Quase 40% das mulheres indianas não têm acesso a absorventes e número tende a aumentar com reforma fiscal

Mulheres indianas fabricando artesanalmente absorventes íntimos. Imagem do Flickr feita por Morgan Schmorgan. Licença CC BY-NC 2.0

Essa história foi escrita por Madhura Chakraborty e Shradha Shreejaya. Originalmente divulgada no Video Volunteers, um meio de comunicação comunitário indiano, ganhador de prêmios internacionais, esta versão editada é fruto de um acordo de compartilhamento.

Na calada da noite de 1º de julho, o governo da Índia lançou o que está sendo anunciada como a maior reforma fiscal em 70 anos de independência — Trata-se do Imposto sobre Bens e Serviços (GST), imposto indireto válido para todo o território nacional, que substituiu diversos impostos, antes arrecadados pelos governos central e estaduais. Com a mudança, os absorventes íntimos foram incluídos na mesma categoria que os artigos de luxo. Entretanto, o Bindi (pigmento vermelho utilizado na testa de mulheres hindus para indicar o status de casada), o mangala sutra (colar usado por mulheres casadas) e os braceletes bangles feitos sem metais preciosos (também utilizados pelas casadas) não foram taxados. Se a iniciativa buscou apaziguar as mulheres, o tiro saiu decisivamente pela culatra. Uma onda de indignação nas redes sociais questionou a super taxação desses produtos e petições online foram feitas para tentar reverter a medida. Estudantes do sexo feminino em Thiruvananthapuram, capital de Kerala, chegaram a enviar pelo correio ao ministro de Finanças caixotes repletos de absorventes com a mensagem “Sangue sem medo, sangue sem imposto”.

Uma usuária do Twitter perguntou:

Imposto*

Preservativos não são taxados, então por que absorventes são?
Menstruação não tem nada de luxuoso, caramba.

De acordo com a Pesquisa Nacional sobre Saúde da Família, NFHS 2015-16, o número de mulheres que usam absorventes íntimos durante a menstruação chega a 58%, sendo 78% nas áreas urbanas e 48% nas zonas rurais. O restante não tem condições financeiras de pagar por esses produtos e acabam usando alternativas pouco higiênicas como trapos, folhas, cascas de fruta, pós e até terra.

Enquanto a mídia convencional foca nas mulheres de classe média e urbanas, que usam as redes sociais para manifestarem sua insatisfação, as vozes daquelas que vivem no campo continuam ignoradas. O vídeo abaixo, produzido pelo Video Volunteers, registrou algumas dessas vozes.

“Quando tenho que ir para longe ou fazer um exame, uso absorvente, mas em casa uso pano. Porque não tenho dinheiro para usar [absorvente] sempre. É caro”, explica Sonam Kumari, uma estudante do ensino médio de um remoto vilarejo na fronteira com o distrito de Champaran, nordeste do estado de Bihar, que também trabalha costurando em casa. “É bom usar Stayfree (marca de absorvente) pois é mais higiênico e ele vem em um pacotinho que é fácil de transportar,” acrescenta a vizinha de Sonam, Kismat. No nordeste da Índia, mais de 30% das meninas entrevistadas relataram ter abandonado a escola quando começaram a menstruar.

“Por um lado, o governo promove a campanha ‘Beti Bachao, Beti Padhao’ (Salve as Meninas, Eduque as Meninas), mas por outro lado, é retrógrado ao esquecer que essas meninas precisam ter acesso ao absorvente íntimo todo mês. A taxa de imposto de 12% sobre esses produtos de higiene ignora as realidades físicas dos corpos e as necessidades de quase metade da população”, declara a integrante da organização não governamental Goonj, que desenvolve trabalhos com mulheres na zona rural de Bihar.

Custos proibitivos, tabus e falta de informação contribuem para o uso de trapos sujos por muitas mulheres durante o ciclo menstrual, apesar de a maioria recorrer ao uso de panos de algodão limpos. “Não há orientação adequada ou educação para essas meninas e mulheres nos vilarejos sobre a importância do uso de panos limpos. A mentalidade é a de que a menstruação é um período sujo e que é desperdício de dinheiro comprar panos limpos ou absorventes que serão logo descartados”, pondera SM Shabir, médico de Bihar. Conversas com mulheres da zona rural de Bihar revelam que o estigma relacionado à menstruação as força a esconder o pano que usam durante o ciclo menstrual. Este precisa ser lavado e posto para secar em local que ninguém veja, geralmente em condições insalubres.

Pedaços de pano usados durante o ciclo menstrual são geralmente postos para secar em locais insalubres. Imagem capturada do vídeo no YouTube.

