Cinquenta e cinco anos após cortar laços com o Reino Unido, Trinidad e Tobago está independente ou “em dependência”?

Imagem de um selo postal mostrando o Hotel Hilton Trinidad e um retrato da rainha Elisabete II, juntamente com o ano de 1962, em que Trinidad e Tobago ficou independente do domínio britânico. Foto de Mark Morgan, CC BY 2.0.

Em 31 de agosto de 2017, Trinidad e Tobago Celebrou seu 55º aniversário de independência do Reino Unido. As redes sociais estavam cheias das mensagens comemorativas de sempre, mas tinha também comentários sobre o significado do evento.

Dependência ou independência?

O dia tinha mal tinha começado quando um internauta começou a compartilhar no Facebook “uma breve análise sobre o estado de nossa independência”:

Outside of a few sporting and artistic achievements, some internationally recognized local cuisines, some good rum of course, a handful of beauty pageant titles, and a couple of regionally powerful privately owned conglomerates, the slap in the face reality is that after 55 years of independence, this nation has little else it can boast of achieving on an international scale that was not imported, built by or managed by foreigners [who] returned to reclaim everything our independence was meant to give us. […]

They now again own, manage and control every major aspect of our lives, our finance, economy and future, so I really don’t know what 55 years of independence achieved.

Tirando poucos progressos artísticos e esportivos, algumas comidas típicas internacionalmente conhecidas, um bom rum (claro!), um punhado de títulos em concursos de beleza e uns tantos grupos empresariais privados, a realidade nua e crua é que depois de 55 anos de independência, esta nação conseguiu pouca coisa que não tenha sido importada, construída ou administrada por estrangeiros [que] voltaram para reivindicar tudo aquilo que nossa independência deveria ter-nos dado. (…)

Eles agora novamente possuem, administram e controlam todos os aspectos importantes de nossas vidas, nossos recursos, economia e futuro, de modo que eu não sei o que 55 anos de independência nos trouxe de fato.

A internauta Tyehimba Salandy manifestou preocupações similares em um post no Facebook:

Myths of In Dependence: Eric Williams [Trinidad and Tobago's first prime minister] is not the father of the nation […] the national coat of arms glorifies Christopher Columbus, genocide and colonialism. Can we really celebrate and feel happy about all of this? In the words of Ramon Grosfoguel: ‘One of the most powerful myths of the twentieth century was the notion that the elimination of colonial administrations amounted to decolonisation of the world. The heterogeneous and multiple global structures put in place over a period of 450 years did not evaporate with the juridical-political decolonisation of the periphery over the past 50 years.’ Of course, we can still celebrate those who worked hard towards better, and contributed their blood, sweat and tears for this nation. Unfortunately much of them remains faceless, nameless, unknown or forgotten.

Mitos da ‘em-dependência': Eric Williams (Primeiro Ministro de Trinidad e Tobago) Não é o pai da nação (…) o Brasão Nacional glorifica Cristóvão Colombo, o genocídio e o colonialismo. Podemos realmente comemorar e sentir felicidade com tudo isso? Nas palavras de Ramon Grosfoguel: ‘Um dos mitos mais poderosos do século XXI foi a noção de que a eliminação das administrações coloniais resultaria na descolonização do mundo. As múltiplas e heterogêneas estruturas globais em funcionamento por cerca de 450 anos não evaporaram com a descolonização jurídico-política da periferia ocorrida nos últimos 50 anos.’ É claro que podemos ainda comemorar o feito daqueles que trabalharam arduamente por algo melhor e deram seu sangue, suor e lágrimas para esta nação. Infelizmente muitos deles continuam sem rosto, sem nome, desconhecidos e esquecidos.

Enquanto muitos internautas frisaram que o país tem desafios, outros procuraram se animar com os vários aspectos dignos de comemoração. Kathryn Stollmeyer-Wight compartilhou as reflexões de uma aimga sua, Stephanie Garcia-Plummer:

Yuh go to NAPA [National Academy of the Performing Arts] to hear the young people […] play pan and yuh feel like yuh went to heaven without even bothering to die. […] Yuh go to the bank and see faces of every kind and colour. Yuh know a single mother who took in ironing for a living and her son is now a ‘big pappy lawyer’. You and your friends volunteer in various organizations and yuh don't sleep well at first because yuh can't help all the children and yuh want to take some home with you. Yes you are very aware that there many problems. High crime situation, inept politicians, ineffective policing, terrible roads inefficient health care ad nauseum ad infinitum. We know we are a third world country. We do need to hold our politicians accountable. […] Become more responsible citizens in every walk of life. Hopefully all is not lost. […]

Let us endeavor to do better, use our resources wisely, make good use of the many dozens of NGOs operating on this little island. What have you done lately to help? If you are not part of the solution you may be part of the problem.

Happy and safe independence to all.

