Guiné-Bissau: Limites Constitucionais na Segunda Volta das Presidenciais

A primeira volta das eleições presidenciais na Guiné Bissau, antecipadas para 18 de Março devido ao falecimento do anterior presidente, Malam Bacai Sanhá, no início de 2012, poderá ter decorrido com irregularidades, que põem em causa a realização da segunda volta, prevista para 22 de Abril.

Entre os contestatários está Kumba Ialá, ex-Presidente, e líder do principal partido da oposição, o PRS (Partido da Renovação Social) [en], que obteve 23,36% dos votos, e que pede “anulação do escrutínio e a consequente realização de um novo recenseamento de raiz dos eleitores”, recusando-se a disputar a segunda volta com Carlos Gomes Júnior, Primeiro Ministro, e candidato pelo histórico PAIGC (Partido Africano para a Independência da Guiné e Cabo Verde), que conseguiu 48,97% dos votos.

Assembleia de Voto. Foto de Helena Ferro de Gouveia no Facebook

Assembleia de Voto. Foto de Helena Ferro de Gouveia no Facebook

Um comunicado entregue por cinco dos candidatos aponta “‘listas eleitorais ocultas’, falsos cartões de eleitor, votação duplicada, lugares de voto fictícios e deslocação ilegal de eleitores e material”, conforme noticiou o Público.

Sónia Ferreira, do blog Forte Apache, complementa:

Serifo Nhamadjo [15,75%], Henrique Rosa [5,4%], Serifo Baldé [0,46%] , Afonso Té [1,38%] e Kumba Ialá, alegam ter ocorrido fraude generalizada e actos de corrupção durante as eleições.

Cerca de metade dos guineenses inscritos nos cadernos eleitorais não votaram nas eleições presidenciais, no que constitui a mais alta taxa de abstenção, cerca de 45 por cento,  alguma vez vista nas eleições na Guiné-Bissau.

Apesar de poucas horas depois do fecho das urnas o antigo chefe dos serviços secretos, Coronel Samba Djaló ter sido assassinado (aparentemente sem qualquer ligação ao processo eleitoral), as presidenciais foram elogiadas tanto pelos guineenses como pela comunidade internacional por terem decorrido “de forma ordeira e tranquila”.

Assim as descreve a jornalista portuguesa Helena Ferro de Gouveia, nascida na Guiné Bissau e ali regressada para a cobertura das eleições ao serviço da Deustsche Welle. No seu blog, Domadora de Camaleões, explica ainda a “grande embrulhada” em volta da apuração e apresentação do resultado eleitoral:

À medida que iam sendo contados os votos, contagem manual note-se, a informação ia sendo transmitida de forma informal, quer a candidatos, quer a jornalistas, quer a observadores. Na véspera do anúncio dos resultados preliminares, Carlos Gomes Júnior liderava com maioria absoluta, segundo o “boca a boca”. Isto explica a tomada de posição de Kumba Ialá (e de outros quatro candidatos, Henrique Rosa, Serifo Nhamadjo, Serifo Balde e Afonso Té), que acabaria por passar à segunda volta, de “recusar todos os resultados” e pedir a anulação das eleições.

Só que na quarta-feira de manhã [21 de Março], com o apuramento dos votos em falta, Gomes Júnior falharia por uma margem escassa (obteve 49 por cento de votos) a vitória à primeira volta e o controverso Kumba Ialá (23 por cento) como segundo candidato mais votado deveria disputar uma segunda volta. Acontece que Kumba não quer, alegando fraude na primeira volta do escrutínio, e agora procura-se uma solução para o imbróglio.

Imbróglio” constitucional

O artigo 64 da Constituição da República da Guiné Bissau, define que o Presidente da República deve ser eleito por maioria absoluta, e se numa primeira volta “nenhum dos candidatos obtiver a maioria absoluta, haverá lugar, no prazo de 21 dias, a um novo escrutínio, ao qual só se poderão apresentar os dois concorrentes mais votados.”

Eleições Presidenciais Antecipadas 2012. Segunda volta Carlos Gomes Jr. vs. Koumba Yalá. Montagem do blog Ditadura do Consenso

Eleições Presidenciais Antecipadas 2012. Segunda volta Carlos Gomes Jr. vs. Koumba Yalá. Montagem do blog Ditadura do Consenso (usada com permissão)

A recusa de Ialá em participar na segunda volta destas eleições presidenciais abre portanto lugar ao escrutínio de Abril com um único candidato, Carlos Gomes Junior. Citando o jurista guineense Juliano Fernandes, antigo Procurador-Geral da Guiné-Bissau e actual professor de Direito na Faculdade de Direito de Bissau, Helena Ferro de Gouveia acrescenta:

Neste caso, o candidato terá de se sujeitar à votação para confirmar ou não a eleição, salientou.”Sendo essa a interpretação, no caso de desistência do outro candidato, o outro (o mais votado) concorre sozinho, ainda que se possa questionar a legitimidade democrática por se ter concorrido sozinho”.

Fernando Casimiro faz uma longa análise no seu blog, Didinho, sobre a Constituição e a Lei Eleitoral, chamando a atenção sobre “alguns aspectos de importância primordial antes de se pretender dar por concluído um processo, cujo desfecho pode ser moroso”:

O primeiro aspecto a considerar será necessariamente a resposta às reivindicações de um grupo constituído por cinco candidatos (incluindo o segundo mais votado) formalmente apresentadas à Comissão Nacional de Eleições.

O segundo aspecto é, por via do primeiro, o pronunciamento da Comissão Nacional de Eleições sobre as reivindicações apresentadas pelos cinco candidatos contestatários.

Satisfeita ou não as reivindicações, pode haver publicação ou não dos resultados oficiais finais, com a marcação ou adiamento da data da realização da segunda volta.

O adiamento deve ser considerado porque em caso de insatisfação quanto às suas reivindicações e por direito, o grupo de candidatos contestatários pode avançar com a reivindicação para o Supremo Tribunal de Justiça que deverá pronunciar-se sobre o assunto. Tempo a correr, tempo a passar…

Só depois do pronunciamento do Supremo Tribunal de Justiça quanto às reivindicações apresentadas pelo grupo dos cinco candidatos contestatários é que a Comissão Nacional de Eleições poderá anunciar os resultados finais oficiais.

Se depois disso, esgotando-se o processo reivindicativo, com o pedido de anulação do escrutínio feito pelos contestatários, o segundo candidato mais votado decidir formalmente pela desistência ou pela recusa em participar na segunda volta, deve ter-se em atenção a interpretação em relação a desistência e recusa ou rejeição… em função dos motivos, das razões evocadas pelo candidato em questão.

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