Mulher, negra, espanhola e policial

C.A.E.O. en su uniforme. Foto usada con permiso.

CAEO de uniforme. Imagem reproduzida com permissão.

Esta é uma adaptação de uma entrevista feita por Lucía Mbomío para o site Afroféminas. O artigo é reproduzido no Global Voices como parte de um acordo de partilha de conteúdo. 

Quando CAEO (que preferiu ser chamada pelas suas iniciais nessa entrevista) estava estudando, para tornar-se policial na Espanha, ela quase acreditou que seus sonhos nunca se tornariam realidade. A falta de oficiais exemplares no setor era marcante, e muitas pessoas em sua volta não acreditavam que ela conseguiria cumprir o cargo com êxito.

Mesmo assim, ela persistiu. Agora, quase uma década depois, ela não apenas completou seus estudos como está exercendo seu sonho de trabalhar na polícia espanhola – demonstrando a todos que duvidaram dela que, sim, isso pode ser feito.

Na nossa entrevista, a seguir, ela fala sobre temas complicados como o machismo e racismo, mas também conta do amor que sente pela sua profissão.

Lucía Mbomío (LC): Como é ser uma mulher, negra e policial na Espanha? 

C.A.E.O.: No le veo distinción alguna respecto a una policía de raza blanca, pero cierto es que es un gran orgullo que, a pesar de los prejuicios que hay en esta sociedad, yo sea una mujer policía y sobre todo, siendo negra.

CAEO: Não vejo nenhuma diferença de tratamento em comparação a um oficial branco. Porém, tenho orgulho de saber que, apesar dos preconceitos na nossa sociedade, eu pude ser uma policial e, sobre tudo, uma polical negra.

LC: O que você gosta mais de sua profissão?

C.A.E.O.: La labor que desempeñamos en muchos ámbitos, tanto de investigación como en ayuda al ciudadano.

CAEO: Gosto como o nosso trabalho desempenha várias funções, tanto de investigação como de auxílio aos cidadãos.

LC: Na sua opinião, qual é a parte mais difícil do seu trabalho? 

C.A.E.O.: Saber actuar en todo tipo de situaciones que se nos presenta y saber tratar con todo tipo de personas.

CAEO: [O mais difícil é] saber atuar de uma forma adequada em todos os tipos de situações que encaramos, e saber interagir com todos os tipos de pessoas.

LC: Você lembra qual foi o melhor dia da sua carreira na Polícia Nacional? Conte-nos.

C.A.E.O.: Aunque no tenga nada que ver con la labor policial, para mí el día más bonito fue cuando me presenté en un despacho de la Comisaría de Algeciras para realizar las prácticas en uno de sus grupos y me atendió un compañero, el cual, sin dejarme apenas hablar, dijo que si venía a arreglar papeles para extranjería era en la primera planta.

En la actualidad, es mi marido.

CAEO: Mesmo que não tenha nada a ver com o trabalho policial, para mim o melhor dia foi quando me apresentei na delegacia do município de Algeciras para fazer estágio em uma de suas forças. Um homem me atendeu e, sem me deixar falar, disse que se eu estava alí para trazer algum documento para o setor de relações exteriores eu teria que ir para o primeiro andar.

Atualmente, esse homem é meu marido.

LC: Você acha que a crise econômica transformou as funções policiais? Se sim, como? 

C.A.E.O.: Trasformado no, la policía sigue haciendo sus mismas funciones, pero sí es cierto que el número de opositores ha aumentado con la crisis dada la poca salida laboral.

CAEO: Se transformou? Não. A polícia continua com suas mesmas funções. Entretanto, houve um aumento de inscrições para o cargo de policial por causa da falta de empregos.

LC: De volta ao assunto de gênero, quantas mulheres trabalham na mesma delegacia que você?

C.A.E.O.: Aquí me pierdo un poco porque no sabría decirte un número exacto ni aproximado, pero somos bastantes.

CAEO: Aqui eu me perco um pouco pois não saberia te dar um número exato, nem aproximado. Mas somos várias.

LC: Você descreveria seu trabalho como machista? 

C.A.E.O.: Partiendo de que vivimos en una sociedad machista sí, hay y habrá machismo como en todos los sitios. En mi profesión se percibe un poco, especialmente en compañeros más veteranos, aunque cada vez son menos.

CAEO: Considerando que vivemos numa sociedade machista, sim: tem, e sempre terá, machismo em todos os setores. Na minha profissão, isso nos afeta um pouco, especialmente diante de colegas mais veteranos, porém vem ocorrendo cada vez menos.

LC: E quanto a raça? Havia muitos negros na academia de polícia?

C.A.E.O.: No, en mi año había una chica mestiza y yo, aunque había también gente árabe y alguna persona originaria de Latinoamérica. Considerando que éramos unas 2,500 personas en la escuela de formación, no, no éramos muchos.

CAEO: Não, no meu ano havia uma mulher mestiça e eu, se bem que havia também alguns árabes e uma pessoa da América Latina. Considerando que éramos uns 2.500 estudantes ao todo, não, não éramos muitos.

LC: Você conhece outros policiais, mesmo de outras províncias, que são negros?

