Como a China está reagindo à queda de seu velho amigo, Robert Mugabe, do Zimbábue?

Chinese president Xi Jinping welcomed Zimbabwe President Mugabe's visit in August 2014. Photo from Xinhua.

O presidente chinês Xi Junping dando boas-vindas ao presidente do Zimbábue, Robert Mugabe, durante uma visitar em agosto de 2014. Foto da agência de notícias do Estado Chinês Xinhua.

Enquanto forças políticas e militares no Zimbábue se empenhavam em por fim ao interminável mandato do presidente Robert Mugabe, os chineses acompanhavam de perto o processo de remoção desse homem que muitos consideram um ditador.

Mugabe (93 anos) governou o Zimbábue por mais de trinta anos, da independência do regime colonial britânico até os dias de hoje. Quando a maioria dos países ocidentais começaram a impor sanções ao Zimbábue devido à política de expropriação de terras e abusos de direitos humanos no começo dos anos 2000, a China interveio e se tornou a mais importante aliada do presidente africano.

Com o passar dos anos, as relações entre o Zimbábue e a China se intensificaram mediante empréstimos, visitas diplomáticas e projetos de construção e investimentos. Entre 2010 e 2015, a China concedeu ao Zimbábue mais de US$ 1 bilhão em fundos emprestáveis.

Esse apoio financeiro levou o partido da oposição do Zimbábue a acusar Beijing de ajudar Mugabe a roubar bilhões do país por meio do comércio ilícito de diamantes. E, de fato, a economia do Zimbábue vem se deteriorando sob o regime desse presidente, e a corrupção é um problema sério. No início de novembro, Mugabe exonerou seu vice, Emmerson Mnangagwa, no intuído de aparentemente colocar sua própria esposa para assumir a presidência.

A situação culminou em 15 de novembro de 2017, quando os militares tomaram controle do país. Dezenas de milhares de zimbabuanos saíram às suas da capital Harare para comemorar e gritar bordões contra o governo como “Mugabe precisa ir embora” e “Não para a dinastia Mugabe”. A Frente Patriótica da União Nacional Africana do Zimbábue removeu o então presidente da liderança do partido em exercício, colocou Mnangagwa no cargo, e ameaçou mover um processo de impeachment contra Mugabe caso ele não renunciasse à presidência.

Contudo, Mugabe havia se recusado a renunciar até o dia 21 de novembro.

“Um amigo assim não era confiável”

Um número considerável de meios de comunicações internacionais especurlaram o envolvimento da China no golpe, pois a ação militar aconteceu apenas três dias depois de o comandante do exército do Zimbábue, Constantino Chiwenga, retornar de uma visita à China.

Muitos chineses repetiram a mesma teoria no Weibo, uma das redes sociais mais populares da China:

政变的总司令刚从中国回去,一回去就政变,自己想吧

O cabeça do golpe acabou de voltar da China, e tudo aconteceu logo depois do seu retorno, tire suas próprias conclusões

老朋友已经老了,成天听枕边风吹。枕边风总说中国坏话。前两年老朋友还说他们国家经济不好都是中国的缘故呢。这样的老朋友让人寒心啊。还是石家庄某学院的新学生更让人放心。

O velho amigo ficou velho demais e facilmente influenciável por sua mulher. Sua mulher fez muitas observações negativas sobre a China. Há apenas dois anos, esse velho amigo chegou a dizer que a economia pobre do país era graças a China. Um amigo assim não era confiável. Os novos se formaram no Colégio Militar de Shijianzhuang.

O Zimbábue mandava seus oficiais das Forças Armadas à China para treinarem desde a década de 1960 e, segundo dizem, o ex-vice presidente Mnangagwa também foi treinado pelo Exército de Libertação Popular da China.

“Uma versão africana da repressão ao Bando dos Quatro”

Além da possível influência chinesa sobre o golpe, muitos internautas viram semelhanças entre a situação em Zimbábue e um certo período da própria história da China — a prisão do “Bando dos Quatro” pelos militares em 6 de outubro de 1976, um mês depois da morte do ex-chefe de Estado, Mao Zedong.

