Correspondência entre Arundhati Roy e Shahidul Alam compartilha resiliência e esperança

Shahidul Alam (esquerda) e Arundhati Roy (direita). Imagem do Flickr de Christopher Michel e UCL News. CC BY e CC BY-NC-ND.

No dia 14 de novembro de 2018, um dia antes do Dia Internacional do Escritor Encarcerado, a autora indiana Arundhati Roy escreveu uma carta ao premiado fotojornalista de Bangladesh Shahidul Alam, que completava 100 dias de encarceramento. Shahidul Alam foi logo libertado, sob fiança, e respondeu com outra carta a Roy. Ambas foram publicadas como correspondências abertas e desde então têm sido amplamente divulgadas. Numerosos meios de comunicação as incluíram em suas seções de opinião sobre coberturas de notícias.

Eminente fotógrafo, ativista social e professor de Bangladesh, Shahidul Alam foi abordado por aproximadamente 20 policiais em sua casa, na cidade de Dhaka, por volta das 10h da manhã do dia 5 de agosto de 2018, pouco depois da transmissão de sua entrevista à Al Jazeera. No dia seguinte, ele foi acusado pela seção 57 da lei de tecnologia da informação de Bangladesh por fazer comentários considerados “provocativos” contra o governo do país. Os comentários eram sobre o protesto estudantil pela segurança no trânsito, que durou de 29 de julho a 9 de agosto. Seus advogados apresentaram uma petição em 28 de agosto, mas tiveram seu pedido negado algumas vezes. Uma longa batalha judicial se seguiu, enquanto seus partidários em todo o mundo exigiam sua libertação.

Passaram-se cem dias desde que o premiado fotojornalista Shahidul Alam foi preso sem um mandado. Um grupo de escritores e ativistas do sul da Ásia pedem ao Sheikh Hasina e ao governo de Bangladesh para libertá-lo imediatamente: https: //t.co/2KMHhKPDrw

— Ramachandra Guha (@Ram_Guha) 13 de novembro de 2018

Depois da carta de Arundhati, 34 proeminentes cidadãos sul-asiáticos, incluindo escritores, historiadores e atores, assinaram uma carta endereçada ao primeiro-ministro Sheikh Hasina pedindo a libertação incondicional de Shahidul Alam.

A prisão também provocou indignação entre os partidários, que organizaram numerosos protestos, atos em solidariedade e campanhas on-line exigindo que a justiça seja cumprida. A praça Shahbag, em Dhaka, encheu-se de pessoas com cartazes durante o ato público intitulado “Que a democracia seja livre”, realizado no dia 9 de setembro, em protesto contra a prisão de Shahidul.

“Deixe a democracia ser livre”. Um protesto inovador na Praça Shahbag, em Dhaka, exigindo a libertação de Shahidul Alam. Imagem de Pranabesh Das, usada sob permissão.

Arundhati Roy mencionou na carta sua profunda preocupação com Shahidul, temendo o pior após os canais de notícias transmitirem pela primeira vez os detalhes de sua prisão. Ela também expressou sua forte desaprovação e revolta em relação às leis de tecnologia e informação do país. Arundhati escreveu:

Section 57 potentially criminalizes all forms of speech except blatant sycophancy. It is an attack not on intellectuals but on intelligence itself.

A Seção 57 criminaliza potencialmente todas as formas de expressão, exceto a bajulação descarada. Não é um ataque aos intelectuais, mas à própria inteligência.

Depois de passar meses na prisão, Shahidul foi libertado em 20 de novembro de 2018, cinco dias depois que a Suprema Corte concedeu-lhe fiança permanente. Embora as acusações contra Shahidul ainda estejam tramitando, ele não pode ser preso sem uma ordem judicial.

