Líderes da ONU conversam com o Global Voices sobre Trump, mudanças climáticas, imigração e recursos hídricos

UN Secretary General Ban Ki-moon's Interview with Dag Hammarskjöld Journalism Fellow and Global Voices author Abdulfattoh Shafiev.

O secretário-geral da ONU Ban Ki-moon antes da entrevista com Abdulfattoh Shafiev, bolsista do programa de jornalismo Dag Hammarskjöld e autor da Global Voices. Foto cedida pelas Nações Unidas e publicada com autorização.

Abdulfattoh Shafiev, bolsista do programa de jornalismo Dag Hammarskjöld e autor da Global Voices, fez entrevistas com o secretário-geral das Nações Unidas Ban Ki-moon e com Peter Thomson, presidente da Assembleia Geral da ONU, em 11 e 10 de novembro, respectivamente, em seus gabinetes na sede da ONU, em Nova York. Os dois líderes da ONU responderam a perguntas sobre o impacto da eleição surpreendente de Donald Trump como presidente dos EUA no trabalho da organização em áreas vitais como a mudança climática e a imigração, tal qual outros assuntos como autoritarismo e política hídrica.

A surpreendente vitória de Donald Trump nas eleições presidenciais norte-americanas não só trouxe incertezas em relação ao futuro da nação com a maior economia e influência do planeta. A promessa feita por Trump na convenção do Partido Republicano em julho quando disse que “o Americanismo será nossa crença, não o globalismo” pôs em xeque o futuro do multilaterismo e das organizações internacionais que surgiram com os destroços da Segunda Guerra Munial, ao passo que suas visões em relação a questões globais essenciais como a imigração e o aquecimento global foram bem documentadas.

Contudo, na sede das Nações Unidas em Nova York, não há sinais visíveis de pânico com a eleição de Trump, e duas das maiores autoridades da organização demonstraram tranquilidade enquanto davam suas opiniões sobre alguns dos temas mais importantes da atualidade.

As conversas do autor deste artigo com o secretário-geral da ONU Ban Ki-moon e com o presidente da Assembleia Geral da ONU Peter Thomson começaram com uma análise das declarações do presidente eleito dos EUA sobre dois dos temas mais importantes supervisionados pela organização recentemente, passando por temas como autoritarismo, imigração e a questão da água na Ásia Central.

Como devemos entender as decalarações de Donald Trump sobre o Irã e a mudança climática?

Um assunto que gerou muita repercussão durante a campanha presidencial de Donald Trump foi a sugestão de que ele romperia o acordo feito entre o Irã e o Grupo denominado 5+1, composto por Reino Unido, França, Alemanha, Rússia, Estados Unidos e a União Europeia sobre o polêmico programa nuclear do país asiático.

O secretário-geral Ban Ki-moon falou sobre o tema:

This is a deal which has been agreed upon by five members of Security Council and Germany and is fully supported by the Security Council. The US has played a crucial role among the members and the UN has been fully supportive of this agreement. Of course this deal may not be a perfect agreement, but we are not living in a perfect world. If there is anything that may not be satisfactory to newly elected president, he should discuss it with the parties concerned. What is important is the implementation of this agreement in a faithful manner. Whatever he might have said as political rhetoric during the presidential elections, I feel sure that once he becomes the president in January, he will be committed to the agreement. Since the UN was established, we have seen many changes in US administration from the Democrat party to Republicans. But all of them have honoured such agreements.

Este acordo foi aprovado pelos cinco membros do Conselho de Segurança e pela Alemanha, tendo total respaldo do Conselho de Segurança. Os EUA tiveram um papel crucial entre os membros, e a ONU apoiou esse acordo integralmente. É claro que esse acordo pode não ser o ideal, mas não vivemos em um mundo perfeito. Se há algo que desagrade o novo presidente, ele deve discutir com as partes envolvidas. O importante é que esse acordo seja implementado de forma autêntica. O que quer que tenha sido dito como retórica política durante as eleições presidenciais estou certo de que, assim que for empossado em janeiro, ele irá respeitar o acordo. Desde a fundação da ONU, testemunhamos muitas mudanças na administração dos EUA, do Partido Democrata ao Republicano, mas ambos honraram tais acordos.

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O presidente da Assembleia Geral da ONU Peter Thomson (à direita) e o autor da Global Voices Abdulfattoh Shafiev (à esquerda). Foto cedida e publicada com permissão das Nações Unidas.

