Projeto de capacitação em jornalismo comunitário fortalece cidadania participativa na Jamaica

Alunos do workshop de jornalismo investigativo, acompanhados de suas famílias e apoiadores, durante a cerimônia de formatura. Foto feita pela Ação de Integridade Nacional, publicada com autorização.

O jornalismo investigativo na Jamaica — e no Caribe como um todo — nunca prosperou de verdade, por vários motivos: falta de recursos é um fator frequente, além da existência de um ambiente midiático cauteloso demais e nada estimulante. Entretanto, um recente projeto de capacitação tem conseguido diminuir esse déficit e empoderar cidadãos a exigirem responsabilidades por parte das autoridades. A iniciativa é fruto de colaboração entre o programa de desenvolvimento comunitário COMET II, financiado pelo USAID, o grupo de anticorrupção da Ação de Integridade Nacional [National Integrity Action] e a organização independente Global Reporters for the Caribbean [Repórteres Globais para o Caribe].

O Global Voices conversou com a coordenadora do programa, Kate Chappell, o chefe do grupo COMET II, Ian McKnight e o coordenador da Sociedade Civil para a Ação de Integridade Nacional (NIA, sigla em inglês), Omar Lewis. Eles falaram sobre os êxitos e desafios do projeto, bem como seu potencial impacto no jornalismo jamaicano.

Global Voices (GV): Parabéns aos recém-formados! Qual o objetivo da capacitação, o que vocês esperavam alcançar?

Kate Chappell (KC): We wanted to give them the basic skills — researching, interviewing, filling Access to Information requests, and writing news articles. We hoped they would all be able to continue to do the same work in their communities. In a larger sense, we wanted to give a voice to those who would otherwise have none.

Kate Chappell (KC): A ideia era dar noções básicas de como fazer uma pesquisa, uma entrevista, preencher formulários de pedidos de acesso à informação, bem como aprender um pouco sobre produção de textos jornalísticos. Nossa expectativa era que todos dessem continuidade a esse trabalho em suas comunidades. De forma mais abrangente, queríamos dar voz àqueles que, em geral, não a têm.

Omar Lewis (OL): National Integrity Action (NIA) aims to improve the capacity of everyday citizens to play an active role in collecting, reporting, analysing and disseminating news and information — and being directly involved in governance matters by holding their elected representatives, service providers, and others in positions of influence and authority to account. NIA's mission is to build a social movement for change — an empowered and informed citizenry actively participating in Jamaica's system of governance.

Omar Lewis (OL): A Ação de Integridade Nacional (NIA) tem como objetivo desenvolver a capacidade dos cidadãos de desempenharem um papel ativo na coleta, no relato, na análise e na disseminação da notícia e da informação — e também de estarem diretamente envolvidos nos assuntos governamentais ao fiscalizarem seus representantes legislativos, servidores e outros agentes públicos com influência e autoridade para que estes ajam com responsabilidade. A missão da NIA é construir um movimento social para a mudança — uma cidadania empoderada e informada, participativa no sistema de governança da Jamaica.

Chefe do grupo COMET II, Ian McKnight. Foto de Emma Lewis, publicada com autorização.

Ian McKnight: (IMK):USAID COMET II has a mandate to work at community level to ensure that ultimately, communities are safe and secure places for its members. Community journalists are seen as key to helping to preserve a culture of lawfulness. They will identify issues facing communities and propose strategies to solve them. They will utilise traditional and non-traditional means so to do. They must investigate what the behind-stories are. Who is to be held accountable?

(IMK): USAID COMET II tem a missão de trabalhar com a comunidade para garantir um ambiente seguro e agradável para seus moradores. Jornalistas comunitários são peças-chave na preservação da cultura de legalidade e justiça. Eles identificam problemas enfrentados pela comunidade e propõem estratégias para solucioná-los. Podem utilizar meios convencionais e não convencionais para isso. Precisam investigar os bastidores das histórias. Quem precisa prestar contas à sociedade?

GV: Em que sentido esse workshop tem abordagem diferente que se vê em workshops de jornalismo convencionais?

Coordenador da Sociedade Civil para a Ação da Integridade Nacional (NIA), Omar Lewis. Foto de divulgação da NIA.

OL: These community residents had little or no formal media training. Participants who received the weekend of training in community investigative journalism were placed in groups with a mentor (a professional journalist), who helped them create actual investigative stories, based on selected activities within their own communities, in the three to four-month period following the training. We hope that with this kind of ‘on the job’ training, the trainees’ interest will be further piqued and they will continue the learning process.

