Brasil: Sobre autoriterrorismo e vigilância online

Mais de 60 blogueiros participaram da blogagem política contra censura nesse sábado, a maioria deles escrevendo especialmente sobre os novos 13 ciber-crimes propostos para o Brasil. O projeto foi encaminhado à Câmara de Deputados, onde um pedido para que o assunto fosse tratado com urgência foi feito na semana passada, deixando blogueiros em estado de alerta. Se esse pedido for aprovado, a proposta pode entrar na pauta da sessão plenária a qualquer momento, como alerta o sociólogo Sérgio Amadeu:

A pressa de Azeredo é para evitar a análise das consequências do seu projeto. Sem dúvida, os artigos 285-A, 285-B e 22 atendem aos interesses da MPAA, da RIAA e das companhias de TV fechada. Atacam milhões de internautas e querem barrar as práticas de compartilhamento de arquivos, principalmente pelas redes P2P.

Alguns blogueiros ficaram mais otimistas com as alterações feitas na proposta. Têmis, do Doutora Responde, um blogue que objetiva responder às dúvidas dos leitores sobre o direito de uma forma simples, tenta desmistificar os 13 ciber-crimes. Ela conclui que, depois das alterações, a lei poderia ser aprovada sem problemas, a menos que a Câmara de Deputados decida não aprovar as mudanças propostas:

O usuário da internet que não rouba senhas, que não invade redes, que não quebra redes para acessar conteúdo protegido e fazer cópias não autorizadas, que não acessa e divulga conteúdo de pedofilia, enfim, a grande maioria, pode ficar tranquila quanto a aprovação do projeto de lei DE CONFORMIDADE COM O ATUAL SUBSTITUTIVO.

Entretanto isso, segundo outros blogeiros, a situação é, de fato, motivo para preocupação. Alexandre Oliva, membro do conselho da Fundação Software Livre América Latina, diz em seu blogue em inglês que estamos lidando com um “terrível projeto de autoriterrorismo e vigilância online” aprovado pelo Senado sob a pretenção de combater a pedofilia. Em um artigo chamado Autoriterrorismo e vigilância, do jeitinho brasileiro, a fundação embasa seu ponto de vista:

Ele ainda estabelece pena de prisão para atividades tão amplas como acesso não autorizado a sistemas e redes computacionais e dados neles armazenados. Apesar de ser justificado e promovido por bancos no sentido de impedir criminosos de obter, vender ou destruir informação através de fraude ou exploração de vulnerabilidades, está formulado de maneira tão ambígua que pode ser facilmente abusado por fornecedores de equipamento eletrônico (computadores como servidores, desktops, laptops, consoles de jogos, telefones celulares, câmeras digitais, reprodutores e gravadores de áudio e/ou vídeo, etc) e de informação codificada digitalmente (texto, áudio, vídeo, software, etc). Abusos podem variar desde ameaças jurídicas até pena de prisão para pessoas que desbloqueiem consoles de jogos ou telefones celulares para instalar software não aprovado pelo fornecedor; que contornem defeitos deliberados em reprodutores ou gravadores de áudio e/ou vídeo para ganhar acesso a suas próprias músicas e filmes neles armazenados; que usem obras cobertas por direito autoral de formas que não infringem direito autoral, mas que autoriterroristas gostariam de proibir.

André Lemos, coordenador do núcleo de cibercultura da Universidade Federal da Bahia e professor visitante das universidades canadenses de Alberta e McGill, acrescenta que a lei muda pouca coisa para criminosos, mas fará uma grande diferença para usuários regulares da internet, que não saberão se estão fazendo algo errado ou não e se sentirão sob vigilância 24 horas por dia:

Por exemplo, se eu disseminar um vírus sem saber, poderei ser preso? posso trocar arquivos entre meus pares mesmo em redes P2P (minhas fotos, minhas músicas, meus arquivos de textos) sem pedir autorização prévia? Como os provedores vão interpretar essas trocas? Posso copiar uma parte do texto de um blog e colar no meu? Ou seja, ela cria um sentimento de insegurança e de medo generalizado. Isso bloqueia a imaginação e a criatividade.

O advogado e sociólogo Ariel Foina, que atua na área de Direito Penal Eletrônico e pesquisa fenômenos sociais na Internet, analisa a proposta ponto por ponto em uma postagem bem abrangente e diz que os artigos, da maneira ambigua como foram escritos, podem levar a interpretações perigosas:

na verdade os relatores do PL no Senado afirmam que a idéia aqui não era criminalizar a transmissão de Mp3 ou outros arquivos protegidos por direitos autorais por meio da Internet sem a devida autorização… sinceramente, só me lembro dos marcianos em Marte Ataca dizendo “Nos viemos em paz!” com a rizadinha característica no fundo. […] Além do mais, o texto do artigo é excessivamente genérico o que é “dado”, meu endereço de e-mail é um dado? meu número de cpf seria um dado? um trecho de uma reportagem não deixa de ser um dado… um resultado de uma pesquisa, um percentual de um infográfico qualquer é um dado… divulgar isso, “transferindo-o” seria crime! Um eventual estado autoritário (não que o nosso seja) poderia usar isso como forma de perseguir jornalistas que conseguissem informações não públicas e as publicassem… pessoalmente acho o conceito de “dado” algo abstrato de mais para estar escrito numa Lei… Leis são feitas para serem interpretadas, para dar “segurança jurídica” à toda a sociedade… que segurança se tem quando a letra da lei permite leituras amplamente distintas?

Blogueiros e internetautas exigem pelo menos o debate que há muito se espera, e talvez até a anulação total do projeto de lei. O abaixo-assinado eletrônico em defesa da liberdade e do progresso do conhecimento na Internet Brasileira já foi assinado por mais de 70.500 pessoas – são 20.500 assinaturas a mais desde nosso último artigo, há 3 dias. A esperança é que o mínimo de 100.000 assinaturas seja suficiente para sensibilizar a Câmara de Deputados quanto à necessidade de pisar nesse terreno com muito cuidado. E muito mais pode ser feito, como sugere Lucia Freitas:

Se você é preguiçoso, acha que não vai fazer a diferença, te conto: faz. Que tal a gente conseguir mais de 100 mil assinaturas na petição? Que tal a gente se comunicar com cada um dos deputados de nosso Estado e deixar clara a nossa posição? Que tal a gente propor a discussão de um código que permita prender ladrões (virtuais e reais), pedófilos e outros vermes e ainda por cima continuarmos em rede, sem drama?


Se o projeto de lei for aprovado na Câmara de Deputados, a decisão final vai para as mãos do Presidente da República, que ainda poderá vetá-lo.

Material em inglês

A versão em português do projeto de lei está disponível aqui, e uma tradução em inglês feita por Pablo Lorenzoni e revisada por Alexandre Oliva, membro da Fundação Software Livre América Latina, agora está disponível aqui. Veja também artigos anteriores do Global Voices Online em Maio de 2007 e Novembro de 2007).

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