C.A.E.O.: Personalmente conozco a cinco, dos chicas mestizas y un chico en la Policia Nacional y otros dos guardias civiles, todos de raza negra. Pero me consta que existen algunos más.

CAEO: Eu pessoalmente conheço cinco: duas mulheres e um homem mestiços que trabalham na Polícia Nacional, e outros dois guardas civis de raça negra. Mas tenho certeza que existem alguns mais.

C.A.E.O. con uniforme de policía y vestida de civil. Foto usada con permiso.

CAEO vestindo seu uniforme (à esquerda) e à paisana (à direita). Imagem reproduzida com permissão.

LC: A polícia nacional recebe, entre outras coisas, muitas críticas sobre o racismo e a utilização de caracterizações raciais. Como integrante da polícia, qual é a sua opinião sobre essas críticas? 

C.A.E.O.: Creo que esa es una defensa del ciudadano extranjero muchas veces fácil de utilizar e innecesaria. Dentro de la policía hay diferentes brigadas y cada una de ellas tiene su cometido, depende lo que se busque se identifica a unas personas u otras.

Yo he realizado servicios uniformada, así que he tenido que identificar o, incluso, detener a algún extranjero que me ha llegado a decir que soy racista y que lo detengo o lo identifico por ser negro.

Para mí es un arma de doble de filo. Mi marido dice que a él le ha parado la policía más veces en estos 8 años de relación, que en los 40 años que tiene y creo que eso tiene solo un motivo: yo. Con esto quiero decir, que si se detiene a una persona de raza negra no es por racismo sino por un hecho concreto.

Hay otras veces que sí buscas a personas con situación irregular en España. Si estoy yo con mi marido paseando, hay más probabilidad de que la irregular sea yo que él.

Ahora bien, reconozco que el hecho de que siempre te paren para pedirte la documentación es algo incómodo y más cuando, en muchas de las ocasiones, no es porque te vean en una zona conflictiva ni porque hayas efectuado un movimiento extraño o sospechoso.

CAEO: Acredito que essa declaração é muito fácil de ser feita, e as vezes é utilizada de uma forma desnecessária. Dentro da polícia existem múltiplas brigadas com diferente funções. Dependendo do que elas buscam, terão que investigar certas pessoas diante de outras.

Como policial, eu já tive que identificar, ou até prender, estrangeiros que me acusaram de racismo, de que eu tinha apreendido eles por serem negros.

Para mim, isso é uma faca de dois gumes. Meu marido diz que foi parado pela polícia mais vezes nos últimos oito anos de nossa relação de que qualquer outra vez nos seus 40 anos de vida. Acredito que isso só tem um único motivo: eu. Mesmo assim, quero deixar claro que, se a polícia deteve alguém de raça negra, não foi por causa de racismo e sim por alguma razão concreta.

Em alguns casos, policias ficam de olho em situações que podem ser “irregulares”, ou fora do normal aqui na Espanha. Se eu estiver passeando com o meu marido, é mais provável que a pessoa irregular seja eu, não ele.

Por outro lado, reconheço o fato de que as pessoas que são constantemente solicitadas a apresentar seus documentos podem se sentir incomodadas. Admito também que, muitas vezes, policiais não solicitam essas informações porque a pessoa investigada fez algo suspeito ou está em alguma zona de conflito.

LC: Como, na sua opinião, poderíamos mudar essa imagem negativa da polícia? Por exemplo, com mudanças internas, uma presença mais forte na imprensa, ou mais integrantes negros sendo recrutados? 

C.A.E.O.: […] El racismo está en toda partes, nunca he entendido ni entenderé las generalizaciones. El racismo no se quita con una formación, las cosas las percibes y las sientes de diferentes maneras, con la experiencia personal que vives día a día y con la educación recibida en el transcurso de tu vida. Eso es mucho más que una formación que te puedan dar en un momento dado.

¿Más personas negras dentro del cuerpo? Soy nacida en España, mis padres llegaron aquí cuando tenían 6 años, siempre me he codeado con gente de mi raza y la verdad es que nunca en mi círculo he escuchado a amigos o familiares decir que se han presentado alguna vez a las oposiciones de la Policía Nacional.

Con esto quiero decir que, quizás, si no hay mucha gente de diferentes razas dentro del Cuerpo Nacional de Policía, es porque ellos mismo piensan que es imposible, es más, eso mismo pensaba yo. Mientras estaba opositando, mi propio círculo de amigos cercanos me decía que no iba a aprobar por ser negra. Cuando realice el examen, había una parte de mí que decía que sería un esfuerzo en vano, porque de tanto escucharlo me lo llegué a creer. De hecho, muchas veces cuando conocía a gente y me preguntaban y ¿tu qué estás haciendo? yo decía “estudiando unas oposiciones de administrativo”, por vergüenza a que se rieran de mí.

CAEO: O racismo está presente em todas a partes, nunca entendi nem entenderei as generalizações. O racismo não termina com uma formação: são as coisas que percebemos e sentimos, a experiência pessoal do dia-a-dia e a educação que recebemos ao longo da vida que podem elimina-lo. Isso vale muito mais do que uma formação poderia te dar a qualquer momento.