OL: Moradores dessas comunidades tiveram pouco ou nenhum tipo de formação sobre mídia e comunicação. Os participantes da oficina de jornalismo investigativo comunitário, que ocorreu em um fim de semana, foram divididos em grupos com um instrutor cada (um jornalista profissional), que os ajudou a criar pautas baseadas em certas atividades dentro de suas comunidades, no período de três a quatro meses após o curso. A expectativa é que, com esse tipo de tarefa, os alunos serão instigados a continuar o processo de aprendizado.

Journalista Zahra Burton (18 Degrees North) discursa durante a cerimônia de formatura. Foto cedida pela Ação de Integridade Nacional, publicada com permissão.

KC: We took a long-term view. We didn't want to just have a weekend of training and then it would not be put into practice. We had two full days of lectures and special presenters. The Major Organised Crime and Anti-Corruption Agency (MOCA) talked about corruption in local government. Independent journalist Zahra Burton (host of 18 Degrees North, former Bloomberg News reporter and founder of Global Reporters Caribbean) talked about ‘how to dig in’, determine sources and find information. Broadcast journalist Dennis Brooks talked about social media and journalism. Civil society activist Jeanette Calder talked about accountability. There was a session on climate change and disaster preparedness and training in television production and video production using your phone. Each group had a story they were to research, for which they had filed an Access to Information request. The mentors walked the group members every step of the way in assembling an investigative piece.

KC: Tivemos uma visão de longo prazo. Não queríamos apenas dar um curso de um final de semana que não seria colocado em prática. Tivemos dois dias inteiros de palestras e oradores especiais. Um representante da Agência de Combate à Corrupção e aos Principais Crimes Organizados  [Major Organised Crime and Anti-Corruption Agency (MOCA)] falou sobre corrupção no governo local. A jornalista independente Zahra Burton (fundadora do site de notícias 18 Degrees North, ex-repórter da agência de notícias Bloomberg e fundadora da Repórteres Globais para o Caribe) falou sobre como ‘cavar uma notícia’, escolher suas fontes e chegar até a informação que se busca. O jornalista de radiodifusão Dennis Brooks fez uma palestra sobre redes sociais e jornalismo. A ativista social Jeanette Calder falou sobre prestação de contas públicas, transparência e ética por parte do Poder Público. Houve uma aula sobre mudança climática e preparação para situações de desastres, além de práticas de produção televisiva e de vídeo com uso do celular. Cada grupo ficou responsável por investigar uma história e cada um preencheu uma solicitação de Acesso à Informação. Os orientadores instruíram passo a passo os integrantes dos grupos na preparação do material investigativo.

IMK: Our journalists do not belong to a commercial entity. They are not answerable to any group except to their community. They are not voices of the politicians. Ultimately, theirs is the task to transform community through their craft. This training built on the basic skills of journalism and was afforded ONLY to those who had previously done work and exhibited the aptitude.

IMK: Nossos jornalistas não pertencem a uma entidade comercial. Não respondem a nenhum grupo a não ser a sua comunidade. Não representam políticos. Basicamente, a tarefa deles é transformar a comunidade onde vivem por meio desse ofício. Essa capacitação focou nas habilidades básicas de jornalismo e foi oferecida SOMENTE para aqueles que já haviam desenvolvido trabalho similar e demonstrado alguma aptidão para essa prática.

GV: Vocês têm um perfil dos participantes da oficina? Eles focaram em temas tanto urbanos como rurais?

KC: Twenty-seven completed the training. They ranged in age from early 20s to some in their 40s. They came from both urban and rural areas, as did the stories we researched.

KC: Ao todo, 27 terminaram o curso. As idades variam entre 20 e 40 anos. Eles vêm de áreas urbanas e rurais e as histórias que investigamos também são de ambas as áreas.

OL: They were drawn from groups trained by NIA and COMET II in Social Auditing or as Integrity Ambassadors.

OL: Eles foram escolhidos a partir de grupos que já participavam de projetos do NIA e do COMET II como Auditores Sociais ou como Embaixadores pela Integridade.

GV: Quais foram as pautas escolhidas?

