Brasil: Sem perspectiva, travestis viram vítimas do tráfico de pessoas

Este post escrito por Andrea Dipp, da Agência Pública, foi originalmente publicado como reportagem de título “VOU BOMBAR PARA COBRAR MAIS NA COPA” e faz parte da cobertura especial #CopaPública sobre a Copa do Mundo 2014. O material será publicado numa série de três artigos no Global Voices Online. Esta é a segunda parte da série.

Confira o primeiro post: “Brasil: Travestis colocam silicone para atrair clientes durante a Copa”

Lívia Xerez, coordenadora Estadual do Núcleo de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas da Secretaria de Justiça e Cidadania do Estado do Ceará diz que, apesar do discurso das travestis de que fazem a viagem por vontade própria, a situação pode ser considerada sim como tráfico de pessoas. Referindo-se ao protocolo da ONU contra o Crime Organizado Transnacional, que foi ratificado pelo governo brasileiro em 2004, ela explica:

Por mais que elas não denunciem ou achem que estão indo porque querem, o protocolo de Palermo define o tráfico de pessoas como ‘o recrutamento, o transporte, a transferência, o alojamento ou o acolhimento de pessoas, recorrendo à ameaça ou uso da força ou a outras formas de coação, ao rapto, à fraude, ao engano, ao abuso de autoridade ou à situação de vulnerabilidade ou à entrega ou aceitação de pagamentos ou benefícios para obter o consentimento de uma pessoa que tenha autoridade sobre outra para fins de exploração’. Neste caso, elas seriam as vítimas e os aliciadores os criminosos.

Ainda há muito preconceito e medo por parte das próprias vítimas em denunciar os aliciadores. Livia diz:

Elas são ludibriadas com promessas de uma vida nova, por vezes luxuosa, de ganhar mais dinheiro e por isso não conseguimos chegar. Muitas também têm medo, talvez por sermos um aparelho oficial, de que serão criminalizadas, quando na verdade elas são as vítimas. Por isso ainda não conseguimos provas de que isso têm aumentado por conta da Copa, apesar de termos fortes suspeitas.

Outro fator que impulsiona o tráfico é a falta de alternativas profissionais para as travestis, explica Lídia [educadora da Barraca da Amizade]:

Nós temos uma parceria com o programa Vira Vida do SESI, que dá cursos profissionalizantes para elas mas, no fim das contas, quantas empresas contratam travestis? Nós trabalhamos com muitos garotos que nem eram travestis, eram apenas homossexuais, mas foram colocados para fora de casa e apareceu uma cafetina que ofereceu dinheiro caso eles se montassem. Para a juventude não existem políticas públicas em Fortaleza como existem para crianças e adolescentes – que ainda assim são escassas. As travestis têm o discurso da emancipação, como se a prostituição fizesse parte da própria identidade de ser travesti. Mas nem todas estariam ali se tivessem outras opções.

Projeto ViraVida SESI oferece cursos profissionalizantes para criança, adolescentes e travestis/ Vira Vida SESI/Facebook

Projeto Vira Vida do SESI é um dos parceiros da Associação Barraca da Amizade que oferece cursos profissionalizantes para travestis/ Vira Vida SESI/Facebook

Marcela [nome fictício], 22 anos, cabe no exemplo dado por Lídia. Após cursos profissionalizantes e várias tentativas de arrumar um emprego, ela acabou indo para a rua. Quando nos encontramos de manhã em um shopping do centro de São Paulo para conversar, a cearense arrastou todos os olhares masculinos para seu belo corpo, comprado através do esquema citado por Carla e Luana. “Vim para São Paulo em abril do ano passado. Paguei o silicone do corpo em três meses, coloquei mais, paguei em um mês e a prótese do peito quitei em 20 dias” orgulha-se a travesti.

Ela trabalha das dez da manhã às nove da noite com pausa para o almoço, em um cinema pornô do centro da cidade:

Chego a tirar oito mil reais por mês mas trabalho muito e não saio nem uso drogas. Todo o meu dinheiro vai para a minha mãe e para o banco porque quero comprar uma casa.

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