Mulheres sámi tentam salvar sua língua materna

Tiina Sanila-Aikio conduz workshop sobre línguas sámi no Centro Cultural Sámi de Sajos

Matéria de Lucy Sherriff para o GlobalPost, publicada originalmente no site PRI.org em 16 de fevereiro de 2018. Republicada aqui como resultado de uma parceria entre o PRI e a Global Voices. 

Tiina Sanila-Aikio não é uma presidente comum. Com 34 anos, é a chefe do povo sámi (também denominado lapão) na Finlândia, única população nativa reconhecida pela União Europeia. É ainda a criadora dos primeiros álbuns de rock do mundo gravados na língua skolt. O skolt é uma língua sámi falada por apenas 300 pessoas.

Apesar da população sámi ser de, pelo menos, 75 mil pessoas, suas línguas estão morrendo. O povo sámi  é formado por nove diferentes tribos que ocupam territórios na Noruega, Suécia, Rússia, Finlândia, e falam vários dialetos. A falta de ensino da língua sámi significa que a população mais jovem desse povo está crescendo sem falar sua língua materna.

“Fico muito triste em dizer que o número de pessoas que fala alguma versão do sámi como primeira língua está diminuindo rapidamente”, afirma Sanila-Aikio. “Ao mesmo tempo, a população sámi está crescendo”.

Nos anos 60, 75% dos sámis falavam o idioma como língua materna, de acordo com registros do Centro Cultural Sámi no Sajos (sajos significa base de operações em sámi). Pesquisas de 2007 revelaram que somente 24% dos sámis eram falantes nativos e que alguns dialetos já haviam desaparecido. Dos 11 dialetos, nove ainda são falados, sendo que o ter sámi é falado por apenas duas pessoas.

Sanila-Aikio é uma sámi skolt e cresceu no vilarejo de Sevettijärvi, onde a cultura e a língua sámi ainda são bastante vivas. Ela estava tão determinada a resgatar sua língua que se tornou professora e trabalhou no Instituto Educacional Sámi em Inari, uma escola singular de educação secundária superior vocacional que ensina em finlandês e sámi, promovendo a cultura sámi na região.

“Eu estava tão preocupada com essa tendência que resolvi fazer algo a respeito.” “Nós temos a Lei da Língua Sámi, que versa sobre situações nas quais os sámis têm o direito de usar sua língua ao lidar com autoridades. Em primeiro lugar, as autoridades devem ter pessoal que fale as línguas sámis, e em segundo, podem ter intérpretes caso não possuam funcionários falantes dessas línguas. Mas, na verdade, nada disso acontece.”

“É uma grande batalha.”

Não satisfeita em somente ensinar a língua sámi skolt, Sanila-Aikio escreveu e gravou dois álbuns de rock em 2005 e 2007.

“O povo sámi adorou. Vendemos todas as cópias que lançamos, totalizando 2.500. Ter rock em sua própria língua é uma forma de atrair jovens interessados em suas raízes e dar mais vida à língua nos dias atuais.”

Falar o skolt — e outras línguas sámi como o inari — está interligado com o modo de vida sámi, que está ameaçado pela mineração, pelo desmatamento ilegal e pela falta de proteção territorial.

“Quando uma nova estrada é construída no meio dos campos de pasto das nossas renas, ou quando uma floresta é derrubada, isso muda a forma como fazemos as coisas”, explica Sanila-Aikio. “Essa área não poderá mais ser usada para o rebanho de renas.”

“Então a sabedoria tradicional e a forma como utilizamos essa área desaparecem. Não podemos mais ensinar para a próxima geração e é por isso que a língua está sendo esquecida — porque nossa cultura está mudando.”

“Mas o governo não leva nada disso em consideração e essa é a nossa maior dificuldade no momento — tentar fazer com que a perda da nossa cultura e língua se torne visível.”

Atualmente, crianças sámis que vivem fora das áreas sámis não têm a oportunidade de aprender a língua. O currículo é ensinado em finlandês e, ainda que sámis possam aprendê-la na universidade, o acesso varia.

Sara Wesslin é jornalista na organização da mídia finlandesa Yle, cuja sede fica em Inari no Centro Cultural Sámi de Sajos que, por sua vez, também abriga o Parlamento sámi.

O Centro Cultural Sámi de Sajos abriga o Parlamento Sámi e a estação de rádio finlandesa Yle. Crédito: Lucy Sherriff/PRI

Com 28 anos, ela transmite notícias por rádio e televisão na língua skolt e é uma de apenas dois jornalistas no mundo que assim o fazem — que ela saiba. O outro é um colega de Wesslin na Yle, Erkki Gauriloff.

“Sinto que tenho uma grande responsabilidade em fazer com que essa língua seja vista e falada”, afirma Wesslin. “Moro numa área rara onde a língua skolt é forte e viva, e temos que cuidar disso.”

Wesslin diz que é importante para ela falar e trabalhar na língua materna de sua avó.

“Não aprendi o skolt como língua materna — mas sim o finlandês — e, consequentemente, tive que trabalhar duro para manter a língua na minha vida. Na minha família, sou a única que fala skolt com minha avó, mas é muito difícil porque temos falado finlandês por 20 anos. Demanda muita energia de nós duas.”

“Meu trabalho como jornalista é um dos poucos lugares onde posso encontrar pessoas que falam skolt e usar minha língua.”

Sara Wesslin transmitindo na língua skolt, da estação de rádio finlandesa Yle. Crédito: Ville-Riiko Fofonoff

Wesslin compartilha as mesmas preocupações de Sanila-Aikio sobre o futuro do skolt e diz que as mulheres são peça chave no processo de manter a língua viva.

“As mulheres têm um papel enorme em manter a língua em suas famílias. Crianças normalmente passam mais tempo com suas mães, especialmente nas famílias tradicionais sámis que possuem rebanhos de renas, que fazem com que os homens fiquem fora o dia todo.”

“Adultos e crianças estão entusiasmados para aprender a língua, mas devemos criar um ambiente no qual o skolt se torne uma língua normal para ser usada no dia a dia.”

A mídia tem um papel muito importante em fazer com que a língua reviva, acrescenta. “E, aos poucos, há mais música e outras formas de cultura popular sendo produzidas em skolt.”

“Creio que isso motive as crianças a usar sua língua secundária.”

O Parlamento sámi criou um instituto educacional para ensinar a adultos e adolescentes a cultura sámi, e oferece um curso intensivo de um ano da língua sámi. Os programas são financiados com recursos da União Europeia, mas Sanila-Aikio alega que o governo não contribui  — trata-se de algo pelo qual o parlamento está lutando.

Sanila-Aikio acredita em liderar através do exemplo. Sua filha de oito anos, Elli-Då’mnn, está aprendendo a língua materna skolt, assim como a língua inari, que é a falada na família de seu pai.

E sobre um novo álbum de rock, as obrigações presidenciais de Sanila-Aikio não deixam muito tempo para que ela se dedique à música, mas não descarta a possibilidade: “Talvez um dia”.

Lucy Sherriff diretamente da Finlândia. 

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