KC: They produced ten reports on topics such as the impact of dredging Kingston Harbour on the environment and on local fishermen (the article was published in the Jamaica Observer newspaper); a lively radio discussion with political representatives and health officials on the poor state of roads in a rural community, which residents blamed for the death of a teenager from an asthma attack; the absence of promised Domestic Violence Coordinators at police stations and whether they have, in fact, received full training, based on the experiences of women who have reported to police stations (report to be aired on community radio station Roots FM); the problem of over-fishing in Montego Bay; and a noisy church that is in breach of regulations but is making residents’ lives a misery. One critical topic — the report will run in the Western Mirror — is on residents’ reluctance to report crime in the high-crime area around Montego Bay, the lack of trust and the fear.

KC: Foram produzidas dez reportagens sobre assuntos como: o impacto da dragagem do Porto de Kingston Harbour para o meio ambiente e os pescadores locais (a matéria foi publicada no jornal Jamaica Observer); um debate ao vivo no rádio com políticos e autoridades na área da saúde sobre a condições precárias das estradas em uma comunidade rural, que os moradores afirmam ter sido a causa da morte de um adolescente após um ataque de asma; a ausência de coordenadores para lidar com violência doméstica nas delegacias de polícia. Além disso, foi questionado se esses profissionais haviam sido, de fato, capacitados efetivamente considerando as experiências de mulheres que prestaram queixa na delegacia (matéria que foi ao ar na estação de rádio comunitária Roots FM); o problema da pesca predatória na Baía de Montego; e da igreja barulhenta que desrespeita a lei e está tornando a vida dos vizinhos um pesadelo. Também foi abordado um assunto fundamental — a reportagem será publicada no Western Mirror — sobre a relutância de moradores em denunciar crimes na região com alto índice de criminalidade, ao redor da Baía de Montego, devido ao medo de represálias e a falta de confiança nas autoridades.

Instrutor e jornalista televisivo Dennis Brooks (Nationwide News Network) apresenta um dos artigos publicados. Foto cedida pela Ação de Integridade Nacional, publicação autorizada.

GV: Como vocês definem jornalismo investigativo e o que isso representa para a Jamaica nos dias de hoje? O que esperam com essa iniciativa?

KC: I'm sure there are formal definitions out there, but through this training, and in the Jamaican context, this is what I have come up with: Investigative journalism is both a tool and a skill set that enables citizens (both professional journalists and the untrained) to hold authorities to account. It enables people to look back at promises made and to see if they have been kept. It sheds light on those who do not use their positions of authority properly. Ideally, it can be a way of shaking out the corruption that accumulates among those in power. I would like to see journalists in Jamaica empowered to do more investigative journalism. This means they need more resources and to be supported by the community. Political partisanship is often prohibitive to quality investigative journalism in this country, and that needs to stop. People need to realise that a healthy, free and fair press is essential to a well-functioning democracy, in which all citizens have equal representation. Investigative journalism is extremely expensive and time-consuming, so I would like to see a dedicated fund for such an endeavour, perhaps not initiated by the government, but by the private sector or citizens.

KC: Tenho certeza de que há definições formais e padronizadas, mas no contexto do curso e da realidade jamaicana, acho que é possível dizer que jornalismo investigativo é ao mesmo tempo uma ferramenta e um conjunto de habilidades que possibilita aos cidadãos (tanto os jornalistas profissionais, como os leigos) cobrar das autoridades transparência e responsabilidade com ética. Ajuda as pessoas a lembrarem das promessas feitas pelos políticos e verificarem se estas foram cumpridas. Joga luz sobre aqueles que não desempenham seu cargo ou posição de autoridade apropriadamente. Espera-se que esse tipo de jornalismo remova a corrupção que se acumula entre aqueles que detêm o poder. Gostaria de ver jornalistas na Jamaica empoderados para fazerem mais jornalismo investigativo. Para isso, eles precisam de mais recursos e de apoio de suas comunidades. Partidarismo político frequentemente prejudica a legitimidade do jornalismo investigativo em nosso país e isso precisa acabar. As pessoas precisam compreender que uma imprensa saudável, livre e justa é essencial para uma democracia eficiente, na qual todos os cidadãos são igualmente representados. Jornalismo investigativo é extremamente caro e demorado, requer tempo, então seria bom que houvesse um fundo específico para essa empreitada, talvez não por iniciativa do governo, mas do setor privado ou dos próprios cidadãos.