Mesmo que tenha preferido não opinar sobre os comentários feitos por Trump em relação ao aquecimento global e o Acordo de Paris (antes da sua candidatura oficial à presidência, Trump fez declarações públicas quando disse que o acordo global era uma farsa inventada pelos chineses, o que ele posteriormente negou durante sua campanha), o presidente da Assembleia Geral da ONU Peter Thomson não acredita que um homem seja capaz de reverter o crescente consenso internacional sobre o tema:

I don’t’ want to speculate on what he believes in and what he is going to do, but what I’d say it is that that it is very obvious that mayors, community groups, individuals, large swathes of America, realise that America’s best interest and humanity’s best interests lie in the clean energy future. If you are mayor of Miami, you don’t need somebody to tell you that the sea level is rising, you just walk down the street and see the water coming up through the grills in the street and see that you have got to do something about it. My point here is that while governments are obviously extremely important, it is people that will make the change. We are now seeing that renewable energy is moving towards being as competitive and even more competitive than fossil fuels in some instances, and what is good for business will be good for this country and the world, so I am not too skeptical about any of that.

Não quero especular sobre o que ele acredita e o que pretende fazer, mas eu creio que esteja bem claro que os prefeitos, grupos comunitários, indivíduos e diversos setores dos Estados Unidos acreditam que uma energia limpa no futuro seja do melhor interesse dos EUA e da humanidade. Se você é prefeito de Miami, você não precisa de alguém lhe dizendo que o nível do mar está crescendo, você simplesmente sai de casa e vê a água subindo pelos grades na rua e percebe que algo precisa ser feito. Meu ponto aqui é que, apesar de a importância dos governos ser indiscutivelmente importante, são as pessoas que promovem as mudanças. Estamos vendo agora que a energia renovável está se tornando cada vez mais competitiva, chegando a ultrapassar os combustíveis fósseis em alguns casos. O que for bom para os negócios também será para o mundo. Então eu não acho que esteja sendo cético em nenhum desses temas.

Ban Ki-moon aos presidentes: deixem as constituições em paz, deem o poder às pessoas

Há dois meses, na sessão inaugural da 71ª reunião da Assembleia Geral, Ban Ki-moon aproveitou seu último discurso importante como secretário-geral da ONU para implorar aos tiranos do mundo para que não alterem a constituição de seus países para permanecerem no poder.

A Global Voices pediu a Ban que desse mais detalhes sobre sua declaração:

One of the regrets and disappointments I experienced during my ten years serving as Secretary General is that I have seen some leaders, who are not committed to democratic principles and try to cling to power against the will of people. It is important that leaders should listen carefully to the voices of people, their expectations and challenges. But when you shut down for years such voices and this becomes the source of grievances, these grievances, if not addressed properly, can turn into demonstrations, resistance and even violence by people.

Most of the world’s problems which we are seeing were not caused by people. Unfortunately, they were caused by the leaders themselves, because they are not listening to the people’s voice. Whenever I went to very important meetings and summits, whenever I could talk to the leaders, I said: When your constitutional term comes to the end, please, do not try to change the constitution, please, do not cling to power. This has been my consistent message.

Um dos pesares e decepções que tive nos meus dez anos como secretário-geral foi ter visto alguns líderes sem comprometimento com os princípios democráticos tentando se manter no poder contra a vontade das pessoas. É importante que os líderes ouçam atentamente a voz, as expectativas e os desafios das pessoas. Mas quando você cala essas vozes por anos, isso causa indignação, e essas indignações, quando não tratadas adequadamente, tornam-se manifestações, resistência e até violência por parte do povo.

Boa parte dos problemas mundiais que estamos presenciando não foram causados pelas pessoas. Infelizmente, eles foram causados pelos próprios líderes, uma vez que eles não ouvem a voz do povo. Sempre que estive em reuniões e cúpulas de grande importância, sempre que pude conversar com os líderes, eu lhes dizia: Quando o seu mandato constitucional chegar ao fim, por favor, não tente mudar a constituição, por favor, não se mantenha no poder. Esta foi a minha mensagem mais consistente.

Lute pela dignidade dos refugiados e imigrantes: sem xenofobia, sem discriminação!

SG Interview with Dag Hammarskjöld Journalism Fellows

Secretário-geral da ONU Ban Ki-moon respondendo as perguntas do colaborador da Global Voices Abdulfattoh Shafiev. Foto cedida e publicada com permissão das Nações Unidas.

O mandato de Ban termina em 31 de dezembro, quando ele será formalmente substituído pelo novo secretário-geral da ONU, o ex- primeiro-ministro de Portugal Antonio Guterres, eleito em outubro. O líder da ONU disse a Global Voices em 11 de novembro que ele achava que Guterres seria o homem ideal para formular a resposta da organização ao desafio dos refugiados e da imigração que vem estampando as manchetes nos últimos anos.

O autor desta matéria vem do Tajiquistão, um país onde mais de um milhão de cidadãos são forçados a procurar trabalho na Rússia por razões econômicas. A falta de proteção aos imigrantes já levou a incontáveis tragédias, impactando milhões de famílias no mundo todo, enquanto que poíticos como Trump e os partidos nacionalistas emergentes da Europa continuam a usá-los como bucha de canhão política.

