Moçambique: Protesto organizado via SMS tem cobertura na blogosfera

Três pessoas morreram e mais de 250 ficaram feridas em um tumulto ontem em Maputo, consequência de um protesto contra o aumento das passagens cobradas pelas chamadas chapas (empresas de micro-ônibus de transporte coletivo privadas da capital de Moçambique). Uma das primeiras pessoas a trazerem à notícia ao público foi o sociólogo blogueiro Carlos Serra, em uma pstagem feita logo depois das 8:00 da manhã, que foi continuamente atualizada à medida que ele conseguia mais informações a serem divulgadas.

Ele noticiou a improvisação de barricadas para impedir a passagem dos micro-ônibus e a interrupção completa de todo o serviço de transportes logo em seguida, assim como a intervenção policial, os passageiros deixados na mão e a primeira vítima fatal. As pessoas começaram a entrar em contato diretamente com o blogueiro deixando informações em primeira mão sobre o que elas viram e ouviram, na caixa de comentários do blogue.

Enquanto a maioria da estações locais de TV passavam novelas e as rádios traziam um jogo de futebol, as pessoas foram em massa à internet em busca de mais informações. Carlos Serra recebeu dezenas de comentários em sua postagem inicial, com muitos leitores agradecendo a ele pelas notícias de última hora no blogue, a única fonte de informação atualizada virtualmente em tempo real. Micas disse em um dos comentários:

Revoltante! A Rádio não deveria estar ao serviço da informação, ao serviço do povo? Não é um serviço público? Que me desculpem mas o futebol poderá ficar para depois.

Bayano Valy trouxe hoje uma análise do comportamento da imprensa durante o protesto e das consequências da omissão de notícias:

O que me pareceu ter acontecido ontem foi que mais uma vez os órgãos de comunicação públicos furtaram-se de cumprir com uma das suas obrigações de informar o público sobre questões de interesse público. E me parece que as manifestações de ontem eram de interesse público. Ao furtarem-se do dever e obrigação de reportar sobre o que estava a acontecer não terão os nossos órgãos públicos contribuido para que mais pessoas se pusessem à rua com todas as consequências que daí podiam advir?

Outros cidadãos estavam gravando os eventos ainda mais de perto. O pequeno vídeo abaixo, feito por KaeDhee, foi gravado de um terraço em uma das áreas mais calmas, Coop, perto da Praça OMM, às 14h30.

Mobilização via SMS

Não existem precedentes para manifestações dessa amplitude em Maputo e ao que parece a mobilização começou logo após o anúncio de que o Ministério dos Transportes e a Federação Moçambicana das Associações dos Transportadores Rodoviários (FEMATRO) concordaram em aumentar o preço das passagens das chapas em 50% (passando de 5 meticais a 7.5 – o que equivale a US$0,20 a US$0,30). As pessoas se valeram de SMS para enviar mensagens de texto convidando as outras à protestarem no dia em que o aumento entraria em vigor, de acordo com Orlando Castro:

Hoje o protesto registou uma inovação. Foi convocado por sms e incluía fortes críticas ao Governo da FRELIMO: “O povo está a sofrer, os filhos de ministros, deputados e outros dignitários não andam de chapa e os chapas estão caros. Vamos fazer greve e exigir justiça. Lutemos contra a pobreza”.

Os aumentos foram justificados pelo último encarecimento dos combustíveis, tendo o dísel sofrido 14% de aumento e o petróleo passando a custar 8.1% a mais. Por outro lado, o salário mínimo oficial é de menos de US$ 2,00 por dia apenas, e as pessoas mais pobres seriam as mais afetadas pelas novas tarifas. Alguns blogueiros, como Ivone Soares, não estão nada satisfeitos com a justificativa:

O salário mínimo está aquém das necessidades básicas das populações, ademais que o índice de desemprego em Moçambique é vergonhoso para um Governo que se diz do Povo, mas que preocupado com os mega-empreendimentos.

Manoel de Araújo escreve uma carta aberta ao presidente moçambicano, Armando Guebuza, pedindo que ele se pronuncie sobre os eventos sem precedentes em Maputo:

Pela primeira vez depois da independencia nacional a populacao de Maputo saiu a rua com um unico proposito- dizer de forma clara e inequivoca de que ja esta farto das instituicoes estatais e que pelo menos desta vez, iria resolver os seus problemas, usando as suas proprias maos!

Leonardo Vieira se diz não estar surpreso que a paciência das pessoas tenha se esgotado depois de tantos aumentos de preços em menos de um mês: combustíveis, pão e a passagens nos coletivos. Ele acusa o governo de ser passivo frente aos problemas, deixando a população sem outra escolha a não ser lançar mão da violência. Nesse caso, os manifestantes conseguiram o que queriam:

E qual foi a consequência??? Na pessoa do ministro dos transportes, o Governo anuncia que já não mais irão subir os preços.

Em um comentário na postagem acima, Nelson Livingston concorda com a teoria de Leonardo sobre o esgotamento da paciência do povo, e faz uma previsão bem pessimista para o futuro:

O que me intriga é como o governo subestima o povo. Como não lê os sinais de insatisfação. Será por estar demasiado desligado da situação popular ou por uma cruel insensibilidade que se “ignora” o resultado de algumas medidas tomadas lá no topo. Agora aprendeu o povo que “criança que não chora não mamã”. Aprendeu que “governo não gosta de barulho”. O povo aprendeu a “mexer o remoto control” o futuro é assustador.

Uma cidade fantasma

Hoje, Carlos Serra relata que depois que os protestos entraram noite adentro, na manhã de hoje Maputo mais parecia uma cidade fantasma. Não havia transporte público, a maioria das escolas e lojas permaneceram fechados. Pilhas de lixo vão se acumulando em meio aos restos das barricadas levantadas no dia anterior. Apenas na tarde as chapas voltaram a entrar em circulação.

No entanto, ainda há uma certa tensão em outras partes de Moçambique. Carlos Serra continua, como normalmente, fornecendo as últimas notícias, com mais rapidez do que a imprensa do país. Na sua 28ª atualização hoje, às 20h40, no momento da publicação desse artigo, ele informa:

Três mortos e 268 feridos – eis o rescaldo dos levante popular de ontem, segundo a estação televisiva TVM no seu noticiário das 20. Mas segundo o “O Paísonline”, calcula-se em 93 o número de feridos que deram entrada no Hospital central de Maputo, dos quais 25 continuam ainda internados.

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