortalidade por hepatite de 0,9 para 100,000 pessoas. Considerando esse número no tocante à população do país, cerca de 500 pessoas morrem de causas relacionadas à hepatite todo ano.
Dados da Organização Mundial de Saúde acerca da hepatite revelam que, a nível global, cerca de 1% das pessoas que vivem com hepatite B (2,7 milhões de pessoas) também estão infectadas com o vírus HIV. A taxa é maior na Tanzânia, onde 2,8% dos indivíduos testados em um estudo publicado na BioMed Central apresentam coinfecção por hepatite B e HIV.
A cobertura da mídia sobre a doença na Tanzânia focou em seu surgimento como uma “crise de saúde pública”, com algumas publicações que a consideram uma “matadora silenciosa“, pois a hepatite leva de cinco a dez anos para se tornar uma doença crônica.
Muitas reportagens na mídia local, incluindo este artigo do jornal The Guardian, indicam que os tanzanianos são duas vezes mais propensos a serem infectados com hepatite do que com HIV, principalmente por causa de relações sexuais desprotegidas.
Doctors are warning that Tanzania could be on the brink of a major health crisis brought about by the outbreak of viral Hepatitis, which has been described as a silent killer, due to its fast rate of infection and late diagnosis.
Médicos alertam que a Tanzânia pode estar à beira de uma grave crise de saúde provocada pela eclosão de hepatite viral, descrita como uma doença matadora silenciosa, devido a sua rápida taxa de infecção e disgnóstico tardio.
Com a mídia da Tanzânia fazendo uso de um discurso tão alarmante acerca do assunto, a pergunta que lançamos é: qual é a chance de a doença causar uma “grave crise de saúde” que poderia ameaçar o sistema de serviços públicos do país?
A organização Pesacheck investigou a declaração de que a hepatite causa um maior número de mortes do que o HIV na Tanzânia e verificou que a afirmação é FALSA pelos motivos a seguir:
Uma averiguação do Instituto de Medição e Avaliação em Saúde dos Estados Unidos sobre as principais causas de morte na Tanzânia de 1990 a 2015 mostra que o HIV/AIDS foi responsável por 12,5% de todas as mortes no país em 2015, enquanto a cirrose e outras doenças de pulmão causadas por hepatite B e C representaram cerca de 0,6% de todas as mortes dentro do mesmo período.
Dados oriundos do HealthGrove também revelam que as mortes relacionadas à hepatite B por 100,000 pessoas na Tanzânia tiveram uma queda de 24,6% de 1990 a 2013, uma média de 1,1% ao ano. Com 7,9 mortes por 100,000 homens em 2013, a taxa média de mortalidade masculina foi maior do que a feminina (2,1 por 100,000). Isso se dá porque a hepatite é agravada pelo consumo abusivo de álcool, que é mais alto entre os homens.
Não há como negar que a hepatite é um problema de saúde na Tanzânia. O relatório do Dia Mundial de Combate à Hepatite 2017 posiciona a Tanzânia entre os 17 países com uma alta prevalência de hepatite, representando 70% da carga global da doença.
A mídia local tem razão em deixar o público a par da ameaça da hepatite. No entanto, nosso argumento é que as matérias das mídias locais estão desconsiderando o fato de que a prevalência da hepatite está diminuindo. Isso se dá pelo fato de que as informações locais a respeito da prevalência da hepatite são mais difíceis de ser obtidas do que os dados sobre HIV/AIDS, tornando difícil uma comparação.
A alegação do Dr. Lwegasha parece estar baseada em dados da OMS para 2017, os quais mostram que a hepatite viral está se tornando mais prevalente a nível global, causando 1,34 milhões de mortes em 2015, em comparação às mortes por tuberculose, e excedendo as mortes por HIV, que representam mundialmente cerca de 1 milhão.
A situação local na Tanzânia é diferente, pois o HIV/AIDS e suas complicações causam mais mortes do que a hepatite A, B e C e doenças combinadas relacionadas ao fígado.
Dessa forma, a afirmação de que há mais mortes causadas por hepatite do que por HIV/AIDS na Tanzânia é FALSA. Os dados mostram que, enquanto as taxas de transmissão e infecção para a hepatite estão crescendo, em geral o HIV/AIDS causa mais mortes. Além disso, a Tanzânia atingiu uma taxa de imunização de 98% entre recém-nascidos para hepatite B, o que significa que provavelmente haja uma queda na prevalência no futuro.
Você gostaria que verificássemos algum fato a respeito do que algum político ou figura pública declarou sobre contas públicas? Preencha este formulário (em inglês) ou entre em contato conosco por meio de qualquer um dos canais abaixo e o ajudaremos garantir que você não está sendo enganado.
Este artigo foi escrito por Belinda Japhet, membro do PesaCheck, uma consultoria de comunicação e editora on-line sediada na Tanzânia. Os infográficos foram feitos pelo queniano Brian Wachanga, bolsista do PesaCheck e tecnólogo em gestão pública interessado em visualização de dados. Este artigo foi editado pelo editor da revista PesaCheck, Eric Mugendi.
PesaCheck, co-fundada por Catherine Gicheru e Justin Arenstein, é a primeira iniciativa de verificação de dados da África Oriental. Busca auxiliar o público na separação de fatos e ficção em pronunciamentos públicos sobre os números que dão forma ao nosso mundo, com atenção especial aos pronunciamentos a respeito de finanças públicas que envolvem a execução governamental dos chamados “Objetivos de Desenvolvimento Sustentável” ou serviços públicos ODS, tais como assistência médica, desenvolvimento rural e acesso à água/saneamento. O PesaCheck testa também a veracidade das reportagens da mídia. Descubra mais a respeito do projeto acessando o site pesacheck.org.