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CIMER: uma plataforma revolucionária ou ferramenta de denúncias nas mãos de simpatizantes do estado?

Categorias: Oriente Médio e Norte da África, Turquia, Governança, Mídia Cidadã, Política, Tecnologia

Captura de tela da página inicial [1] do CIMER.

Na Turquia, CIMER [1], abreviatura de Cumhurbaşkanlığı İletişim Merkezi, ou Centro de Comunicação da Presidência, foi criado em 2015 como parte dos esforços do Partido da Justiça e Desenvolvimento para ajudar os cidadãos a comunicar seus “problemas, reclamações e pedidos” à presidência. No entanto, alguns têm preocupações de segurança sobre a página e alegam que foi utilizado indevidamente para atingir dissidentes sociais e políticos.

Quando foi lançado pela primeira vez, Fahrettin Altun, o diretor de comunicações, disse [2] que o centro foi estabelecido pelo presidente Recep Tayyip Erdoğan “para fornecer a resposta mais rápida e eficaz a pedidos, reclamações e requerimentos de informações do público”. O Daily Sabah escreveu [3] em seu artigo saudando o aplicativo como “uma extensão da imagem do presidente Recep Tayyip Erdoğan como um homem do povo, o que o ajudou a ganhar várias eleições”.

O antecessor do CIMER foi o BIMER (Başbakanlık İletişim Merkezi), ou o Centro de Comunicação do primeiro-ministro. Foi criado em 2006, durante o governo de Erdoğan. De acordo [4] com o jornalista Nevsin Mengu, o BIMER serviu como um serviço para os cidadãos “apresentarem queixas sobre instituições e serviços estatais, e outros cidadãos, ou praticamente qualquer coisa que considerassem imprópria”. Um ano depois de Erdoğan ter sido eleito presidente pela primeira vez, em 2014, o BIMER foi combinado [5] com o CIMER.

Não está claro o que aconteceu com os dados pessoais e informações já inseridas no banco de dados do BIMER. O site da BIMER não é mais acessível ao público.

Opiniões divididas

Para alguns, como Altun, o CIMER é uma “revolução [2]” e “o exemplo mais louvável do mundo de democracia participativa [6]“, para outros [7], os incentivos e metas da plataforma levantam questões. O centro “se transformou em uma plataforma na qual críticos e pessoas cujos estilos de vida são reprovados pelos apoiadores do partido no poder são denunciados”, escreveu [8] um site em janeiro de 2022.

“Uma das frases incluídas no léxico turco nos últimos anos é ‘Vou denunciá-lo ao CIMER’. Esta expressão, que é frequentemente usada, especialmente para os opositores do governo, não surgiu sem nenhuma razão”.

Em setembro de 2021, uma médica recém-nomeada para um dos hospitais públicos de Istambul, Larin Kayataş, foi suspensa depois que uma enfermeira que trabalhava no mesmo hospital apresentou uma queixa contra ela com base em “moralidade pública perturbadora”. Kayataş é uma mulher trans, de acordo com [9] relatos da mídia.

Para Mengu, a existência do CIMER e o grande número de entradas que a plataforma recebe são indicativos [4] do “estado atual da situação na Turquia”.

Nobody but the [presidential] palace has the practical authority to make a decision and take action.

Ninguém além do palácio [presidencial] tem autoridade prática para tomar uma decisão e adotar medidas.

Essas preocupações variam de questões menores, como uma reclamação sobre comportamento e instalações públicas, a disputas pessoais e domésticas e relatórios direcionados contra indivíduos marginalizados.

Em 2020, uma senhora solicitou [10] que o CIMER a ajudasse a resolver problemas entre ela e os avós. O governador regional se envolveu e, segundo reportagem [10] da Gazete Duvar, foi bem-sucedido.

Um exemplo mais recente inclui uma investigação lançada pelo Ministério Público de Istambul contra [11] a plataforma de transmissão de música Spotify. O Ministério Público afirmou que a plataforma de transmissão de música aprovou [12] listas de reprodução que estavam “insultando valores religiosos e funcionários do estado”. De acordo com relatos [12], a decisão de iniciar a investigação veio após “o CIMER receber um grande volume de reclamações de que as listas de reprodução estavam promovendo a islamofobia, insultando valores religiosos e funcionários do estado”.

Em julho, o membro do partido da oposição, Tacettin Bayir, enviou um inquérito [13] através do CIMER solicitando informações sobre o suposto número de mesquitas queimadas e suas localizações, o líder do Partido da Justiça e Desenvolvimento no poder alegou [14] que manifestantes do parque Gezi [15] de 2013 danificaram. “Não há documentos ou relatórios das províncias sobre os incidentes em questão”, referiu o relatório que Bayir recebeu em resposta.

De acordo com o guia do usuário [16] do CIMER, existem várias formas de apresentar uma queixa — eletronicamente, através do sistema eletrônico de governo, por telefone, fax ou uma aplicação presencial. Nenhuma das opções oferece uma inscrição anônima. A plataforma on-line requer informações pessoais que podem ser identificação nacional, nome e sobrenome, endereço, número de celular e e-mail. Ao candidato é oferecida a opção de não selecionar a sua escolaridade. Em agosto, o CIMER anunciou [17] que estava oferecendo seus serviços a usuários com deficiência auditiva e de fala.

De acordo com os dados mais recentes [6], o CIMER recebeu 6,1 milhões de registros em 2021. Entre os quais estavam opiniões, solicitações de informações, reclamações, sugestões e agradecimentos acerca das atividades realizadas pelo estado.

The applications made to the Directorate consisted of requests by 45 per cent, complaints by 40 per cent, the right to information by 8 per cent, and acknowledgements, opinions/suggestions, and “Join the Administration” by 7 per cent. The central organisation received 55 per cent of the applications, while local administrations received 45 per cent.

Os registros feitos na plataforma incluíam 45% de pedidos, 40% de queixas, 8% de direito à informação, 7% de agradecimentos, opiniões/sugestões e “Junte-se à Administração”. A organização central recebeu 55% de registos, enquanto as administrações locais receberam 45%.

Desses registros, 5,5 milhões foram aparentemente resolvidos.

No final de contas, os verdadeiros propósitos e intenções do CIMER permanecem obscuros. Na verdade, a existência e o uso da plataforma destacam várias deficiências sociais, falta de confiança nas instituições e mecanismos locais e a crença de que a presidência pode resolver qualquer problema que exista; falta de confiança entre os cidadãos ao registrarem reclamações uns contra os outros; e uma fonte de informação, onde as consultas podem dar destaque a declarações e queixas políticas divisórias.