Campanha #TakeDownJulienBlanc repercute no Brasil; governo anuncia veto ao visto do “instrutor”

#TakeDownJulienBlanc. Foto da página do Facebook "Conspiração dos Unicórnios Satânicos Pela ditadura Comunista Gay e Feminazi".

#TakeDownJulienBlanc. Foto da página do Facebook “Conspiração dos Unicórnios Satânicos Pela ditadura Comunista Gay e Feminazi”.

A visita de Julien Blanc ao Brasil para a realização de palestras sobre como “pegar mulheres” seguiu o exemplo do que aconteceu em outros países e causou grande comoção nas redes sociais. Um abaixo-assinado contra a sua visita reúne até o momento mais de 350 mil assinaturas. A resposta do Itamaraty (Ministério das Relações Exteriores no Brasil) foi rápida: o órgão já anunciou o veto ao visto do norte-americano apenas dois dias após o lançamento da petição.

Julien Blanc daria duas palestras no Brasil em janeiro, no Rio de Janeiro e Florianópolis, cobrando US$ 800 por ingresso. Ele é coach da Real Social Dynamics, empresa que se autointitula “líder internacional em dicas de conquista”, e defende abordagens violentas para a “sedução” de mulheres. O perfil Ozomexplicanista divulgou alguns dos tuítes da conta do norte-americano, que a tornou privada depois que suas “táticas” se tornaram mundialmente conhecidas:

“RUH = Resistência de Última Hora. Primeiro você ganha intimidade, alegando que não é sexual. Então você a estupra fazendo parecer que intimidade significa consentimento sexual.”
“Cara, eu vou te ensinar como “despedaçar” a falta de consentimento dela. Pague-me e estupre todas elas.”

“Não se preocupe. Eu apenas abuso de mulheres”.

O discurso de violência e a defesa aberta do estupro foram o mote para pedir o veto a entrada de Blanc, que foi deportado da Austrália  após pressão da sociedade civil deste país. Movimentos parecidos também estão sendo realizados no Reino Unido, no Canadá e no Japão para o cancelamento de suas palestras e impedimento da sua entrada.

A professora Lola Aronovich, do blog feminista Escreva Lola Escreva, reproduziu um comentário de um de seus leitores que tem acesso à comunidade de “pick-up artists” no Brasil relatando o perfil do público frequentador do tipo de palestra dada por Julien Blanc.

“O grupo PUA Brasil é antigo, forte, bem organizado. Eles realizaram eventos cobrando R$ 500 o ingresso.

Eu passei horas lendo o que essa turma do PUA Brasil escreve. Grande parte é isso ai mesmo: estupro de vulnerável. Técnicas de conquista, sedução, sedação e como não deixar indícios de violência sexual e não criar imagem de malvado transferindo para a mulher por meio de técnicas subliminares elaboradas a responsabilidade pela relação. […] 

A principal vítima desses PUAs são pré-adolescentes que atingiram a idade de consentimento, 14 anos. Elas são mais fáceis de ser conquistadas e têm vergonha de expor a violência.”

No site da Avaaz, as organizadoras da petição falaram sobre o significado dessa campanha:

Essa petição não é uma causa só pra que Julien Blanc não entre no Brasil, gira em torno de uma causa maior: O Combate a violencia contra a mulher, pois não podemos suportar mais e é uma prova de que estamos juntos para combater isso!

Para a blogueira feminista Nádia Lapa, do Cem Homens em Um Ano, o boicote deve ser estendido àqueles que patrocinam a turnê de Blanc:

Ainda precisamos descobrir quem está patrocinando os eventos no Brasil e manifestar nosso repúdio e boicote. O que não precisamos é de uma convenção de homens que odeiam as mulheres.

Violência e cultura do estupro

Segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública, uma mulher é estuprada no Brasil a cada 10 minutos. O Mapa da Violência de 2012, da Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais, mostrou que 43 mil mulheres foram assassinadas no Brasil em 10 anos, número alarmante, apesar dos avanços na legislação e políticas públicas para a violência de gênero.

A psicóloga e blogueira Luciana Nepomuceno ressalta a importância de se analisar a situação para além do “choque” com a explícita defesa do estupro e de táticas agressivas para a “conquista de mulheres” realizada pelo norte-americano: 

A existência dele e de um curso assim é possível apenas porque a nossa sociedade trata a mulher como um ser “menos que” o homem. Menos humano. Menos sujeito de direitos. Ele tá na paleta entre o estuprador em série e o cara que faz piada com os amigos dizendo que “mulher quando diz não, é talvez, e quando diz talvez, é sim”.

Alguns debates também giraram em torno do comportamento feminino, que às vezes “aceita” abordagens violentas e opressoras. Numa das postagens do perfil Ozomexplica, Thatiana Oliveira comenta:

Pois é, o que existem são mulheres reproduzindo o machismo, pois foram (des)educadas a pensar que só serão alguma coisa com um omi do lado (e todos seus privilégio$ de omi)… Essa.merda toda é um círculo vicioso e não sei o que é mais difícil desconstruir :(

A mobilização em vários países contra tais “palestras” demonstram o crescente repúdio à cultura do estupro, num cenário onde a violência contra a mulher segue em níveis alarmantes, inclusive em países desenvolvidos, como mostrou uma pesquisa recente realizada pela União Europeia. Como apontou Luciana Napomuceno: 

Eu acho que as estruturas mudam na dinâmica dialética entre matéria e simbólico e um país dizer NÃO, não aceito esse discurso aqui, ainda mais um país jovem e que está se construindo – como o nosso, implica em um ganho não imediato com implicações que nem se pode dimensionar. É o sentido implicado nessa negativa que importa. O não, não pode entrar vai na contramão de toda uma cultura de apaziguamento e consentimento em relação à violência contra as mulheres. Seria um não muito bem vindo. 
 
Acho que a gente pode e deve fazer escolhas políticas. Acho que negar entrada a um discurso de violência é, sim, uma atitude política necessária. É hora de parar de minimizar as questões relativas à violência contra a mulher. É hora de tirar a luta contra o machismo das notas de rodapé.

O palestrante e a empresa até agora não se manifestaram oficialmente; eles não responderam aos pedidos de entrevista feitos pela Vice.

ATUALIZAÇÃO (17 de novembro de 2014):

Julien Blanc concedeu hoje uma entrevista à CNN se desculpando pelas suas atitudes e afirmando não ser sua intenção ofender ou causar danos. A entrevista foi realizada pelo jornalista Chris Cuomo, que questionou Blanc quanto à sinceridade de suas desculpas, apontando para as evidências de que ele abertamente incentiva abordagens violentas. Blanc se defendeu afirmando que tudo não passava de “humor de mau gosto”.

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