Como uma cientista se tornou símbolo de resistência ao sexismo no Quirguistão

Captura de tela do vídeo do vídeo do YouTube “Asel Sartbaeva Discusses Thermally Stable Vaccines”, upload feito por X, a fábrica moonshot, em 8 de janeiro de 2015.

Quando um grande empresário incendeia as redes sociais do Quirguistão proclamando que a liderança feminina é uma “bobagem” e igualando o feminismo ao “terrorrismo”, foi a vez de uma cientista da Ásia Central rebater à altura.

A bioquímica Asel Sartbaeva e a Universidade Britânica de Bath ganharam a categoria de biotecnologia na cerimônia de premiação IChemE Global, realizada em Birmingham, no dia 2 de novembro, o que deleitou os conterrâneos do seu país.

De acordo com o IChemE, o projeto de biotecnologia da universidade de Bath liderado por Sartbaeva “utiliza sílica para evitar que as vacinas estraguem, reduzindo a necessidade de equipamentos de armazenamento a frio.”

No vídeo abaixo, Sartbaeva conta como ficou interessada em desenvolver uma tecnologia que, como disse o IChemE “pode continuar a salvar milhões de vidas” ao manter vacinas seguras em locais independentes.

After the birth of my daughter I took her to the doctor to be vaccinated. The doctor took the vaccine out of the fridge and was going to administer it. And I naively thought he was going to warm it up. But he said, “No, no, no, because if we warm it up it would denature.”

And I thought, OK, I know nothing about vaccines, so I started searching and found out that vaccines need to be stored in refrigerators all the time. That is when I thought I can maybe use silicon to cage them so they don't unfold.

Eu levei minha filha ao médico para ser vacinada logo após seu nascimento. O médico tirou a vacina do refrigerador para aplicá-la. Na minha inocência, pensei que ele ia aquecê-la, mas ele me disse: “Não. Se a vacina for aquecida, vai ficar desnaturada.”

E eu pensei OK, não sei nada sobre vacinas. Então, comecei a pesquisar e descobri que elas precisam ser armazenadas em refrigeradores o tempo todo. Foi então que pensei que talvez poderia usar sílica para revesti-las, de modo que não se degradassem.

“Feminismo é como terrorismo.”

A notícia do prêmio veio a público alguns dias depois de Babur Tolbayev, o fundador de uma das instituições de microcrédito mais bem-sucedidas do país, causar controvérsias ao comparar feminismo a “terrorismo” e proclamar a ideia de que a liderança feminina é uma “bobagem.”

Numa entrevista para um programa local, Tolbayev, cuja empresa Mol Bulak faz empréstimos de dinheiro na Rússia e no Quirguistão, disse:

Многие женщины хотят быть супербизнесвумэн, лидерами — это все хрень, извиняюсь. Феминизм — это терроризм, это та же форма радикализма

Muitas mulheres querem ser executivas e líderes. Me desculpem, mas isso é uma bobagem. Feminismo é terrorismo. É uma forma de radicalismo.

Captura de tela do vídeo do vídeo do YouTube “Asel Sartbaeva Discusses Thermally Stable Vaccines”, upload feito por X, a fábrica moonshot em 8 de janeiro de 2015. Sartbaeva com sua filha.

Um grande hipócrita?

Como observou a jornalista Bermet Talant kyzy em um blog, estas são declarações estranhas vindas de um homem cujo negócio contempla muitas mulheres com cargos de chefia e de alguém que fornece inúmeros empréstimos para uma carteira de clientes majoritariamente feminina, incluindo start-ups.

Talant kyzy conclui que Tolbayev foi um “grande hipócrita”, apesar de se autonomear filantropo:

Все женщины, очевидно, делятся для Тольбаева на две категории: те, кто его обслуживает, как его жена, и те, за счет которых он наращивает свое богатство, как сотрудницы его компании и клиентки.

Ao que tudo indica, de acordo com Tolbayev, as mulheres são enquadradas em duas categorias: as que o servem, como sua esposa; e as que aumentam a sua riqueza, como suas funcionárias e clientes.

Os links para a entrevista concedida por Tolbayev circularam nas mídias sociais durante dias.

