O que não usar no Tajiquistão: o véu muçulmano (hijab) e a minissaia

Ismoil Somoni, o fundador do primeiro império da língua persa após os árabes conquistarem o mundo persa. O rei Somoni é hoje o centro da nova identidade tajique. Seu monumento está no centro da cidade de Dushanbe, capital do Tajiquistão. Fotografia de Kalpak Travel, cc-by-2.0

Existem empresas que pedem para seus funcionários usarem um certo tipo de vestuário. Há escolas onde é obrigatória uma certa forma de se vestir. Existem eventos para os quais os convites incluem uma observação sugerindo o estilo de roupa que os convidados devem vestir. E há um país que está tentando adotar um tipo de traje para suas mulheres, ditando tudo, desde o que devem usar em casa até as vestes para eventos e estabelecimentos públicos, concertos ou simplesmente na rua. O país que fez do vestuário uma questão ideológica é o Tajiquistão, um pequeno pedaço da antiga União Soviética localizado ao lado do Afeganistão e da China.

Pense como um tajique 

O que atualmente é o Tajiquistão foi parte do Emirado de Bucara, um dos reinos menos desenvolvidos da Idade Média. Foi um país subordinado ao Império Russo até que os bolcheviques decidiram incluí-lo na União Soviética e tentaram erradicar a religião e a identidade nacional em nome da construção da nova cidadania soviética. Após a queda  da União Soviética, o país recém-nascido entrou numa guerra civil onde duas ideologias, a comunista e a islâmica, lutaram uma contra a outra sem piedade para reivindicar o trono.

Os que lutaram contra os islamistas venceram e, desde então, o país tenta construir uma nova identidade nacional. Na luta para encontrar uma identidade que se encaixe, a república tentou encontrar várias formas de identidade em apenas duas décadas. Essas formas variaram desde a recuperação da herança dos arianos à tentativa de ser líder na crescente popularidade do Islã. Nenhuma se encaixou com as políticas estatais. Hoje, essa nação, de oito milhões de pessoas, segue os passos de seus antigos vizinhos da Ásia Central soviética visando construir uma identidade tajique modernizada e nacionalizada, que exclua qualquer aparência relacionada ao Islã (como o uso do hijab e de barba) em um país onde mais de nove em cada dez pessoas se identificam como muçulmanas.

Vista-se como um tajique

O traje da mulher tajique tem sido uma questão ideológica fundamental de longa data para o governo. Iniciou-se com a proibição aos estudantes de usarem hijab nas escolas, tornando-se uma forte “advertência” contra o uso total do hijab em qualquer lugar, inclusive em casa. Os nicabes (vestes “árabes” negros que cobrem cada centímetro do corpo da mulher, exceto os olhos) e o modernizado estilo “turco” do hijab (hoje popular em todo mundo muçulmano) foram ligados pelo governo tajique à radicalização e ao terrorismo e são considerados ameaças ao Estado e à sociedade. Como disse o presidente tajique, Emomali Rakhmon, dirigindo-se à questão sobre o que as mulheres de seu país devem usar:

Не преклоняйтесь перед чуждыми ценностями, не следуйте чуждой культуре! Носите наряды традиционных расцветок и покроя, а не черную одежду, так как даже траурная одежда таджикской женщины была белого, а не черного цвета

Não se curvem diante de valores estrangeiros, não sigam uma cultura estrangeira! Usem vestimentas de cores e cortes tradicionais, não usem roupas pretas, até mesmo as roupas de uma mulher tajique de luto eram brancas, não pretas.

O crescente número de mulheres que usam o hijabi e homens barbudos (algo que os tajiques urbanos e aqueles das classes de elite não viam há décadas na vida sob o regime soviético) em conjunto com a progressiva radicalização muçulmana em todo o mundo obrigaram o Estado a agir. Proibições do hijabi e da barba foram estendidas para mais espaços públicos e, enquanto foram recebidas com críticas de “ataques do governo aos valores islâmicos”, o Estado estendeu a vedação ao incluir o “vestuário europeu”, além de adicionar as minissaias e os decotes à lista. As mulheres tajiques ergueram as sobrancelhas e perguntaram: “E aí? O que vestir então?”.