Foto icônica do fotojornalista e ativista de direitos humanos Shahidul Alam, compartilhada pela campanha #FreeShahidul. Ele finalmente conseguiu sair sob fiança hoje, depois de mais de 100 dias na prisão, acusado de espalhar propaganda política. Shahidul Alam foi preso depois de postar comentários no Facebook sobre protestos em Dhaka. pic.twitter.com/tgg87ODf

— Poppy McPherson (@poppymcp) 15 de novembro de 2018

Shahidul escreveu em sua carta a Arundhati que, apesar dos tremendos esforços que foram feitos para impedir sua libertação, a vitória ainda estava do seu lado. “… saímos de mãos dadas e cantando do portão da prisão”, escreveu Shahidul.

Em sua resposta, Shahidul Alam destacou que o que fez a carta de Arundhati especial foi que, ao contrário de outras cartas enviadas ao primeiro-ministro pedindo sua liberdade, essa havia sido dirigido a ele em particular.

Ele ainda descreveu seu encontro com pessoas diferentes, emoções causadas por viver longe do conforto de sua casa, seu peixe dourado, sua esposa Rahnuma e sua experiência na rotina da prisão. Além disso, comentou sobre o luto coletivo, legados e lutas que ele e Roy compartilham.

Assim como Arundhati concluiu sua carta ansiando por testemunhar dias melhores, Shahidul respondeu-lhe afirmando a mudança, com muita esperança:

But yes, Arundhati, the tide will turn, and the nameless, faceless people will rise. They will rise as they did in 1971. We will have secularism. We will have democracy. We will have social equality. We will win back this land.

Mas sim, Arundhati, a maré vai virar, e as pessoas sem nome e sem rosto se levantarão. Eles se levantarão como fizeram em 1971. Teremos laicismo. Teremos democracia. Teremos igualdade social. Vamos reconquistar esta terra.

Apoiadores do mundo inteiro compartilharam e retuitaram as cartas, um símbolo da amizade entre Shahidul e Arundhati e apreciação mútua de seus trabalhos.

Amal Nassar, representante permanente do ICC da FIDH, tuitou:

“A maré vai virar, e as pessoas sem nome e sem rosto se levantarão. Elas se levantarão contra todo o aparato estatal”.
Uma linda carta de Shahidul Alam para
Arundhati Roy com reflexões sobre seu tempo na prisão, de onde foi libertado em novembro de 2018.  https://t.co/CK4UPhoeuJ

— Amal Nassar (@AmalNassar_) 12 de janeiro de 2019

Arabindu Deb Burma de Tripura, na Índia, tuitou:

A vida de Tripuris na Índia não é diferente da vida em Bangladesh. Estamos na mesma situação, suprimidos e oprimidos, ainda que vivamos em um país supostamente democrático. https://t.co/HomevSFUVD

— arabindudebburma (@arabindu) 12 de janeiro de 2019

A poetisa bangladeshiana-americana, Thahitun Marium, disse:

Eu realmente gostei dessa troca de cartas, especialmente do trecho em que ele escreve sobre pessoas que conheceu na prisão e que o fazem lembrar de personagens do livro de Arundhati. Shahidul tem uma linda alma.

— Thahitun Mariam (@thahitun) 9 de janeiro de 2019

A ativista australiana Tasneem Chopra tuitou:

Isso me levou às lágrimas. Completamente cru. https://t.co/6v979nyO9Y

— Tasneem Chopra (@TasChop) 13 de janeiro de 2019

À medida que mais e mais jornalistas de Bangladesh se autocensuram por medo da repressão, as palavras de Shahidul devem encorajá-los ainda mais a continuar:

The case against Shahidul still hangs over my head and the threat of bail being withdrawn is the threat they hope will silence my tongue, my pen, and my camera. But the ink in our pens still runs.

O caso contra Shahidul ainda paira sobre minha cabeça e a ameaça da liberdade sob fiança ser retirada é uma ameaça que eles esperam que silencie minha língua, minha caneta e minha câmera. Mas a tinta em nossas canetas ainda funciona.

 

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Revisado por Nina Jacomini

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