Cheias no Brasil: Blogueiros formam redes de solidariedade

Já são três meses de chuvas intermitentes Santa Catarina e agora mais de 79 mil pessoas estão desabrigadas ou desalojadas, e 110 morreram. Dentro de uma população de 5,9 milhões, 1,5 milhões de pessoas foram afetadas direta ou indiretamente pelas cheias. São doze cidades em estado de emergência. A expectativa é de mais chuvas para a semana que vem, o que não apenas atrapalha as operações de socorro e resgate em áreas afetadas pelas enchentes, como também põe em risco a estrutura de distribuição de medicamentos e alimentos.

Foto tirada em Itajaí em 24 de novembro pelo usuário do flickr magrufloriano e postada no grupo do flickr SOS Santa Catarina, cujo objetivo é promover e divulgar campanhas de ajuda. Veja o álbum da cobertura dele.

Essa não é a primeira enchente em Santa Catarina, mas é o primeiro desastre grave no Brasil na era da Internet. Alexandre Gonçalves diz que isso não faz com que a chuva páre, mas pelo dessa vez existem sites de redes sociais e blogues servindo para prover informações em tempo real e como um ‘disque-ajuda’ para assistir pessoas afetadas pela tragédia. Ele explica:

Primeiro, porque aumentaram as opções para a população suprir sua necessidade por informação. Em outros tempos, dados oficiais da Defesa Civil, só pelo rádio ou pela TV. Agora, é só acessar o site e conferir os boletins mais recentes. Também fica mais fácil acompanhar o noticiário, sem esperar pelo plantão na TV nem pelo jornal do dia seguinte. E segundo, como era de esperar, muitos internautas se mobilizaram para prestar serviço, trocar informações, expressar opiniões, publicar vídeos e fotos sobre a tragédia (veja, por exemplo, o resultado de uma busca por “enchente, chuva, santa catarina” no BlogSearch). Em Blumenau, cidade mais atingida pelas enchentes, onde rádios e TVs tiveram cortes de energia e ficaram fora do ar, um grupo de blogueiros se reuniu num blog coletivo para publicar notícias sobre os estragos na cidade. Os blogueiros e outros moradores de Blumenau também passaram a postar sobre a situação no Twitter – veja o que já foi publicado. Foi lá que vi o link para o vídeo abaixo, que mostra desmoronamento na rua Hermann Huscher.

(Vídeo pela usuária do YouTube carolanton)

O blogue coletivo mencionado acima é o Notícias de Blumenau, também chamado de Alles Blau, criado por uma dúzia de blogueiros em 24 de novembro. Além de divulgar boletins, ajudar a localizar pessoas desaparecidas e divulgar informações sobre donativos necessários em vários abrigos, o blogue está também vendendo camisetas para levantar fundos:

Buscamos parceiros para produzir essas peças gratuitamente ou a preço de custo, para reverter a receita líquida em doações para a Defesa Civil de Santa Catarina.

Guilherme Valadares do Papo de Homem acaba de criar um meme solidário. Cada blogueiro deve doar R$ 100,00, publicar uma imagem do comprovante bancário e lincar três outros blogues, que por sua vez devem fazer o meme também. É assim que funciona:

1. Fez seu post, doa R$100 – deixa de ser mão de vaca, é R$100 mesmo, imagina se fosse você que tivesse perdido tudo. Se o seu amigo for universitário quebrado e chorão, aí sim deixa doar R$50. Só não deixa ficar de fora.
2. Chama mais 3. Se eles fizerem corpo mole, pode chamar os caras de imbecis. Todo mundo tem grana pro bar, pra balada, pra comprar porcaria. Não adianta vir com papo de biba.
3. Linka o Alles Blau, que vai catalogar todos os participantes.
Conta para Doação
Banco do Brasil
Agência: 3582-3
Conta Corrente: 80.000-7
Fundo Estadual da Defesa Civil para Doações

Ao todo, e não apenas da parte de blogueiros, o estado já recebeu mais de R$ 3,5 milhões em doações. Domingos Secco, que andava perguntando sobre mobilizações da blogosfera, entra na corrente do bem e diz que R$ 100,00 vale mais que mil palavras:

Tem horas que a saída é botar a mão no bolso e ajudar as pessoas que precisam. Falar, orientar, criticar, rezar, tudo isso fica em segundo plano, pois milhares de pessoas precisam de suporte material. Para quem está à distância, como eu, a única força de ajudar a tantos irmãos é fazendo uma doação monetária. Sim, existem outras formas como envio de alimentos prontos, roupas, material de construção, etc. Realmente a situação é crítica.