Ban disse a Global Voices que acredita que a ONU tem um papel crucial em assegurar a dignidade humana de imigrantes e de refugiados:

My successor Antonio Guterres served for ten years as UN High Commissioner for Refugees. So you will find him most experienced, most able and most committed in addressing migrants’ and refugees’ issues. We have 65 million refugees and migrants at this time. This is the most number of refugees since World War II. Without going into any specific cases, we are deeply concerned about the trend of discriminating against and abusing the human rights of migrants and refugees who had to leave their homes because of persecution, danger, and threats to their lives, as well as for hopes of a better future and better opportunities. No discrimination, no xenophobia, and no mistreatment of refugees – this is a fundamental principle of human rights.

O meu sucessor António Guterres foi alto comissionário das Nações Unidas para os Refugiados. Isso faz dele o mais experiente, preparado e envolvido em questões relacionadas aos imigrantes e aos refugiados. Temos 65 milhões de refugiados e imigrantes atualmente. Esse é o maior número desde a 2ª Guerra Mundial. Sem abordar questões específicas, estamos profundamente preocupados com a corrente de discriminação e desrespeito aos direitos humanos de imigrantes e de refugiados que tiveram de abandonar seus lares por conta de perseguições, riscos e ameaças a suas vidas para buscar um futuro melhor e novas oportunidades. Sem discriminação, sem xenofobia, e sem maus tratos aos refugiados – este é um princípio básico dos direitos humanos.

Acesso à água: “Uma preocupação crescente da humanidade”

Um dos últimos obstáculos enfrentados em várias regiões do mundo, inclusive na terra natal do autor deste artigo na Ásia Central, é o uso e o gerenciamento de recursos hídricos cada vez mais escasos. O Tajiquistão, uma nação relativamente rica em reservas hídricas na Ásia Central, vem demonstrando mais temor em relação a questões hídricas da região na Assembleia Geral da ONU.

A Global Voices perguntou a Peter Thomson, na véspera de sua participação na Cúpula da Água em Budapeste, realizada entre os dias 28 e 30 de novembro, como ele via o futuro da política hídrica global.

That is precisely why I’m going to be at the Water Summit in Budapest. Hungary, Tajikistan, Finland and a couple of others have been really instrumental in driving progress towards Sustainable Development Goal Six (ensuring availability and sustainable management of water and sanitation for all). I recognise that the politics of fresh water is going to be big part of the 21st century and it’s important to understand that everything in the world is about sharing and inclusivity. I know that Tajikistan is very responsible in this area and this is one of reasons why it takes the lead in SDG 6 matters — because it has such a stake in the game.

There are big problems in Central Asia with sources of water. Glaciers are melting at a frightening rate and along with the weakening Indian monsoon, this has implications for future water supplies in the region. These are all things we are going to be discussing in Budapest. But I do think the world is starting to wake up to the fact that the problems Central Asia is facing are going to be problems experienced around the world. That is why I have called for a meeting in Budapest outside the summit where we will talk about what we can practically do on SDG 6 in terms of [cooperation on] water politics, which will be a growing concern for humanity as climate change kicks in around the globe.

Esta é a principal razão da minha presença na Cúpula da Água em Budapeste. A Hungria, o Tajiquistão, a Finlândia e algumas outras nações foram fundamentais no progresso do Objetivo 6 de Desenvolvimento Sustentável (garantir disponibilidade e manejo sustentável da água e saneamento para todos). Eu reconheço que as políticas de água potável serão muito importantes no século XXI, e devemos compreender que tudo no mundo está ligado ao compartilhamento e à inclusão. Eu sei que o Tajiquistão é bem responsável nesse sentido, e esse é um dos motivos para o país estar à frente das questões do ODS 6, por conta da sua importância nesse quesito.

Há problemas muito sérios com as reservas hídricas na Ásia Central. As geleiras estão derretendo com uma rapidez assustadora, unindo isso ao abrandamento dos monções na Índia, há implicações para as futuras reservas hídricas da região. Todas essas questões serão discutidas em Budapeste. Contudo, eu acho que o mundo está começando a ficar consciente de que os problemas enfrentados na Ásia Central serão de importância mundial. É por isso que eu convoquei uma reunião em Budapeste fora da Cúpula para discutirmos sobre o que podemos fazer em relação ao ODS 6 em termos de cooperação em prol de políticas hídricas, que serão uma preocupação para a humanidade com a mudança climática ganhando força em todo o planeta.

O autor é profundamente grato à reconhecida ex-correspondente da Reuters que está atualmente no Huffington Post ONU Sra. Evelyn Leopold, juntamente com sua equipe da Fundação Dag Hammarskjold de jornalistas, assim como à Associação de Correspondentes das Nações Unidas pela assistência ao organizar reuniões oficiais e não oficiais com o secretário-geral da ONU Ban Ki-moon e com o presidente da Assembleia Geral da ONU Peter Thomson. 

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