Zahra Burton com seu certificado de conclusão do workshop de jornalismo comunitário durante a cerimônia de graduação. Foto da National Integrity Action, publicada com autorização.

OL: In essence, I see investigative journalism as based on evidence-based research, whereby we would call the powerful to account and expose corruption, whereby we protect and preserve our democracy.

OL: Essencialmente, vejo o jornalismo investigativo como algo baseado em evidência e pesquisa, seja para identificar e expor casos de corrupção, seja para proteger e preservar nossa democracia.

IMK: Journalists who are prepared to go beyond the surface, resist the temptation to just produce and present a piece JUST for the sensation of it. It will contribute to development. Today, we need persons like these who are not afraid to call out authorities and say who is responsible.

IMK:  Jornalistas que estão dispostos a ir além da superfície, resistem à tentação de produzir e apresentar uma matéria SOMENTE por apresentar. Sair do superficial contribui para o desenvolvimento. Hoje, precisamos de pessoas que não têm medo de ir atrás das autoridades e apontar os responsáveis pelo erro ou má conduta.

GV: Poderiam citar um dos maiores desafios desse projeto?

KC: Participants did not understand how much work this would be. They told us so, many times, and in plain language. This is an oversight on our part and it is also a function of the fact that we are used to the endless time it takes to produce an investigative journalistic piece. We took it for granted, so we did not relay it to participants. They were struggling to meet our demands as well as keep up with their lives — school, work, families, etc. We have learned this lesson for next time.

KC: Os participantes não faziam ideia do trabalho que teriam pela frente. Eles mesmos disseram isso, tantas vezes, e de maneira bastante clara. Esse foi um erro da nossa parte e deve-se também ao fato de que estamos acostumados a gastar muito tempo investigando e produzindo matérias jornalísticas. Subestimamos esse esforço como se fosse algo corriqueiro também para os alunos. E eles tiveram muita dificuldade de atender às nossas exigências e ao mesmo tempo cumprir com suas obrigações do dia a dia — escola, trabalho, família etc. Aprendemos essa lição para uma próxima vez.

GV: A sensação é de que vocês alcançaram os objetivos que haviam determinado ou ainda é muito cedo para saber?

OL: The training and post-training activities so far have been successful. However, we will not be able to consider the entire process a success until we see how the community journalists perform going forward. Will they continuously seek to use their new craft…or will they disappear into oblivion, failing to add to the voices of those demanding change in Jamaica?

OL: As atividades durante o curso e após o seu término até o momento têm sido exitosas. No entanto, não conseguiremos avaliar todo o processo até vermos se esses jornalistas comunitários seguirão adiante. Continuarão a utilizar as ferramentas que aprenderam…ou deixarão esse conhecimento para trás, falhando em se unir às vozes daqueles que exigem mudanças na Jamaica?

KC: I feel we exceeded our goals. We produced nine high-quality pieces that met all our objectives (a tenth is in production): holding authorities to account, providing meaningful information and shedding light on an issue that would probably otherwise not receive any attention. We also empowered citizens to look at their communities in a new way, to feel that they can ask questions, get answers, and demand action. In at least one case, a story prompted a response from the Member of Parliament, who called me to ask to participate in the radio show and then called afterwards, promising to follow up and take action on a long-standing issue in the community.

KC: Acho que superamos nossos objetivos. Produzimos nove matérias de alta qualidade que atenderam às nossas expectativas (a décima ainda está sendo produzida): poder cobrar transparência e satisfação das autoridades, produzir informação aprofundada e significativa e lançar luz sobre um assunto que de outra forma não receberia atenção da mídia. Além disso empoderamos cidadãos a enxergarem suas comunidades com outros olhos, a sentir que podem fazer perguntas e obter repostas. Temos pelo menos um exemplo de matéria que resultou em uma resposta de um membro do Parlamento, que me ligou pedindo para participar do programa de rádio e voltou a ligar depois do programa, prometendo acompanhar o caso e tomar providências para resolver um problema de longa data na comunidade.

IMK: To have had the majority of the pieces already published and broadcast is success on its own. Communities are already reaping some of the benefits. We will continue to train journalists in this specialist skill. We will support them to do their jobs well.

IMK: Só o fato de termos a maioria das matérias publicada e transmitida já representa uma vitória. Os comitês já estão colhendo os frutos desse trabalho. Continuaremos a treinar pessoas nessa especialidade. E daremos o suporte necessário para que desempenhem um bom trabalho.

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