Em Moçambique, Presidente acusa imprensa de ‘agir em vantagem dos terroristas’ em Cabo Delgado

Fala do presidente foi criticada por órgãos de imprensa

Cabo Delgado boundary bridge, north of Mozambique, August 4, 2009. Photo by F. Mira via CC BY-SA 2.0.

O conflito armado em Cabo Delgado, província do norte de Moçambique que faz fronteira com a Tanzânia, entrou em seu terceiro ano, e segue pouco compreendido. O local é palco recorrente de ataques perpetrados por grupos que se dizem ligados ao Estado Islâmico.

De acordo com a Human Rights Watch, o conflito já matou mais 1.500 pessoas e deslocou mais de 250 mil. O Governo de Moçambique classifica os ataques como “actos de terrorismo” e “agressão externa.”

No dia 25 de Novembro, durante a abertura da reunião do Conselho Coordenador do Ministério da Defesa, o Presidente Filipe Nyusi criticou, sem citar nomes, a cobertura da imprensa sobre os ataques, em uma declaração que gerou reacções negativas entre órgãos de media e activistas.

Disse Nyusi:

Entre as ameaças à nossa unicidade e moçambicanidade constatamos a tendência crescente da desinformação e a tentativa de manipulação da opinião pública através das redes sociais.

Preocupa-nos, também, que nesta saga de distorção da realidade na divulgação de irrealidades, estarem a ser utilizados alguns órgãos de informação, que ao invés de pautarem pelo profissionalismo, acabam, deliberadamente ou inocentemente, agindo em vantagem dos inimigos ou dos terroristas.

O Centro para Democracia e Desenvolvimento (CDD), num comunicado reproduzido pela DW África, condenou as declarações do Presidente por, a seu ver, serem “atentatórias às liberdades de expressão, de imprensa e de pensamento”.

O CDD “defende ainda o respeito pela Constituição do país a qual o Chefe de Estado jurou cumprir e fazer cumprir, que atribui aos tribunais as competências de responsabilização pela violação das leis”, refere o comunicado.

Também o MISA-Moçambique reagiu com preocupação aos pronunciamentos de Filipe Nyusi. Num comunicado divulgado no dia 26 de Novembro, diz:

Reconhece-se a importância do combate que deve ser travado contra a desinformação, as notícias falsas e a mentira deliberada, independentemente dos meios utilizados para a sua propagação.

Contudo, o Presidente da República associou esses males, sem apresentação de elementos concretos, ao trabalho feito pelos órgãos de comunicação social sobre Cabo Delgado, como uma acção de apoio aos terroristas.

O analista e activista social Borges Nhamire disse ao portal VOA que as declarações de Nyusi são consentâneas com o que tem sido o comportamento do Governo com relação à imprensa: “O Governo nunca viu a imprensa como um parceiro com relação a Cabo Delgado. Sempre tratou a imprensa como inimiga”, afirmou.

Para o activista, mais grave ainda é que as declarações possam estar “a dar carta-branca ao exército e os governos locais para serem repressivas com a imprensa”.

O jornalista Rafael Machalela condenou de igual forma o pronunciamento de Nyusi, o qual vê como forma de intimidar a liberdade de comunicar:

Por seu turno, Zenaida Machado, pesquisadora da Human Rights Watch, refere que seria bom ouvir o Presidente a condenar igualmente outros males cometidos, não só a desinformação:

Gostaria que o Presidente Nyusi pudesse usar o seu tempo com soldados para:
– Condenar violações de direitos
– Reeducá-los sobre direitos humanos
– Relembrá-los do seu dever de proteger os cidadãos
– Instá-los a tratar detidos com dignidade
– Comprometer-se a dar melhor apoio/logística

Jornalistas cobrindo Cabo Delgado frequentemente relatam abusos cometidos pelas forças armadas de Moçambique.

Em 2019, os jornalistas Amade Abubacar e Germano Adriano foram detidos enquanto realizavam apurações na província, tendo passado, respectivamente, 108 e 63 dias na prisão. Ambos foram indiciados com instigação a crime em meios informáticos e de violar segredos de Estado, e estão em liberdade condicional desde Abril de 2019.

Em Abril deste ano, o jornalista radialista Ibrahimo Mbaruco desapareceu em Cabo Delgado. A sociedade civil tem instado o Governo moçambicano a usar todos os instrumentos ao seu alcance para esclarecer o que se passou com o jornalista.

Em Novembro, a Ordem dos Advogados considerou, também, que a falta de informação pública e transparente dificulta o trabalho no norte do país.

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