Em um post do Facebook, a escritora de livros infantis Altyn Kapalova o acusou de incompreender o feminismo e nomeou um personagem de suas histórias, que ainda pode aparecer em um de seus livros, “homenageando” Tolbayev:

В стотысячный раз повторяю:
Феминизм – это не поклонение каким-то взглядам, феминизм – это простые адекватные действия в реальности, которые не ограничивают женщину, но и не привилегируют ее. #корольразбросанныхносков

Pela centésima vez, eu repito:

Feminismo não é adesão a algum tipo de opinião. Feminismo são ações práticas simples e normais que não diminuem nem favorecem as mulheres. #OReidasMeiasDescartadas

Captura de tela do vídeo do vídeo do YouTube “Asel Sartbaeva Discusses Thermally Stable Vaccines”, upload feito por X, a fábrica moonshot em 8 de janeiro de 2015.

Asel Kubanysh, especialista em educação argumenta:

Понимаю, когда-то мужчины были добытчиками. Когда нужно было уметь убивать животного, бегать с копьем на руках и тд. Но с того времени, столько воды утекло как говорится…

Сегодня, не надо кормить женщину. Так и так видим, на примере трудовых мигрантов, как женщина кормит целые семьи…. И это, заметьте, женщина делает практически в наихудших условиях… в дали от детей, без никаких соцпакетов и тд. А теперь представьте, каких успехов достигла бы женщина имей она поддержку мужа, семьи и государства.

Entendo que, por um determinado momento, os homens foram caçadores-coletores, andavam em grupos e tudo o mais. Porém, muitas coisas aconteceram desde então. Hoje em dia, as mulheres não precisam mais ser alimentadas pelos homens. Isso acontece com os trabalhadores imigrantes do Quirguistão. Nesse contexto, as mulheres imigrantes alimentam toda a família, o que foi alcançado nas piores situações possíveis. Imaginem o quanto as mulheres conseguiriam atingir caso fossem apoiadas por seus maridos, por suas suas famílias e pelo estado.

MP Elvira Surabaldieva esbravejou no Twitter:

Nem me surpreendo! Babur Tolbayev é o típico representante dos círculos empresariais do Quirguistão, para os quais a mulher é secundária.

-— Elvira Surabaldieva (@ElviraSur) 31 de outubro de 2017

Em seguida, Tolbayev tentou se explicar. Reconheceu que a comparação entre feminismo e terrorismo foi um “exagero” e defendeu “a implementação de uma política de gênero justa” que permita a homens e mulheres buscarem seus objetivos pessoais e profissionais de maneira igualitária.

De qualquer maneira, ele argumentou que as mulheres são “a base da família”, justificando seus comentários durante a entrevista no sentido de que, para as mulheres, uma família “é melhor do que um MBA” e que as mulheres deveriam tentar “ter o maior números de filhos possível” antes dos 35-40 anos de idade.

De maneira compreensível, algumas pessoas foram convencidas pela retratação:

Após uma explosão absurdamente sexista, o chefe do banco KG responde da mesma forma, porém se parafraseando.

-DeirdreTynan (@DeirdreTynan) 1 de novembro de 2017

No entanto, apenas alguns dias após as notícias do prêmio de Asel Sartbaeva, as mulheres do Quirguistão celebraram um exemplo de liderança única, bem como tiveram uma desculpa para provocar Tolobayev nas mídias sociais:

A postagem de Rimma Sultanova (na esquerda) diz “Mulheres na ciência” e se dirige a Tolbayev. A postagem de Umetai Davluetayeva (na direita) diz, “Pega essa, patriarca!! Uma cientista está salvando vidas enquanto você fica aí fazendo julgamentos sobre qual é o melhor jeito de juntar suas meias sujas!”

O post de Altyn Kapalova (esquerda) diz: “Que notícias boas! Tô andando por aí com o maior orgulho como se eu mesma tivesse desenvolvido essa tecnologia! Provavelmente, isso é um pesadelo para o Rei das meias descartadas.”

Para mais informações sobre a história da Dra. Sartbaeva em direção à vanguarda da ciência internacional, leia esta entrevista  no site da Sociedade Real de Química.

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