Cartunista Latuff ameaçado de morte por criticar polícia militar

Um comentário do cartunista Carlos Latuff, em seu Facebook, sobre o caso recente do suposto assassinato de dois policiais militares por seu filho de 13 anos, suscitou reações imediatas nas redes sociais, incluindo ameaças de morte.

Conhecido por “defender causas humanitárias através de suas charges de traços simples e humor ácido”, Latuff escreveu em seu perfil do Facebook, na terça-feira, dia 6 de agosto:

Garoto mata seu pai, que era policial da ROTA…esse menino precisa de duas coisas: atendimento psicológico e uma medalha.

Ele faz menção ao principal suspeito do assassinato de quatro adultos da mesma família na Vila Brasilândia em São Paulo. O garoto de 12 anos terá cometido suicídio após o crime, no passado dia 5 de agosto. O Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa da Polícia Civil de São Paulo está investigando as circunstâncias polêmicas em que o caso tomou lugar. O pai do garoto era sargento da ROTA (Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar), a tropa de elite da Polícia Militar (PM) de São Paulo, conhecida por assassinar indiscriminadamentee a mãe cabo da PM. A avó e a tia maternas da criança também foram encontradas mortas das imediações da casa da família.

Numa altura em que o debate sobre a desmilitarização das polícias militares no Brasil se tem aprofundado, no seguimento dos protestos massivos que tomaram as ruas do país no passado mês de junho, são frequentes as charges de Latuff criticando a ação da polícia.

Em postagem no Facebook no dia 7 de agosto ele recebeu com naturalidade as ameaças que recebeu:

Ao longo dos meus 23 anos de profissão como cartunista já fui detido três vezes por desenhar contra a truculência da polícia brasileira, e já recebi inúmeras ameaças, seja de judeus sionistas por conta de minhas charges em favor dos palestinos, seja de extremistas muçulmanos pelas minhas charges sobre a questão egípcia e síria. Portanto, ameaças fazem parte do meu trabalho.

Mas agora, policiais militares e seus seguidores passaram a ameaçar o cartunista de morte pelas redes sociais e o próprio acredita que corre perigo.

Print de um dos perfis de policial militar que ameaçou Latuff no Facebook.

Elencando uma série de comentários ameaçadores feitos contra Latuff, a Revista Fórum colheu um depoimento do cartunista no qual ele afirma que a frase foi uma “provocação”:

Esse tema é tabu. Não podemos tratar da violência policial no Brasil. Vivemos em um Estado policial, e nesse Estado você não pode ser crítico, senão é ameaçado.

A arte engajada de Latuff denunciando os crimes da Polícia Militar/ROTA. Cartum de Carlos Latuff, uso livre

No seu Facebook, a 6 de agosto, ele disse não se sentir intimidado e reafirmou:

Quem conhece meu trabalho sobre a violência policial, sabe bem o que penso sobre a atuação das polícias no Brasil e lá fora. Sou coerente com o que acredito.

Ainda assim, no dia seguinte, o cartunista alertou sobre o perigo real que corre, responsabilizando também o Estado brasileiro por qualquer coisa que venha a lhe acontecer:

Dessa vez, com as redes sociais, estas ameaças são potencializadas, graças a comunidades relacionadas a organizações policiais, que reúnem não só membros ativos das forças de repressão, como também simpatizantes com perfil fascista, anti-comunista, anti-petista, machista e homofóbico. É sabido que dois desses perfis, Fardados e Armados e Rondas ostensivas tobias de aguiar “Rota” estão incitando seus membros a tomarem ações violentas contra mim. E é bem possível que isso aconteça, afinal de contas, a polícia mata! Não seria eu o primeiro, e muito menos o último. Essa é a característica de nossas polícias, de nosso estado. E se acontecer, que sejam responsabilizados os administradores destas comunidades e o estado brasileiro.

Campanha pelo fim da Polícia Militar pegando carona nas ameaças feitas ao cartunista Carlos Latuff. Arte sobre cartum de Latuff, uso livre.

Diversas organizações demonstraram sua solidariedade, como o MTST (Movimento dos Trabalhadores Sem Teto), as Mães de Maio e o PSTU (Partido Socialista dos Trabalhadores Unificado), que também selecionou uma série de ameaças postadas em redes sociais contra o cartunista. Mensagens de apoio de indivíduos e de organizações sociais e políticas, inclusive [en] do exterior [sb], “lotaram a inbox” do autor.

Diário Liberdade republicou a carta difundida por Latuff e manifestou seu apoio ao cartunista. O coletivo de comunicação Catarse declarou Latuff como “um artista e uma pessoa fundamental na defesa dos direitos humanos no Brasil, e também em muitos outros países, onde seu trabalho alcança e influencia”.

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