Além da imagem: como os fotógrafos espanhóis Albarrán Cabrera criam experiências através de imagens

Fotografia, poesia japonesa, arte, memória, Anna P. Cabrera, Angel Albarrán

"The Mouth of Krishna" series Pigments, Japanese paper and gold leaf. 2013

A série “The Mouth of Krishna” [A Boca de Krishna]. Pigmentos, papel japonês e folhas de ouro. 2013

Para os fotógrafos espanhóis Anna P. Cabrera e Angel Albarráno tempo, a memória e a beleza representam os três principais pilares de como lidam com a arte de forma profissional e emocional.

Assinando suas obras como “Albarrán Cabrera”, as composições arrojadas do casal se destacam no competitivo cenário atual da fotografia devido ao uso de uma ampla gama de processos e materiais, incluindo platina, paládio, cianótipo e impressão em prata coloidal. Eles também desenvolveram processos que incorporam o papel japonês gampi e folhas de ouro em suas impressões pigmentadas.

“Tudo isso serve apenas para um propósito: queremos ter muito mais padrões para jogar com a experiência do espectador do que apenas a imagem em si”, afirmam eles. “A textura, a cor, o acabamento, os tons e até mesmo a borda de uma impressão podem apresentar informações adicionais para o espectador.”

Albarrán e Cabrera exibiram suas obras nos Estados Unidos, Espanha, Japão, Suíça, Holanda, Líbano e Itália, entre outros países. Sua mais recente exposição, “Subtle Shadows of Bamboo on Bamboo” [Sombras Sutis de Bambu em Bambu], terminou em 10 de março de 2019 na Antuérpia, na Bélgica. Em abril de 2019, as fotos de Albarrán e Cabrera serão exibidas na AIPAD Show em Nova York pela IBasho Gallery e também na Art Paris pela Esther Wowdehoff Gallery.

Em entrevista à Global Voices, Albarrán (nascido em 1969, em Barcelona) e Cabrera (nascida em 1969, em Sevilha) falaram sobre seus processos de trabalho, visão de mundo e segredos de trabalhar juntos como um casal.

Omid MemarianConceitos de lembrança e identidade aparecem predominantemente em suas fotografias. Qual é a relação pessoal de vocês com esses temas e como eles refletem em suas obras?

AnnaTudo o que somos é lembrança. Ao lidar com qualquer coisa relacionada à ciência, você se baseia no que os cientistas já descobriram para entender o mundo. Em relação à identidade, você é quem você é por causa de suas recordações. Você é o seu primeiro aniversário, as recordações de sua mãe, as recordações dos seus primeiros dias de escola. Você é tudo isso. Até nossa maneira de conceituar o tempo para entender a realidade é baseada na memória. Isso é mais evidente em pessoas que sofrem de perda de memória. Para eles, o tempo não existe.

Série “The Mouth of Krishna” [A Boca de Krishna]. Pigmentos, papel japonês e folhas de ouro. 2016

Esperamos que nossas fotografias estimulem as associações do subconsciente dos espectadores com base em suas recordações. Até preferimos que o espectador interprete a fotografia de modo totalmente diferente do que havíamos planejado de início. Dessa forma, eles criarão um novo conjunto de ideias para si mesmos.

A recordação é o fio que tece todas as nossas séries. “The Mouth of Krishna” [A Boca de Krishna] é a série principal. É o resultado de todo nosso aprendizado até aqui. Está relacionada ao modo como nossas recordações mantêm nossa realidade consistente, como classificamos o que percebemos e como as interligamos.

De tempos em tempos, percebemos que alguns conceitos ganham maior importância e acabam gerando um novo portfólio. Assim, “This is you here” [Este é você aqui] estuda o conceito de identidade e como ele é criado com base em nossas recordações.

“Kairos” [Kairós] gira em torno da ideia de como os humanos percebem o tempo. O tempo não é algo tangível, é apenas uma propriedade do universo. Criamos o conceito de tempo com a ajuda de nossas recordações e o dividimos em passado, presente e futuro.

Série “The Mouth of Krishna” [A Boca de Krishna]. Pigmentos, papel japonês e folhas de ouro. 2016

OMVocês passaram bastante tempo no Japão. Como essa geografia específica se conecta à visão de mundo, da arte e da cultura de vocês?

AngelA cultura japonesa é muito importante para nós e nosso trabalho. Essa cultura, como muitas outras, está sujeita a muitos estereótipos e enormes equívocos. No início, você pode cair na armadilha da sua estética e filosofia. Mas uma vez que você estuda a língua, seu povo e sua história, você descobre a realidade deste país: as coisas boas, ruins e as horríveis que qualquer país tem. Contudo, ainda há algo fascinante: o Japão nos oferece uma interpretação completamente diferente da realidade quando comparada a nossa visão ocidental. Todos nós vivemos no mesmo mundo, mas ele é interpretado de muitos, e de diversos, pontos de vista.

O mundo ocidental é obcecado por simetria e perfeição. Percebemos a beleza como algo estabelecido por leis universais, conferindo grande importância para o perfeito e o eterno. A estética japonesa, no entanto, é muito diferente. Eles veem a beleza no impermanente, no imperfeito, no rústico e na melancolia. Eles anseiam pelo que não é eterno, pelo que é levemente danificado, singelo e frágil.

OMO aspecto estético do trabalho de vocês é bem ousado. Em um mundo em que as representações clássicas de beleza foram deixadas de lado, como o trabalho de vocês está sendo recebido no mundo da arte?

