Neste mês de Junho, em Angola, na XVI Reunião Ordinária do Conselho de Ministros da Comunidade de Países de Língua Portuguesa (CPLP), será apreciada a integração da Guiné Equatorial na organização. A base para esta etapa no processo de inclusão do país governado por Teodoro Obiang desde 1979 será o relatório elaborado pela missão da CPLP que esteve em Malabo nos passados dias 4 e 5 de Maio.
Segundo a página da CPLP, as condições a averiguar são a utilização efectiva da língua portuguesa no sistema de ensino do país e a adopção de princípios orientadores da organização, como “o primado da paz, da Democracia, do Estado de Direito, dos Direitos Humanos e da justiça social”.
É a língua um laço?
O único território verdadeiramente humano é o da Língua. Deixemos pois este espaço livre da opressão dos interesses, deixemos comunicar as línguas, os homens, os povos.
Comentava Joana Ruas, no blog O que fica do que passa, num artigo intitulado “CPLP, Guiné Equatorial & Cª: Petróleo ou Amor Platónico?” .
Justino Pinto de Andrade, do blog Angola Resistente, conta como “foram os portugueses os primeiros navegadores europeus a chegar, em 1471, ao território que hoje constitui a Guiné-Equatorial“:
acharam a ilha de Bioko, a que depois chamaram Ilha Formosa, e também Fernando Pó. (…)
do ponto de vista histórico, houve, sim, um contacto da Guiné-Equatorial com a língua e a cultura portuguesas. Poderão, pois, ter restado ainda ténues reminiscências desse contacto, que justifiquem alguma nostalgia da língua e da cultura desaparecidas. Mas, depois, impôs-se o espanhol. A presença da língua francesa como língua oficial deve-se, sobretudo, às ligações fronteiriças que a Guiné-Equatorial tem com o Gabão e os Camarões – países francófonos – e a uma presença remota dos franceses nos seus territórios, também por ocasião do tráfico negreiro.
O jornalista brasileiro Michell Niero, do blog O Patifundio, acrescenta que ”por decreto a hispânica Guiné Equatorial “fala” português desde 2008”:
tornou[-se] membro observador mesmo com uma população ínfima falando fá d’ambô, idioma crioulo com base lexical portuguesa.
Então, se não é a língua, o que traz a Guiné Equatorial à comunidade de países falantes de português?
A “Petroditadura”
Na opinião do blog Debates e Devaneios, de Moçambique:
A entrada da Guiné-Equatorial como membro de pleno direito para a Comunidade dos Países (ditos) de Língua Portuguesa (CPLP) tem apenas a ver com o petróleo, sendo outras questões basilares, como a língua, a democracia e os direitos humanos uma farsa. (…) A Guiné-Equatorial é uma ditadura? É sim senhor. Mas o que é que isso importa se tem petróleo, que é um bem muito superior aos direitos humanos?
A ideia é reforçada por Henrique Sousa, do blog O que fica do que passa, para quem a adesão “não tem sentido”, já que “não é um país de língua portuguesa”, mas sim uma”petroditadura”, dando razão ao político e escritor Português Manuel Alegre que proferiu tais palavras.
O blog El Bonsai de la Información, em 2008, descurava “os argumentos históricos e linguísticos” que convenceram os “três membros fortes” da CPLP – Portugal, Angola e Brasil – e tratava da facilidade com que os negócios petrolíferos afogam os direitos humanos:
Con la valiosa ayuda de Libia, autorizada por el líder Muammar Gaddafi, aliado histórico de Obiang Nguema, a inicios de este año una delegación portuguesa visitó Malabo, capital de Guinea Ecuatorial. Angola celebró los primeros convenios hace cinco años y Brasil comienza a explotar un bloque promisorio en off-shore.
Princípios Orientadores: #FAIL
A CPLP é regida pelos princípios do “Primado da Paz, da Democracia, do Estado de Direito, dos Direitos Humanos e da Justiça Social” (Art.5º), artigo enfatizado na própria página da CPLP a respeito da eventual admissão da Guiné Equatorial na comunidade.
Já em 2010, a possibilidade de a Guiné Equatorial se tornar o nono país filiado à CPLP- juntamente com Portugal, Brasil, Angola, Moçambique, Cabo Verde, Guiné-Bissau, São Tomé e Principe e Timor Leste – levou a que cidadãos e organizações da sociedade civil lusófonos se movimentassem contra a inclusão. Em causa estava o desrespeito pelos referidos princípios orientadores da organização, sendo conhecidas as constantes violações de Direitos Humanos [en] que acontecem no país.
A petição “Guiné Equatorial na CPLP não!”, lançada em 2010 e recordada recentemente no Blog 19, da Amnistia Internacional de Portugal, aponta no sentido da imposição de:
condições relativamente aos abusos flagrantes da liberdade de expressão e à comprovada repressão da sociedade civil do país.
A inexistência de liberdade de expressão, as violações dos Direitos Humanos ou o não respeito pelo Estado de Direito são objecto de relatórios saídos este ano, como o da Freedom House [en] ou o do Amnistia Internacional.
Celestino Bacale, da Convergência Para a Democracia Social, único partido da oposição com assento parlamentar, afirma que o regime continuará a violar os Direitos Humanos [es], entrando ou não na CPLP. Em comunicado, o Movimento para a Autodeterminação da Ilha de Bioko, defende que o Presidente Teodoro Obiang visa “utilizar injuriosamente esta magna instituição para um serviço pessoal que possa ajudá-lo a asfixiar os ecos da barbárie e os direitos humanos que aprisiona no seu país”, e apela:
Admitirle en la CPLP es animar al dictador guineano a seguir perpetrando daños contra los pueblos de Guinea Ecuatorial.
A decisão de inclusão poderá ser concluída na IX Conferência de Chefes de Estado e de Governos da CPLP, a realizar em Moçambique, em 2012. Justino Pinto de Andrade, do blog Angola Resistente, acredita que “a problemática da entrada da Guiné-Equatorial poderá servir para se repensar a verdadeira vocação da CPLP”:
Que tipo de Comunidade a organização persegue: Será um qualquer modelo de integração? (…) Será a CPLP apenas um palco de concertação política e diplomática, para facilitar a tomada de determinadas posições comuns na arena internacional? Será uma via para a promoção da língua portuguesa e de culturas afins? Será um mecanismo de protecção dos interesses de cidadãos de uns países dentro dos outros países membros? Será um expediente para a facilitação da promoção de negócios?