Tu vai para o NAPA (Academia Nacional de Artes Performáticas) ouvir o pessoal jovem (…) tocar ‘panela’ e se sente como se tu estivesse indo para o céu sem nem ao menos ter morrido. (…) Tu vai no banco e vê rosto de tudo que é tipo. Tu conhece uma mãe solteira que ganhou a vida passando roupa e agora seu filho é um ‘homem da lei’. Tu e teus amigos viram voluntários em várias organizações e tu não consegue dormir logo que deita, porque tu não pode ajudar todas as crianças e fica com vontade de levar algumas para casa contigo. Sim, você está bem ciente de que existem muitos problemas. Casos de alta criminalidade, políticos corruptos, policiamento ineficaz, estradas terríveis, saúde ineficiente ad nauseam ad infinitum. Sabemos que somos um país de terceiro mundo. Nós precisamos responsabilizar nossos políticos com urgência. (…) Nos tornar cidadãos mais responsáveis em cada momento de nossas vidas. Tomara que tudo não esteja perdido. (…)

Vamos nos esforçar para fazer as coisas melhor, usar nossos recursos de modo inteligente, fazer um bom uso das muitas dezenas de ONGs que atuam nesta pequena ilha. O que você tem feito recentemente para ajudar? Se você não faz parte da solução, você faz parte do problema.

Um feliz Dia da Independência, com segurança, para todos!

Corey Gilkes escreveu para o site local Wired868 e também participou da discussão:

You, the Independence Generation and the children and grandchildren you sired—including me—are you happy with how things turned out?

I’ll rephrase: Yuh own up yet to the shit yuh do? Have you acknowledged yet that the more you’ve tried to bend up this country like a kurma trying to fit it into Western colonial notions of modernity, the deeper we’ve sunk into the faecal pool the British (un)consciously left behind? […]

The root of many of our problems is a near religious refusal to believe we can do better, deserve better and can accomplish things bigger, older countries may want to emulate. Forget foreign recognition and validation, we’ve got that over and over; it made no difference.

Learned self-contempt is exactly that, learned! It is acquired, installed through a system of schooling and churching informed by deeply racist, pseudo-scientific ideas and clever divide-and-rule measures an elite minority needed to keep in place.

Harsh words, you might think, but truths which must be spoken.

Vocês, a geração da Independência juntamente com seus filhos e netos ‒ incluso eu ‒ vocês estão contentes com as coisas do jeito que ficaram?

Vou reformular a frase: Vocês admitem a merda que fizeram? Vocês já reconheceram que quanto mais vocês tentaram forçar este país a se adequar às noções de modernidade do colonialismo ocidental, mais nos afundamos no poço fecal que os ingleses (in)conscientemente deixaram para trás? (…)

A raiz de muitos dos nossos problemas é uma recusa quase religiosa em acreditar que nós podemos fazer algo melhor, que merecemos algo melhor e que podemos realizar coisas maiores do que aquilo que os países mais antigos podem querer emular. Esqueçam reconhecimento estrangeiro e validação, isso nós tivemos repetidas vezes; não fez diferença alguma.

Autodesprezo ensinado é exatamente o que a palavra diz: ensinado” É adquirido, instalado por meio de um sistema de ensino e religião influenciado por ideias altamente racistas, pseudocientíficas e medidas hábeis de dominação mediante o caos interno, artifícios estes que uma elite minoritária precisava manter em constante andamento.

Duras palavras, vocês poderiam pensar, mas são verdades que precisam ser ditas.

Como Garcia-Plummer, contudo, Corey Gilkes também acreditava que havia uma esperança:

We have almost all the models we need right here; we have most of the solutions that will move us up to a different level. It’s all there in the heads of our grandparents who could barely read or write; it’s there in the civilisations that our ancestors came from which we have been taught to scorn.

What we lack is the self-confidence to tap into it…

Temos quase todos os modelos que precisamos bem aqui. Temos a maioria das soluções que vão nos levar a um patamar melhor. Está tudo lá nas mentes dos nossos avós que mal podiam ler e escrever; está lá nas civilizações das quais nossos ancestrais vieram, civilizações que fomos ensinados a desprezar.

O que nos falta é autoconfiança para acessá-las…

Queima de fogos do Dia da Independência (Port of Spain, Trinidad). Foto de C*POP e enviada por Georgia Popplewell, CC BY-NC-ND 2.0.

Nesse contexto, muitos internautas postaram no Facebook que estavam horrorizados com a escolha da música de fundo usada na cobertura da queima de fogos do Dia da Independência feita pela emissora nacional. Peter Samuel ponderou:

55 YEARS of INDEPENDENCE and they could not find anything local to play… SMDH…. Big FAT steupsss.

55 anos de independência e eles não puderam achar nada local para tocar… Aff… Um grande steupsss para isso.

Um “steups” é uma som que os trinitários-tobagenses fazem ao puxar ar pelos dentes, normalmente para expressar incômodo ou reprovação.