Essa situação pode causar infecções vaginais. No vídeo, é perturbador o testemunho de Anita Devi, também de Bihar. Na casa dos 30 anos, ela passou por uma histerectomia. Os médicos recomendaram a remoção do útero, pois ela tinha uma grave infecção no aparelho reprodutor. Segundo os profissionais de saúde, tudo indica que a infecção foi causada pelo uso constante de panos sujos durante o ciclo menstrual. Ela continua usando pano, mas garante que “Se tivesse condições, preferiria usar absorventes. Conheço várias mulheres que sofreram histerectomia”. Mas a pergunta é, a histerectomia seria a melhor intervenção nesses casos?

O número de histerectomias em mulheres das zonas rurais da Índia aumentou abruptamente. Relatórios indicam que esses procedimentos, feitos majoritariamente em mulheres entre 30 e 35 anos, são em sua maioria desnecessários. Fraudes com cirurgias dispensáveis são identificadas em Andhra Pradesh, Bihar e Karnataka pela imprensa desde 2010. O médico Meenakshi Bharat, proeminente ginecologista de Bangalore, explica que absorventes não previnem infecções causadas por infecções no útero ou no aparelho reprodutor. E a histerectomia não deve ser feita apenas por causa de uma infecção, a não ser que esta não tenha sido tratada por um longo período.

É importante destacar que as mulheres entrevistadas no vídeo acreditam que esses problemas de saúde podem ser resolvidos unicamente com o uso de absorventes ou com a histerectomia. Mas não é essa a realidade. A ideia de que os absorventes são a única forma “apropriada” de garantir menstruação segura foi promovida no início da década de 1960 por corporações na Índia. Mesmo nos dias de hoje, grandes multinacionais dominam o mercado de absorventes no país. A publicidade desses produtos ressalta repetidamente palavras como, “higiene”, “conforto”, “perfume refrescante”, e assim dão a ideia de que o sangue da menstruação é sujo, causador potencial de doenças, e que deve ser escondido (absorvido).

Em sua página no Facebook, uma das organizadoras da campanha #HappytoBleed campaign [Feliz em menstruar], Nikita Azad, expõe acertadamente que a estratégia das corporações tem sido a de transformar a menstruação em um problema que traz desconforto e constrangimento para as mulheres – além do estigma – e que seus produtos são a solução para esse estorvo para as mulheres da casta superior. Ao mesmo tempo, os métodos tradicionais utilizados na menstruação são taxados de atrasados e anti-higiênicos.

Primeiro, eles anunciam os absorventes íntimos como a melhor forma das “mulheres de casta superior manterem sua higiene”, ao transformar a menstruação, antes um processo biológico, em um “problema” biológico que precisa ser administrado e reparado (e, claro, apenas por seus produtos selecionados). Depois, dando continuidade ao seu legado colonialista, destituem os nativos (dalits e grupos tribais) de suas práticas, classificando-as de anti-higiênicos e antiquadas, apresentando seus produtos ocidentais/imperialistas como a única opção em uma sociedade ostensivamente livre. Então, quando todos passam a aceitar (mesmo que relutantemente) essa imposição sutil e ardilosa, no caso o uso de absorventes industrializados, eles começam a ganhar muito dinheiro com isso, que no fim das contas era o único objetivo. Agora, claro, Modi [Primeiro Ministro da Índia] busca sangue e dinheiro em suas mãos, literalmente? Eis o GST [Imposto sobre Bens e Serviços].

Com a transformação dos papéis desempenhados pela mulher e a juventude feminina saindo mais para trabalhar/estudar, a maioria só agora dá importância para os absorventes e o considera o único meio saudável de cuidado durante o ciclo menstrual. Corporações multinacionais que vendem esses produtos de higiene íntima praticamente não contribuem para a disposição segura desses resíduos sólidos, de forma ambientalmente correta, apesar da determinação da Lei de Gestão de Resíduos Sólidos de 2016. Cerca de 95% da composição dos absorventes têm plástico, que é de difícil reciclagem, ainda mais se misturado com outros resíduos. Pelo menos nas áreas urbanas, cada vez mais se discutem alternativas ao absorvente industrial, como as almofadinhas de pano e os coletores menstruais, e há mais consciência sobre os impactos ambientais que o absorvente traz, além de riscos à saúde ainda pouco conhecidos pela maioria.

Em breve, descobriremos se as marcas desses produtos, quase todos de multinacionais, aumentarão os preços dos produtos para compensar o aumento do imposto. Certo é que serão as mulheres, particularmente as mulheres mais pobres, sem acesso adequado à informação ou a recursos financeiros, que terão mais a perder com essa situação. Em um país cheio de paradoxos, agora nos deparamos com uma questão relacionada ao direito à qualidade de vida nessa encruzilhada criada por problemas mais complexos ligados à sustentabilidade. Enquanto isso, meninas como as de Champaran são abandonadas à própria sorte – estigmatizadas, devido a um processo natural de seus corpos – reféns dos impostos governamentais e interesses corporativos.

Video Volunteers consiste em uma rede de notícias com foco exclusivamente na cobertura de matérias sobre os distritos mais pobres e esquecidos pela grande imprensa indiana.

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