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Dois meses após Brumadinho, população de bairro de São Paulo ainda aguarda resposta sobre barragens da região

Categorias: América Latina, Brasil, Desastre, Meio Ambiente, Mídia Cidadã

Moradores participaram de ato na Assembleia Legislativa (Guilherme Gandolfi/Divulgação)

Este texto é publicado em uma parceria entre o Global Voices e a Agência Mural. O texto é de autoria de Jéssica Moreira e Ira Romão.

No dia 25 de março, completou-se dois meses desde o rompimento da barragem da Mina do Córrego do Feijão [1], na cidade de Brumadinho, Minas Gerais, de responsabilidade da mineradora Vale. A tragédia deixou 214 pessoas mortas e 91 desaparecidos. O Ministério Público de Minas Gerais aponta crimes ambientais e de homicídio doloso. [2]

O desastre virou tema de discussão em Perus, distrito na zona noroeste de São Paulo, onde estão localizadas duas das 7.449 barragens do estado. Mesmo após 30 anos desde a instalação, a maioria da população nunca tinha ouvido falar sobre as represas.

No dia 20 de março, moradores e integrantes de movimentos sociais do bairro realizaram o encontro “Estamos Seguros?”, para discutir as condições das barragens e informar sobre as medidas de precaução adotadas pelas mineradoras e pela Defesa Civil da região.

No Centro Integrado de Educação de Jovens e Adultos (Cieja Perus I), do qual é diretora, Franciele Busico Lima diz ser questionada diariamente sobre a situação das barragens. A educadora de 49 anos se aliou a outros integrantes de movimentos sociais do bairro para realizar reuniões e entender como informar os moradores em relação aos riscos associados a elas.

“Todo mundo ficou sabendo pela mídia. A gente não sabia. A gente sabia da existência das pedreiras e não das barragens, nem da problemática que isso envolve. Estamos querendo entender”, diz.

Integrantes do MAB (Movimento de Atingidos por Barragens) [3] de Perus estiveram na Defesa Civil para cobrar a entrega do plano de contingência (a ser usado em caso de emergências) e foram informados de que ele estava em processo de finalização. O prazo para entrega era dia 8 de março, mas nada foi divulgado até agora.

Franciele trabalha no Cieja Perus e na escola alunos têm questionado sobre situação das barragens (Ira Romão/Agência Mural)

Procurada pela Agência Mural, a Defesa Civil afirmou que a versão preliminar foi entregue. Porém, “antes da divulgação junto à comunidade será realizada a articulação institucional e posterior adequações e alterações no Plano de Contingência”, afirmou o órgão.

Mobilização após Brumadinho

Moradores de São Paulo têm se mobilizado desde os primeiros dias após os danos causados em Brumadinho (cidade a 554 km de distância dali).

Em fevereiro, o MAB organizou uma audiência pública na Alesp (Assembleia Legislativa), reunindo mais de 200 pessoas atingidas por barragens de todo o estado, inclusive do bairro de Perus, assim como das cidades de Pedreira, Americana, Votorantim, Vale do Ribeira, Santos, Cubatão e Bertioga.

“É surpreendente a quantidade de barragens existente no estado, são mais de 7 mil – uma espécie de ‘bombas’ que a qualquer momento podem explodir”, afirma Liciane Andrioli, 38, integrante do MAB.

O evento serviu como ponto de partida da mobilização popular em torno desses empreendimentos. “A impressão que nos dá é que estamos abrindo uma caixa preta no estado de São Paulo com situações que, para a nossa surpresa, estavam invisibilizadas”, diz Liciane. “Tanto a Vale quanto a empresa certificadora alemã (TÜV-Süd, responsável pelo laudo que atestou a segurança da barragem em Brumadinho [4]) apresentaram informações de que não havia problema algum, porém vivenciamos uma das maiores tragédias sociais, trabalhistas e ambientais da história do país”, aponta.

“Ninguém sabe o que acontece para dentro das empresas. Sabem apenas que querem explorar. E a questão de segurança fica à mercê, todo mundo com medo, população inteira que tem barragem na cabeça está apreensiva”, diz Cleiton Ferreira, 34, morador de Perus e coordenador da Comunidade Cultural Quilombaque [5].

Sem acesso aos planos de contingência, não está claro quantos moradores poderiam ser atingidos na região. Moram na subprefeitura de Perus pouco mais de 144 mil habitantes, e desde o desastre de Brumadinho a população ficou alarmada. Postagens sobre o tema em grupos como o “Amigos de Perus Oficial” [6], que possui cerca de 77 mil integrantes, alcançaram a marca de 300 comentários, entre publicações que variam entre a preocupação e angústia por conta da falta de informações.

O sentimento de medo também paira nas ruas, escolas, postos de saúde e outros estabelecimentos da região. A grande pergunta é: onde está o plano de emergência e por que ele nunca foi apresentado aos moradores?

Empresas

A Pedreira Juruaçu é uma das barragens da região. Ela comporta sedimentos da Empresa Embu, criada em 1988. A outra é uma barragem de água, da empresa Territorial São Paulo Mineração Ltda, criada em 2000.

A Barragem da Pedreira Juruaçu tem um reservatório com capacidade de 3,1 milhões de metros cúbicos, e ocupa uma área de 192.000 metros quadrados. Ela recebe rejeitos da produção de brita, essencialmente areia fina e argila.

A Agência Mural entrou em contato com a Embu S.A. e, segundo o engenheiro Marco Antônio Martins, o reservatório já está praticamente preenchido com o material sólido (areia e argila).

“A estrutura foi concebida, executada e opera com método construtivo a jusante, tido pela engenharia como o mais seguro para esse tipo de barragem”, afirmou o engenheiro.

Ele adicionou que a empresa já havia, desde antes de Brumadinho, tomado a decisão de buscar processos alternativos para o tratamento dos rejeitos. “A direção da Embu S.A. e o corpo técnico sentem-se seguros e confortáveis para afiançar a segurança e estabilidade da barragem da Pedreira Juruaçu”, disse.

Já a outra barragem, a da Territorial, possui 25m de altura, uma extensão aproximada de 160m, com capacidade de reservatório aproximada de 66 mil metros cúbicos. O local serviu de depósito para o material obtido das rochas na produção de areia para a construção civil.

De acordo com Patrícia Bueno Moreira, diretora jurídica da Territorial, a barragem foi também construída pelo método de alteamento à jusante. Ela enfatiza também que a represa está há mais de um ano inativa.

“Ela não recebe mais resíduos do processo de lavagem da areia. Todos os estudos necessários para a comprovação da estabilidade são feitos e nossos técnicos afirmam que a estrutura é segura”, aponta.

Em 2017, o Ministério Público de São Paulo realizou vistoria nas duas empresas. Na Territorial, por exemplo, foram apontadas inconsistências ligadas à drenagem, como a não localização da saída do dreno interno da barragem. Segundo o parecer, “a obstrução da saída da drenagem interna de uma barragem pode contribuir para processos que podem ocasionar um eventual rompimento”.