São Tomé & Príncipe: Revolta contra Desvio de Água do Hospital

Vista exterior de uma das enfermarias de Pediatria do Hospital Ayres de Menezes, Blog Joãozinho Leve Leve

Uma discussão acesa iluminou a blogosfera de São Tomé e Príncipe nos últimos meses, a propósito de um problema que aparentemente já está resolvido: até à semana passada, não havia água a correr nas torneiras do Hospital Ayres de Menezes, mas o director do Hospital assegura agora que a questão foi tratada.

Desde o início de 2010 que havia bloggers a falar sobre a gravidade da falta de água no Hospital de referência em São Tomé, embora os problemas de abastecimento datem de há mais de cinco anos.

Em Fevereiro de 2010, no blog Joãozinho Leve-leve, Ricardo Bianchi, um médico português em missão no hospital daquele país, falava sobre o estado da saúde em São Tomé, e particularmente sobre o quotidiano da prática da actividade médica, onde a falta de água representaria um dos maiores obstáculos levando-o a recear que “em algumas situações, [não fosse] capaz de evitar um desfecho trágico, apenas por falta de meios“, como ele descreve:

Os distintivos a assinalarem estes projectos de cooperação estão por toda a parte, mas a utilização de forma sustentada dos recursos tecnológicos existentes torna-se muito difícil quando as falhas de energia são constantes e o hospital não dispõe, actualmente, de água corrente. Resultado: enfermarias sobre-lotadas, quentes e mal ventiladas associadas a múltiplas restrições na realização de exames auxiliares de diagnóstico. Uma realidade muito diferente daquela a que nos habituámos nas Faculdades de Medicina e nos hospitais do nosso país!

Três meses depois, Américo, um outro médico da Cooperação Portuguesa a iniciar missão, reporta no mesmo blog as suas primeiras impressões:

As limitações de espaço e a desadequação das estruturas são evidentes, e não são estranhas aos profissionais que nela trabalham e que tentam diariamente fazer o melhor com aquilo que existe. Uma das maiores dificuldades é sem dúvida a falta de água corrente no hospital o que dificulta a higiene dos doentes e dos profissionais e impõe ainda maiores limites ao tipo de exames disponíveis.

Menção à rede de abastecimento de água do Hospital na "Ilustração Portugueza", Dez. 1916, Blog Revista Antiga Portuguesa

Menção à rede de abastecimento de água do Hospital na "Ilustração Portugueza", Dez. 1916, Blog Revista Antiga Portuguesa

A discussão ganhou uma nova dimensão quando, em final de Maio, Humbah Aguiar, um cidadão são-tomense na diáspora, lançou o seu apelo indignado através de um vídeo que disponibilizou no Youtube intitulado “Em São Tomé e Príncipe os ricos roubam água do Hospital e o povo fica a ver!!!!!??“.

No Principal hospital de S.tomé não há água porque a população rica do país extraviou para suas casas.
São-tomenses façam alguma coisa, manifestem saiam a rua….
Esta minha revolta é apenas um desabafo….

No vídeo, Aguiar reage à leitura de uma notícia sobre uma criança acidentada internada no Hospital Ayres de Menezes onde não era possível encontrar água sequer para a ingestão de medicamentos. O artigo reforçava ainda uma denúncia anterior do desvio de água para as habitações de uma das zonas de elite de São Tomé & Príncipe – o Campo de Milho:

Sede e insanidade geral no hospital central, enquanto que há cerca de 200 metros do centro de saúde, água abundante mata sede de figuras políticas e do mundo empresarial que habitam no campo de milho. «Têm água para beber e para regar os seus jardins», desabafou um dos utentes do banco de urgência.

A água que irriga as residências de luxo do campo de milho, foi canalizada exclusivamente para o hospital central. Os poderosos que vivem no bairro de elite vizinho ao hospital, vandalizaram a canalização e levaram a água para as suas casas, para o seu bem-estar, para o seu deleite.

O vídeo despoletou uma discussão que rapidamente se alastrou por outros fóruns sociais online, como o grupo São Tomé Blog no Facebook e o Canal Santola. Quinze dias depois, o vídeo já tinha mais de 1500 visualizações e as reacções dos net-cidadãos multiplicavam-se através das diferentes plataformas. Nessa altura, o site noticioso Téla Nón publicou um artigo no qual depoimentos do Director do Hospital asseguravam que o problema estava solucionado em 80 a 90% das instalações, já que tinha sido feito um aproveitamento da canalização de um edifício abandonado nas proximidades. Poucos dias depois a mesma notícia era desmentida:

O Hospital Central Ayres de Menezes, continua sem acesso a água canalizada. Como tem acontecido nos últimos meses, é a corporação dos bombeiros que tem levado alguns metros cúbicos de água para o centro de saúde de referência do país.

Tais declarações só agravaram mais o teor da discussão online, passando a estar em foco a qualidade da água fornecida pelos bombeiros. O Ministro da Saúde de São Tomé e Príncipe, Arlindo Carvalho, já tinha antes apresentado as suas preocupações com o potencial surgimento de uma vaga de contaminações no hospital, tendo em conta as dificuldades que os pacientes encontravam para necessidades básicas tais como a própria higiene pessoal. Dezenas de comentários depois, no passado dia 13 de Agosto, o Director do Hospital Ayres de Menezes, José Luis, afirma que “a água já corre nas torneiras do Hospital” de forma racionalizada, embora não tenha sido esclarecido o processo para a resolução do problema nem as consequências para os responsáveis pelo desvio da canalização para o Campo de Milho.

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