Jornalismo Cidadão 3 X 0 Imprensa Tradicional

As mobilizações para ajudar as vítimas do desastre em Santa Catarina começaram com o Twitter no sábado 22 de novembro, com residentes locais providenciando informações por conta própria sobre o que acontecia nos arredores. Voluntários e vítimas usaram o canal #blumenau para uma troca frenética de mensagens e para saber das últimas notícias. Guilherme Felitti discorre no Digital Age 2.0 sobre como a ferramenta foi bem explorada nas recentes tragédias no Brasil e também na Índia, e como ela serviu de um canal direto de informações em ambos os casos, com produção de conteúdo em tempo real por parte daqueles afetados pela tragédia, ao contrário de um repórter que chega atrasado na cena e não vê de perto a comoção:

Enquanto a mídia local se organizava na cobertura, o Twitter demonstrava os principais problemas enfrentados pelos moradores pelo excesso de água acumulado em avenidas da cidade. Não demorou muito até que viessem os relatos mais contundentes, sejam em vídeos publicados no YouTube de barrancos desabando (maior causa de mortes, diz a Defesa Civil do Estado) seja em fotos publicadas no Flickr das ruas completamente tomadas pela lama (as que ilustram esse post, por exemplo). Blogs, sejam criados apenas para cobrir a tragédia, como o ótimo AllesBlau (”tudo bem”, em alemão), focado em publicar histórias de residentes e agregar conteúdos amadores encontrados por serviços colaborativos, ou tradicionais, entraram na roda com o principal propósito de espalhar informações sobre a situação da região como forma de sensibilização da opinião pública.

Blog do Kalel critica a cobertura da grande imprensa (que primeiro demorou para divulgar o problema ou não deu a ele a importância devida, para depois sensacionalizar a notícia) e destaca o trabalho de outros blogueiros que noticiam os acontecimentos de forma correta e rápida, livre de sensacionalismo. Ele diz que esses cidadão estão, na verdade, mudando a forma como se faz jornalismo no Brasil:

O blog Poracaso, sediado em Jaraguá do Sul, uma das cidades mais atingidas em Santa Catarina, além de produzir uma cobertura mais intensa do que a das redes oficiais de TV, iniciou uma campanha de solidariedade e conseguiu em poucas horas, durante o dia de ontem, mobilizar dezenas de voluntários. Os cidadãos-repórteres também ajudam autoridades a avaliar o risco de pontes e outros locais atingidos pelas águas. Câmaras portáteis e aparelhos celulares permitem fazer imagens de qualidade suficiente para publicação na internet, mas alguns moradores conseguem produzir vídeos com qualidade para transmissão pela TV, oferecendo alternativas interessantes e variadas para os editores. Em alguns casos, as imagens só podem ser captadas por quem mora ou estava passando pelo local, pois todo o Sul do Brasil tinha até ontem várias comunidades isoladas pelas enchentes. Se a chamada grande imprensa relutou até aqui em assumir oficialmente uma relação de parceria com seus leitores e telespectadores, a tecnologia e os acontecimentos acabam de produzir uma mudança radical no modo de fazer jornalismo.

Carlos Castilho do Observatório da Imprensa delineia as principais diferenças da cobertura de uma imprensa tradicional menos ágil e a cobertura que vai diretamente ao ponto, feita pelos veículos de mídia cidadã:

Os deslizes e escorregões de repórteres durante coberturas de grandes tragédias são inevitáveis, dada a tensão e a emoção envolvidas no trabalho dos jornalistas. Mas os erros servem também para mostrar o tipo de cultura e de valores que orienta o comportamento dos repórteres e apresentadores. É nesta questão que fica claríssima a diferença de enfoques entre os profissionais da mídia convencional e os blogs produzidos por amadores e free lancers. Enquanto os primeiros estavam preocupados com a sua apresentação, ou seja, na imagem projetada para o público, os blogueiros estavam mergulhados na tarefa de prestar serviços aos atingidos por aquela que já é considerada a pior enchente de Blumenau, uma cidade periodicamente afetada por inundações do rio Itajaí-Açu.

Há também o Blog dos Desabrigados que conta com um sistema de busca onde as pessoas podem descobrir onde parente e amigos estão alojados; a rede de suporte voluntário da Arca de Noé para onde as pessoas podem enviar fotos, vídeos e deixar seus testemunhos sobre a situação. O designer Rodrigo Muller contribui com o pôster abaixo, que tem ilustrados muitas postagens blogues afora:


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