Política de divisão

É curioso como um evento, que em condições normais uniria as duas dissidências políticas, acabou causando mais alienação no momento em que uma notícia afirmou que pelo segundo ano consecutivo, o líder da oposição, Kamla Persad-Bissessar, e outros membros da bancada oposicionista não participaram do desfile do Dia da Independência.

Hyacinth Bovell commentou no Facebook:

Thought that this was a NATIONAL CELEBRATION.

Pensei que fosse uma COMEMORAÇÃO NACIONAL.

Rhoda Bharath foi menos diplomática:

Atualização do status do Facebook público de Rhoda Bharath, onde se lê: “Então a oposição de fato escapou das comemorações de Independência? Sério? Em 2017? Feliz 55º aniversário, Trinidad e Tobago.”

Apesar de tudo, imagens de unidade social ainda são compartilhadas, em especial as da fotógrafa Maria Nunes, que, com frequência, registram eventos nacionais e festivais:

Banda de Panelas na Tragarete Road, organizada por Newtown Playboyz para o Dia da Indepêndência. Foto de Maria Nunes, publicada com permissão.

Imagem do dia da apresentação da Banda de Panelas de Newtown Playboyz, no Dia da Independência. Foto de Maria Nunes, publicada com permissão.

Outras perspectivas

O 55º aniversário foi observado através de muitas ângulos diferentes. Com um estilo único, muitos injetaram humor na coisa toda, graças a um meme que mostra uma foto clássica do Dr. Eric Williams, um dos articuladores da independência de Trinidad e Tobago e o primeiro ministro a assumir o cargo, com membros da banda The Beatles. Mas, nesta versão, aparece mediante montagem a figura de Cedric Burke, um “suposto criminoso” cuja presença no juramento de posse do ministro de governo ocorrido recentemente gerou tumulto nas redes sociais, resultando na revogação da nomeação ministerial.

Meme amplamente compartilhado nas redes sociais. Na legenda se lê:“Dr. Eric Williams de boas com os beatles John Lennon e Ringo Starr. (Foto de um filme de 1966)”

Rhoda Bharath, que compartilhou o meme no Twitter, comentou:

Eric nunca deveria ter dado independência pra vocês!
Quem. Fez. Isso?!

“Trinidad e Tobago ficou indpendente do Reino Unido em 1962, e escolheu o Guará-vermelho como o símbolo de Trinidad e o Ortalis Ruficauda como o de Tobago. Ambas as espécies estão representadas no Brasão Nacional.” Foto de um guará-vermelho, por Len Blumin, CC BY-NC-ND 2.0.

Numa publicação do site Wired868, Salaah Inniss chama a atenção para a situação do pássaro nacional de Trinidad e Tobago, o Guará-vermelho, que embora seja uma espécie protegida, vem sendo caçado ilegalmente.

Como estamos diante do aniversário de 55 anos de Independência, acho que é apropriado perguntar se o orgulho nacional, bem como nossa bandeira, só servem para serem exibidos e propagados quando estamos desfilando cheios de popa no cenário internacional. O orgulho nacional não é algo que deveríamos demonstrar todos os dias, em tudo o que dizemos e fazemos sem exceção?

Uma professora aposentada, Patricia Worrell, lamentou a falta de conhecimento local pela geração mais jovem:

Just had the ‘pleasure’ of listening to interviews with some young Trini people who were clearly clueless about basic facts about Trinidad and Tobago.
And I was getting more and more angry with them, and disgusted at their basic ignorance about their own country, until I remembered:
These young men and women have all passed through the education system in T&T, which obviously allows our citizens to experience both primary and secondary education, and to emerge with all the bloom of their ignorance about their country upon them.

Acabo de ter o ‘prazer’ de ouvir entrevistas com alguns jovens trinitários totalmente sem noção sobre coisas básicas de Trinidad e Tobago.
E eu estava tomando cada vez mais raiva deles e nojo de sua total ignorância sobre seu próprio país, até que eu me lembrei:
Todos esses rapazes e moças passaram pelo sistema educacional em Trinidad e Tobago, que de fato disponibiliza a nossos cidadãos tanto o ensino fundamental quanto o médio, fazendo-os emergir com toda uma aura de ignorância sobre seu país.

Mas como sempre ocorre nessas ilhas irmãs, a esperança tem a última palavra. O criminologista Renee Cummings comentou em um post público no Facebook:

I remain hopeful that one day soon our collective behaviour as a nation will catch up to the holidays we celebrate. We began the month with Emancipation Day and we end it with Independence Day. How powerful is that! Happy 55 beautiful T&T!

Eu continuo tendo esperança de que em breve nosso comportamento coletivo como nação estará à altura das datas comemorativas que festejamos. Começamos o mês com o Dia da Emancipação e terminamos com o Dia da Independência. Como isso é poderoso! Feliz 55 anos, bela Trinidad e Tobago!

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