Você me pergunta sobre mais pessoas negras na polícia? Nasci na Espanha, meus pais chegaram aqui quando tinham 6 anos de idade, sempre fui empurrada para o lado da minha raça. A verdade é que nunca sequer ouvi alguém no meu círculo de amigos e familiares ter interesse em se inscrever para a polícia nacional.

Com isso quero dizer que, talvez, se não há muita gente de diferentes raças dentro da polícia, isso é porque eles pensam que é algo impossível — do mesmo jeito que eu pensava. Quando eu estava estudando na academia de polícia, até meus próprios amigos me disseram que eu seria rejeitada por ser negra. Quando fiz meus primeiros exames, parte de mim receava que meus esforços seriam em vão: de tanto ouvir que iria fracassar, passei a acreditar nisso. De fato, muitas vezes quando conhecia alguém, e me perguntavam o que estava fazendo, eu dizia que estava estudando administração, por vergonha e medo de que iriam rir de mim.

LC: Levando em consideração que não têm muitos policiais de etnias diferentes (ou seja, que não são brancos), como que as pessoas reagem quando te veem em campo? E como os outros oficiais da polícia reagem? 

C.A.E.O.: Para la gente de fuera, hasta para los mismos compañeros es un caso inusual. Muchas veces me han preguntado si soy española. Puedes llegar a entender que esa pregunta te la haga la gente de fuera porque desconocen los requisitos que se piden a la hora de opositar, pero cuando me lo preguntan personas que pertenecen a mi profesión, me choca más.

CAEO: Tanto para gente de fora quanto para os meus colegas isso é considerado algo fora do comum. Já me perguntaram várias vezes se sou espanhola mesmo. Dá pra entender essa pergunta vindo de pessoas de fora, pois não conhecem os nosso requisitos de inscrição, mas quando a pergunta vem de alguém da minha profissão, me choca mais.

LC: Você tem algum relato, positivo ou negativo, que ilustra isso? 

C.A.E.O.: Tendría para escribir un libro. No sabría definir cuál es positiva o negativa, porque soy muy pasota a la hora de llevarme ciertos comentarios al ámbito personal.

He estado realizando servicio uniformada en las elecciones generales y ha venido un ciudadano a decirme: “Perdone, es usted es policía?”. Acto seguido, me ha entrado la risa y le he respondido que no, que es un disfraz que me compré en la tienda de la calle de atrás.

He estado prestando servicio uniformada en un Centro de Internamiento para Extranjeros (CIE) y al entrar algún compañero perteneciente a otra plantilla diferente a la mía, creyó que era una interna que se había disfrazado de policía para hacer la gracia.

He tenido que identificarme junto con mi marido ante la policía. A él apenas le miran su carnet profesional y la placa emblema. Sin embargo, a mí me la quitan de la mano, la cogen, la miran de una manera y de otra, como si de un extraterrestre se tratase.

Estando en Barcelona, en una misa el día de Nuestro Patrón, tuve que leer un discurso. Al salir de la iglesia, se acercó una mujer para decirme que había leído en español muy, muy bien.

Historias así tengo para aburrir. Todas estas anécdotas demuestran que a la gente, ya sea de fuera como de dentro del Cuerpo Nacional de Policiá le cuesta ver e imaginar que existan uniformadas negras.

CAEO: Tenho o suficiente para escrever um livro! Não saberia definir quais foram negativos ou positivos porque é muito raro que eu leve algum comentário para o lado pessoal.

Teve uma vez, durante as eleições gerais, que eu estava de uniforme e um homem se aproximou e me perguntou: “Perdão, mas a senhora é da polícia?” Eu caí na gargalhada e disse a ele que não, que era um disfarce que eu tinha comprado em uma loja fantasia na rua de trás.

Outra vez, estava prestando serviço em um Centro de Internamento para Imigrantes (CIE) e, logo que eu entrei, um colega que trabalhava em outro andar pensou que eu era uma imigrante fantasiada de policial por brincadeira.

Eu já tive que me identificar à polícia junto com o meu marido. Com ele, apenas olharam seus documentos de identificação. Entretanto, quando chegaram a mim eles tomaram os documentos da minha mão, e olharam pra eles de cima em baixo como se eu fosse uma extraterrestre.

Uma vez eu estava em Barcelona participando de uma missa para o nosso santo padroeiro, onde eu fui convidada a dar um discurso. Ao sair da igreja, uma mulher veio me elogiar, pois tinha lido em espanhol muito, mas muito, bem.

Tenho histórias como essas para dar e vender. Todos esses relatos demonstram que muita gente, fazendo parte da polícia ou não, custa a imaginar que existem mulheres negras uniformadas.

LC: Qual conselho daria a outras pessoas – mulheres, homens, negros ou não – que querem ser policiais?

C.A.E.O.: Que con esfuerzo y constancia se consigue todo, que ellos y ellas mismos(as) no se pongan prejuicios, al menos, sin antes intentarlo.

CAEO: Com perseverança e esforço, você triunfará. Não deixe que os preconceitos te dominem, sem pelo menos tentar.

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