Crónicas de amor e sexo em Angola

Rosie Alves é uma jovem blogueira angolana a viver em Luanda. No seu blog “Sweet Cliché“, escreve crónicas que habitualmente versam sobre o amor e encontros íntimos. (O Blogger avisa os visitantes que o conteúdo do blog é para adultos). Eis um excerto do seu post recente mais popular, “Matei o meu amor“:

Foi naquela noite fria e chuvosa, na entrada de casa. Com apenas um golpe no coração, cruel e sem dó, matei o meu amor. Matei aquele que me causava prazer e dor. Senti ele a morrer. Ele sangrava, aquele pedaço vermelho perdia a cor na medida que o sangue escorria…

Foi frio, cauteloso, vi ele decair-se lentamente e, um mar de sangue se formava. Tudo parecia girar. Pensei nos bons momentos que passamos juntos, nos grandes prazeres que ele me proporcionou, e não tardou, veio a imagem do dia em que ele me traiu, a rodar na minha cabeça. A senhora que passava às pressas com um saco plástico na cabeça para se abrigar da chuva, não pareceu se importar com o que vira.

Com apenas 21 anos de idade, Rosie ocupa um lugar único naquilo que ela considera ser uma blogosfera angolana em crescimento – apesar de ser mais famosa fora do que dentro do seu país. Recentemente entrevistamo-la – através de uma ligação 3G instável – para ficarmos a saber mais.

A Rosie mantém um blog há três anos e tem conseguido cativar bastantes seguidores online, apesar da sua biografia no Twitter (@rosie_alves), que diz "Não me sigam, estou perdida"

A Rosie mantém um blog há três anos e tem conseguido cativar bastantes seguidores online, apesar da sua biografia no Twitter (@rosie_alves) que diz “Não me sigam, estou perdida”.

GV: Como descreverias o género da tua escrita?

Gosto de escrever crónicas narrativas – aquela que às vezes é composta só de diálogos. Aproxima-se muito do conto. É mais comprometida com fatos do cotidiano, isto é, fatos banais, comuns. Também não dispenso uma boa crónica de humor ou a do estilo filosófico – reflexiva. Gosto sempre de variar e explorar mais campos.

GV: Quando começaste a blogar? Porque escreves?

Decidi começar a blogar em 2010.
 Escrever acalma-me. Sempre que escrevo, sinto que tirei um peso das costas. Da língua (lol). Para mim, é a melhor terapia.

GV: Escreves bastante sobre o amor, intimidade e sexo. Como é que a sociedade angolana lida com estes assuntos? São tabu? Existe literatura erótica em Angola?

A sociedade angolana é bastante conservadora no que toca a estes temas. (Explica o facto de depois da Espanha, Angola ser o pais que menos visita o meu blog) Existe muito tabu em Angola. Antigamente, de acordo aos acontecimentos passados, poderíamos dizer que era por uma questão de conservadorismo. Agora com todas essas transformações na nossa sociedade, não vejo motivos para tabus. 
Que eu saiba aqui em Angola não existe literatura erótica (pelo menos publicada ou divulgada). O mais próximo disso que eu li foi na obra da poetisa Paula Tavares ‘Ritos de passagem'
. Costumo ouvir pessoas a dizer que a sociedade angolana ainda não está preparada para esse tipo de assunto. É verdade, não está. Pelo andar da carruagem nunca estará…

GV: Podes dizer-nos como é ser uma jovem mulher em Luanda?

Não tem sido fácil, aqui existe muito preconceito e desrespeito pela mulher. Principalmente se esta for emancipada.
 Ainda somos estereotipadas em bastantes aspectos.

GV: Conta-nos uma memória da tua infância.

Aos quatro anos, tinha tanta vontade de ler um livro de estórias que o meu pai ofereceu que ele, levou-me a um explicador onde aprendi a ler e escrever antes de entrar para escola primária. Lá ia todos os dias, com a minha mochila nas costas. Até agora foram os momentos mais bonitos que já vivi.

GV: Como descreverias a tua geração em Angola?

A minha geração é sobrevivente de grandes mudanças.
 É uma geração capaz, cheia de sonhadores e de gente com bastante potencial. Pena que poucos conheçam o seu.  Por outro lado, somos muito competitivos, não conseguimos enxergar os que estão ao redor e nos juntarmos para lutar na mesma causa. Poucos sabem o significado das palavras união e solidariedade.
 Temos mais acesso a informação, e ainda assim agimos como se vivêssemos na era das cavernas.

Em Angola, usa-se uma frase de “jovem que não Festeja não é jovem”. A juventude de hoje em dia só quer saber de de festas.

GV: Enquadras-te num contexto “blogosférico” mais amplo em Angola?

Sim, acho. Tenho colegas online, a blogosfera angolana cresce a cada dia. Criou-se um grupo no facebook “Blogueiros Angolanos“, servimos uns dos outros para encorajar e divulgar o nosso trabalho. onde conversamos, trocamos ideias, experiência. E não só, também tenho colegas em outros países do mundo.

Imagem do Instagram sweetclichee

Imagem do Instagram sweetclichee.

GV: Fala-nos do teu processo de escrita. Quais os teus maiores desafios?

É um processo, é bastante relativo, geralmente, tenho a ideia para um texto, pego o telemóvel, começo a escrever e em menos de duas horas está pronto. Às vezes fico duas semanas a tentar desenvolver um texto, e chega até a frustrar-me. Um dos meus grandes desafios senão o único, é fazer o leitor se encontrar naquilo que escrevi, e posso dizer que tenho conseguido de acordo ao feedback que tenho recebido.

GV: Quem são os teus leitores, sabes dizer? Como é que as pessoas reagem ao que escreves?

Posso dizer que é lido por muita gente. Com muita gente, quero dizer: todas as faixas etárias, nos mais variados países, É estranho, mas segundo estatísticas do blog, um dos países que mais visita o meu blog é o USA. Há quem já me disse que vai ao Google Tradutor. A maioria parabeniza, dá dicas e muita força. Claro que sempre há quem não gosta ou interpreta mal, já cheguei até a ser interpelada por alguém me dizendo para ter cuidado com o que escrevo.

GV: Quais as tuas aspirações para o futuro?

Sou uma pessoa cheia de sonhos, e se começar a enumerar aqui as minhas aspirações não termino hoje. (risos), mas uma delas, e bem especial, é ser cronista em um jornal ou revista. Seria fantástico.

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