A principal integrante do Bando era a última esposa de Mao, Jiang Qing. O comentário abaixo é um dos mais populares do Weibo:

这次事件,基本上可以断定是一次非洲版的“粉碎四人帮”事件

Este incidente é basicamente uma versão africana da repressão sobre o Bando dos Quatro.

Assim como Maio Zedong era considerado um pai fundador da República Popular da China, Mugabe era visto como um grande líder que desempenhou um papel central na libertação de Zimbábue do regime colonial inglês.

Mesmo diante dos prejuízos acarretados à economia do país e dos abusos contra os direitos humanos que vinham ocorrendo no governo Mugabe, ele foi nomeado presidente da União Africana em 2015.

“A vida em um país não-democrático é como uma prisão”

Muitos comentários no Twitter dizem que a queda de Mugabe representa o poder do povo. Por exemplo, @twiqiang08 escreveu:

As pessoas em Zimbábue destruíram um enorme retrato de Mugabe, seu antigo “grande líder, grande capitão, grande professor e sol vermelho”. Comentário: Quando as pessoas acordarem, toda “grandiosidade” vai desaparecer e o ditador será relegado à lixeira da história.

A expressão “grande líder, grande capitão, grande professor e sol vermelho” era usada para descrever Mao Zedong. Recentemente, meios de comunicações associados ao Estado Chinês começaram a chamar o presidente Xi Jinping de “grande líder” depois do 19º Congresso Nacional do PCC, e recentemente usaram mais de quinze mil vocábulos chineses para explicar por que “Xi é o incomparável timoneiro que conduzirá a China rumo a este grande sonho”.

No Weibo, um usuário estava cético com o eufemismo “poder do povo”, uma vez que os ditadores são, antes de mais nada, constantemente legitimados pelo “povo”:

看来全世界皆然,所谓人民,只知道欢呼。穆加贝被他们欢呼上台,视为救世主,把他们都搞成万亿富翁,人均寿命从60多岁降到30多岁,现在终于倒台了,又来欢呼。

O chamado “povo” são apenas torcidas organizadas e as pessoas no mundo são as mesmas. Quando Mugabe chegou ao poder, elas vibraram e o consideraram um salvador. No final, ele as tornou bilionárias (por causa da desvalorização da moeda), mas suas expectativas de vida foram reduzidas de 60 para 30 anos. [Segundo relatório do Banco Mundial, a expectativa de vida no Zimbábue despencou de 62 anos em meados de 1980 para 40 anos em 2002 e 2003. Nos anos mais recentes, essa cifra subiu para 59]. Agora que [Mugabe] caiu, as pessoas estão vibrando de novo.

Não obstante, o usuário do Twitter @huangmeijuan ponderou que as multidões alvoraçadas são forçadas a apoiar ditadores, porque não há espaço para dissidência:

Hoje, bordões como “Mugabe precisa ir embora”, “O povo não necessita de um grande líder” tomaram as ruas do Zimbábue. Agora que o grande líder se foi, o país não se afundou em caos nem em beligerância. A polícia responsável pela repressão de manifestações no passado fugiu, ninguém apareceu. A vida em um país não-democrático é como uma prisão e o grande líder não passa do guarda dessa prisão.

Na China, membros da oposição se mostraram ansiosos no Twitter para saber qual líder autoritário seria o próximo a cair. @BaiqiaoCh disse:

Outro ditador infame caiu. Com 93 anos, Mugabe foi forçado a renunciar em meio a um golpe em Zimbábue. Ele mantém estreitas relações com o Partido Comunista da China e até mesmo foi premiado com o Prêmio Confúcio da Paz, em 2015.  Qual [ditador] será o próximo a renunciar diante de um golpe. Kim, o gordinho norte-coreano, ou Xi Pãozinho da Coreia Ocidental (vulgo China)? Tô doido pra ver isso acontecer!

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