AnnaBeleza é um assunto muito complexo. Não só é difícil definir o que é beleza, mas também lidar com ela. A formosura preocupa demais as pessoas. Elas temem que a beleza faça você esquecer como é a vida de fato. Mas como o filósofo Alain de Botton declarou: “Precisamos de coisas bonitas perto de nós, não porque estamos em perigo de esquecer as coisas ruins, mas porque problemas graves pesam tanto sobre nós que corremos o risco de cair no desespero e depressão… A arte que um país ou uma pessoa chama de ‘bela’ dá a você pistas vitais sobre o que está faltando.”

Não procuramos beleza de maneira consciente em nosso trabalho. Buscamos experimentar a beleza da descoberta através dos mistérios desconhecidos.

Série “The Mouth of Krishna” [A Boca de Krishna]. Pigmentos, papel japonês e folhas de ouro. 2016

OM: Vocês têm feito fotografia de natureza na Europa e no Japão. Quais diferenças observam entre essas duas séries de trabalhos?

AngelComo ocidentais, ficamos surpresos e maravilhados pela interpretação estética e filosófica que o oriente desenvolveu acerca do mundo. Ela parece muito diferente da nossa, embora as escolas de pensamentos do ocidente e do oriente possuam uma origem simultânea. Observando os pensadores gregos pré-socráticos da escola de Mileto, podemos encontrar na linha de pensamento deles um ponto em comum com a cultura oriental: a natureza.

O pensamento oriental, e mais especificamente o japonês, não perdeu esse contato ancestral com a natureza, mantendo-a no decorrer da sua evolução cultural. Os ideais e conceitos da estética japonesa são influenciados principalmente pela religião. Tanto no xintoísmo quanto no budismo, os deuses não são criadores da natureza, a natureza é uma entidade individual. Em nossa tradição ocidental, o conceito judaico-cristão de um criador ou Deus quebrou essa ligação e nos fez separar dos ideais estéticos tradicionais da Grécia antiga. O significado de termos como Wabi-sabi, Miyabi, Shibui ou Yuugen originalmente existiam em nossa cultura ocidental, mas eles não evoluíram como no caso japonês. Estamos contentes pelo fato dessa raiz comum estar presente em nossos trabalhos: geralmente as pessoas não conseguem diferenciar as imagens tiradas no Japão e aquelas tiradas em outros lugares.

Série “The Mouth of Krishna” [A Boca de Krishna]. Pigmentos, papel japonês e folhas de ouro. 2018

OM: Quais são os principais elementos que influenciam seu trabalho e a forma como observam o ambiente e os objetos?

AngelDiferentes tipos de artistas de diferentes disciplinas, como fotógrafos, pintores, escritores e cientistas sempre tiveram uma forte influência sobre nós. O que molda nossa visão da realidade é o conhecimento proveniente da literatura, filosofia, ciência, linguística, arquitetura, música e arte em geral. Nosso trabalho é movido pela aprendizagem. A fotografia nos ajuda a entender nossa realidade. Fotografias, para nós, são como notas visuais em um caderno. Essas notas visuais são tomadas com um estado mental específico e refletem nossa estrutura mental em relação à realidade. Pouco a pouco, ao longo do tempo, nós revisamos nossos trabalhos e isso nos dá novas ideias e perspectivas, da mesma forma que você faria com um caderno ou diário.

OM: Quais são os conceitos ou temas análogos que mantêm o público de diferentes continentes interessados em acompanhar e apreciar suas obras?

Anna P. Cabrera e Angel Albarrán. Cortesia dos artistas.

AnnaSeres humanos usam o sistema sensorial para ir além do mundo físico e entrar no reino da mente. Nós interpretamos a informação que recebemos e criamos a percepção do mundo a nossa volta. Espaço e tempo são, na verdade, conceitos criados pelos seres humanos para entender a realidade. Trabalhamos com temas e conceitos que são universais, que são comuns à maioria dos seres humanos, não importando sua origem, cultura ou religião.

OM: A arte é extremamente pessoal e vemos a assinatura de vocês em seus trabalhos. O quanto o trabalho de vocês representa suas visões e características? Como é o processo colaborativo de vocês?

AngelNão conseguimos nos ver trabalhando separados um do outro. Nós vivemos juntos e temos interesses em comum. Trabalhamos individualmente sempre que saímos para fotografar, ou seja, cada um pega a própria câmera e trabalha de forma independente. Vamos juntos para o local com nossos equipamentos, mas cada um se concentra em um ponto e trabalha isolado. Quando chegamos em casa, nossas imagens são misturadas e trabalhamos na câmara escura ou com o computador sem pensar em quem, de fato, tirou a foto.

AnnaNão encontramos o lado negativo de trabalhar em colaboração. Mais do que isso, não conseguimos nos ver trabalhando individualmente. De um ponto de vista lógico, é muito prático trabalhar como trabalhamos. Como somos dois fotógrafos, capturamos mais imagens e de ângulos diferentes na mesma quantidade de tempo que levaria uma única pessoa. Se um de nós tiver um problema com a câmera, o outro pode ajudar. Se um tiver um bloqueio, podemos conversar com o outro e assim podemos nos concentrar de novo. Essas são apenas algumas das vantagens.

O processo criativo é altamente estressante. Criadores têm que tomar decisões todo o tempo sobre tudo. E como todos sabemos, ninguém tem a resposta certa para tudo. Como um criador, você não tem ninguém a quem recorrer para pedir ajuda.

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