O desfile de amostras de “roupas nacionais” tajiques transmitido pela emissora estatal de televisão nacional

Na véspera da primavera de 2018, o Ministério da Cultura do Tajiquistão, em conjunto com o Comitê para Assuntos da Mulher e da Família, publicou um guia de trajes que ensina às mulheres tajiques a “ética do uso de roupas” em casamentos, feriados nacionais, no trabalho, nos finais de semanas, em casa etc. O guia, “Recomendações sobre o uso de roupas para mulheres no Tajiquistão”, pode ser comprado por cerca de $10 dólares. As amostras de roupas informais cotidianas para mulheres incluem cortes modernos de roupas tradicionais feitas principalmente de ikat (tipo de tecelagem artesanal). Veja alguns exemplos abaixo:

 

Vestimenta nacional moderna tajique recomendada oficialmente para crianças entre os 7 e os 14 anos de idade (foto do site oficial do Comitê para Assuntos da Mulher e da Família do Tajiquistão).

Vestimenta nacional tajique recomendada oficialmente  para meninas entre 14 e 17 anos de idade (foto do site oficial do  Comitê para Assuntos da Mulher e da Família do Tajiquistão).

Vestimenta nacional tajique recomendada oficialmente para mulheres entre 18 e 30 anos de idade (foto do site oficial do Comitê para Assuntos da Mulher e da Família do Tajiquistão).

Vestimenta oficial e secular recomendada oficialmente para mulheres entre 18 e 30 anos de idade (foto do site oficial do Comitê para Assuntos da Mulher e da Família do Tajiquistão).

Vestimenta nacional moderna tajique recomendada oficialmente para mulheres entre 30 e 40 anos de idade (foto do site do Comitê para Assuntos da Mulher e da Família do Tajiquistão).

Os tajiques, que não estão vivenciando pela primeira vez as “recomendações” impostas pelo Estado na esfera privada, estão preocupados com a palavra “recomendação”:

Теперь слово “запрещается” произносят как “не рекомендуется”?

Agora a palavra “proibido” é dita como “não recomendado”?

O guia, além de recomendar o que as mulheres devem usar, possui uma lista do que não deve ser usado, que inclui “o hijab, o vestido e o cachecol preto, as roupas decotadas europeias, as minissaias, os decotes, as roupas justas que marcam o corpo, as roupas sintéticas” etc. Embora as autoridades digam que seu objetivo é a promoção da cultura histórica do vestuário, alguns homens conservadores acham que o livro contém o que eles chamam de “amostras imorais”:

A обтягивающие джинсы это разве норма? где мораль? мы все мусульмане и мы гордые по этому и сильные. нас делает сильными наш менталитет и нас уважают за это. рекомендуют женщинам в юбках на работу ходить. мы не европейцы и не надо оголять наших женщин.

Os jeans justos são mesmo a norma? Onde está a moralidade? Somos todos muçulmanos e nos orgulhamos muito disso. Nossa mentalidade nos fortalece e somos respeitados por isso. Eles recomendam que as mulheres usem saias para trabalhar. Nós não somos europeus e não devemos despir nossas mulheres.

Os homens estão na fila 

Além disso, o livro indignou as mulheres da sociedade que questionaram a ausência e exigem recomendações iguais para os homens. Um leitor do News.tj respondeu à postagem:

Налицо гендерное неравенство! Теперь надо издать рекомендации, как одеть мужское население! Вот смеху-то будет! Унизительно для Минкультуры заниматься одеванием женского населения! Прямыми своими обязанностями занялись – было бы лучше.

Realmente existe desigualdade entre os sexos! Agora precisamos ditar recomendações de como vestir a população masculina! Isso seria gozação! É humilhante para o Ministério da Cultura se envolver em como vestir a população feminina. Seria melhor se cumprissem seus deveres diretamente.

Após a resposta do público, o Ministério da Cultura anunciou que irá publicar um livro separado, recomendando roupas para os homens.

Embora o Tajiquistão seja constitucionalmente um país democrático e reconheça as liberdades modernas do mundo em relação à vida privada, as decisões e políticas do governo contrastam com os direitos constitucionais e as tentativas de proteger esses direitos através dos tribunais foram consideradas falhas.

 

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