Moçambique/Brasil: Críticas à “Diplomacia do Etanol”

Na semana passada Friends of the Earth Europe [Amigos da Terra Europa, en] e a ONG Moçambicana Justiça Ambiental denunciaram furiosamente um acordo entre o Brasil, a União Europeia e Moçambique promovendo a produção de bio-combustíveis em Moçambique.

O acordo aumentaria a cooperação técnica para promover a produção de bio-combustíveis em Moçambique. Atualmente as importações de etanol de cana de açucar moçambicana pela União Europeia estão sujeitas a tarifas muito baixas em comparação com o etanol brasileiro, que a União Europeia continuará a tributar.

As empresas brasileiras lucrariam com a ênfase crescente no setor e assistência, e algumas ponderam expandir as suas operações para Moçambique. De acordo com Reporter Brasil no final do ano passado, pelo menos duas grandes empresas brasileiras acordaram expandir a produção da cana do açucar em Moçambique, e procuravam financiamento para conseguir produzir etanol no país.

Foto do usuário Flickr Tonrulkens com licença CC

As autoridades dizem que a produção africana teria de cumprir os padrões ambientais europeus e passar por um estudo de viabilidade.

E no entanto até os primeiros projetos de etanol em Moçambique foram repletos de preocupações sociais e ambientais (veja a recente cobertura de um caso na Global Voices, en). Justiça Ambiental disse num press release na semana passada [en]:

The expansion of biofuels in our country is transforming natural forest and vegetation into fuel crops, is taking away fertile farmland from communities growing food, and creating poor working conditions and conflicts with local people over land ownership. We want real investment in agriculture that allows us to produce food and not fuel for foreign cars.

A expansão dos biocombustíveis no nosso país está transformando a floresta natural e a vegetação em colheitas de combustível, tirando terra fértil onde comunidades plantam alimento, e criando más condições de trabalho e conflitos com os moradores locaissobre a posse da terra. Queremos um verdadeiro investimento na agricultura que nos permita produzir alimento e não combustível para carros estrangeiros.

Em resposta AIM, o serviço noticioso do governo [en] chamou a declaração da Friends of the Earth [Amigos da Terra] “infortunadamente ignorante”, atacando ainda a JA, e dizendo que não existem provas sugerindo que a produção de bio-combustíveis tenha prejudicado a produção de alimentos.

Apesar disso, juntamente com o relatório da Friends of the Earth [“The Jatropha Trap” (A Armadilha de Jatropha),en], outro estudo do Instituto Internacional de Economia e Desenvolvimento no Reino Unido (“Bio-combustíveis, acesso a terra e vivências rurais em Moçambique“, en) urgiu precaução nas últimas semanas com relação à expansão de bio-combustíveis em Moçambique.

Foto do usuário Flickr Fotos da Bahia com licença CC

O acordo trilateral é apenas um indicador da força daquilo que os comentadores brasileiros chamaram de “diplomacia do etanol” do Presidente Lula. Leandro Freitas Couto escreve:

Na recente visita do presidente Lula a seis países africanos (Cabo Verde, Guiné Equatorial, Quênia, Tanzânia e África do Sul) os biocombustíveis, o etanol mais especificamente, tiveram destaque na agenda. […] O Brasil também já dispõe de um acordo com os Estados Unidos sobre o tema, assinado ainda durante o governo de Bush Jr. Prevê ações de cooperação triangulares, nos moldes do acordo agora assinado com a União Européia e Moçambique […]

A diplomacia do etanol, portanto, vem se consolidando nos últimos movimentos da gestão da política externa do presidente Lula. A substituição paulatina, mas inexorável, dos combustíveis fósseis e a atenção crescente às questões climáticas tendem a fortalecer ainda mais essa agenda no futuro, o que ajudará a fortalecer a presença do Brasil no cenário mundial. […] Com esse cenário, a despeito dos resultados eleitorais de outubro desse ano, a continuidade dessa linha de ação da política externa brasileira está garantida para os próximos anos.

Ativistas brasileiros como a Comissão Pastoral da Terra (CPT) de Alagoas, denunciou esta forma de “diplomacia” nos recentes anos. Numa visita a Maputo para uma conferência de agro-combustíveis em 2009, (palavra usada para evitar as conotações positivas de “bio”), CPT Alagoas disse:

Historicamente, a atividade sucroalcooleira no Brasil tem sido geradora de profundos desrespeitos aos direitos humanos e vem causando graves danos ao meio ambiente. Nos últimos anos, a expansão indiscriminada dos canaviais para produção de etanol – com o objetivo de atender as expectativas do mercado exterior – vem ampliando a super-exploração dos assalariados da cana e o aumento do número de trabalho análogo à escravidão. […]

Colocar o Brasil como um país chave na produção de energia renovável é fazer uma leitura superficial ou de resultado, é passar uma borracha no passado recente e criar uma falsa impressão que todos os impactos (econômicos, sociais e ambientais) foram superados e que o etanol produzido no Brasil é um combustível limpo. […]

Não podemos permitir que esse modelo de exploração seja exportado para a África nem para nenhum outro país do mundo.

A blogoesfera moçambicana ainda tem muito para comentar sobre este acordo trilateral. No entanto, o tema do etanol recebeu vários comentários no passado, incluindo de ONGs e movimentos sociais. A União Nacional de Camponeses (UNAC) postou recentemente uma entrevista, diz Ismael Ossemane:

Agora com o etanol e os agrocombustíveis começa uma maior busca por terra em Moçambique e a tendência é esta força por em prova a lei de terras. Então nos encontramos nesta situação: ainda há terras para os camponeses por causa do estágio de desenvolvimento do país, mas através da forma como começam a entrar as empresas, percebemos que, se hoje lutamos para defender a terra que temos, em breve começaremos a lutar para ter terra.

Convém dizer que o etanol em questão parece ser para exportação, não resolvendo assim a dependência moçambicana de combustível estrangeiro. De fato, o anúncio deste acordo chegou quando vendedores de gasolina ameaçavam subir os preços e potencialmente provocar protestos em Maputo como o que aconteceu em Fevereiro de 2008. (veja a cobertura Global Voices.)

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