Brasil: O País homenageia o mestre do samba

Antes de ler esse artigo, toque a trilha sonora de samba que acompanha o post.

Se estivesse vivo, Angenor de Oliveira (1908-1980), mais conhecido como Cartola, estaria celebrando o seu centenário nesse 11 de outubro. Para resumir bastante o assunto, Cartola foi uma das mais importantes figuras do samba brasileiro, e o compositor por trás de uma das primeira escolas de samba do Rio de Janeiro. Apesar de ter tido apenas quatro anos de educação formal, Cartola compôs ou foi parceiro em mais de 500 canções, todas elas apresentando letras elaboradas mas ao mesmo tempo simples, que são profundamente amadas pelos brasileiros.

“Cartola não existiu, foi um sonho que a gente teve”, disse um dia Nelson Sargento, outro lendário compositor brasileiro. No centenário desse sonho, blogueiros fazem homenagens a ele, publicando suas canções ou poemas prediletos, citações, vídeos, fotos e pedaços da história de Cartola, uma história que inevitavelmente se confunde com a história do próprio samba.

Danton K fala sobre a infância pobre de Cartola – ele era o quarto de sete filhos – e como ela contribuiu para que ele se interessasse por música:

Angenor de Oliveira nasceu no bairro do Catete, no Rio de Janeiro, no dia 11 de outubro de 1908. Tinha oito anos quando sua família se mudou para Laranjeiras e 11 quando passou a viver no morro da Mangueira, de onde não mais se afastaria. Desde menino participou das festas de rua, tocando cavaquinho no rancho Arrepiados e nos desfiles do Dia de Reis. Passando por diversas escolas, conseguiu terminar o curso primário, mas aos 15 anos, depois da morte da mãe, deixou a família e a escola, iniciando sua vida de boêmio.

Foi lá no bairro da Mangueira que Cartola conheceu outros sambistas e a malandragem. Aos 19 anos, junto com um grupo de amigos em 1928, Cartola desempenhou um papel importante na fundação de um grupo carnavalesco que mais tarde se tornaria uma das mais amadas escolas de samba brasileiras, a Estação Primeira de Mangueira. Douglas Ceconello conta como ele combinou duas de suas paixões nesse projeto:

Cartola não apenas fundou a Estação Primeira de Mangueira como escolheu as cores e o nome. O verde e rosa, achava ele, referiam-se às tonalidades de seu querido e amado – o que naquela época devia parecer bastante paradoxal – Fluminense.

Nos bailes da Mangueira, Cartola se destacava pela elegância e bom gosto. Luis Castro [en] conta como Angenor ganhou o apelido de Cartola por causa do cuidado excessivo com sua aparência. Ele se refere ao chapéu de côco que o compositor usava quando trabalhava como pedreiro, para evitar que o cimento arruinasse seu penteado. Cartola também viveu de bicos, foi lavador de carros, pintor de parede, vigilante, garçon, dentre outros. Castro o descreve como um gênio:

Cartola was an alive proof of the God wisdom, born black, poor, had no religion, no formal education, lived his entire life over the slums (favelas) and has composed the most beautiful samba verses ever wrote and left a incredible legacy for the Brazilian people.

Cartola foi uma prova viva da sabedoria de Deus, nascido negro, pobre, não teve religião ou educação formal, viveu por toda a vida nas favelas e foi o compositor dos mais belos versos de samba já escritos, deixando um legado inacreditável para o povo brasileiro.

Murilo Gitel lembra que, como aconteceu com tantos gênios, o sambista só foi assim reconhecido depois de sua morte, em 30 de novembro de 1980. Quando ele faleceu de câncer aos 72 anos de idade, o samba tinha começado a descer dos morros das favelas para ganhar as ruas da cidade. Cartola morreu, entretanto, quase tão pobre quanto nasceu:

Curiosamente, o artista só começou a ter visibilidade nacional aos 65 anos, quando lançou o clássico LP Cartola, apesar de ter se interessado pela música desde cedo. Em 1976, Beth Carvalho grava As Rosas Não Falam e o sucesso da canção faz com que o poeta apaixonado pelo cigarro, pela cachaça e pelo violão desse um salto considerável em sua carreira. No entanto, Cartola morreu pobre, há 28 anos, numa casa doada pela Prefeitura Municipal do Rio.

Leandro Luiz Rodrigues explica que, para Cartola, música e dinheiro eram coisas que não caminhavam juntas, e que tantas de suas canções foram dadas de graça ou quase de graça a amigos:

Sempre viveu à margem da sociedade que o consumiu, só gravou o primeiro LP aos 65 anos e nunca entendeu como uma música (para ele compor era tão natural quanto qualquer necessidade fisiológica) podia ser comercializada. Vendeu suas composições sempre a preço de banana. Quantas belas músicas creditadas a outros compositores não saíram da mesma cabeça que criou “As rosas não falam”?

A jornalista Monica Ramalho, que pesquisou e escreveu extensivamente sobre Cartola, traz uma reportagem que publicou 2006, quando o seu então editor pediu um artigo mostrando uma faceta diferente do sambista. Segue abaixo um trecho da entrevista que ela fez com o filho adotivo de Cartola, Ronaldo de Oliveira, que lamenta muito não ter curtido Cartola o músico, mas que se lembra muitas das suas lições de pai:

De uma delas, em especial, o herdeiro não esquece. “Quando tinha uns 16 anos, fiquei desempregado. Cheguei para ele e falei: ‘Seu Cartola, amanhã não precisa me chamar às 6h porque eu fui mandado embora’. Ele respondeu: ‘Tá bem’, mas quando chegou no outro dia, Cartola foi lá me acordar no mesmo horário de sempre. Eu reclamei e ele disse: ‘Eu sei, meu filho, mas levanta e vai procurar um emprego. Ou então faz alguma coisa, varre o quintal, arruma o armário, sei lá, ou você vai se acostumar a levantar tarde e não vai mais procurar emprego’.

Sua música

Bruno Galera que, em outro post, comparou Cartola aos mestres do blues de Mississipi, tenta explicar o efeito que a música causa nele:

Mas outra coisa importante sobre a música dele é o que notei hoje: é impossível se acostumar. Sempre que paro para realmente prestar atenção na letra e no andamento que ele dá à declamação, acabo invariavelmente sendo obliterado por alegria e tristeza profundas. Conta-se nos dedos de uma mão quantos músicos conseguiram imprimir efeito similar à minha pessoa. Algo que posso classificar como regozijo absoluto.

Mário Chrispim segue falando do talento natural para música que ali brotou:

Embora não tivesse estudo musical teórico, Cartola possuía uma inventividade musical assombrosa. Tinha soluções harmônicas muito sofisticadas que não eram comuns no meio do samba. Além disto, era um letrista brilhante, que criava imagens poéticas fortes e originais.

Por causa disso, Elisa Queiros diz que Cartola pertence a todos os brasileiros, a todos aqueles que podem entender a beleza de letras compostas por um poeta que se queixava às rosas a perda da mulher amada, apenas para se dar conta de que as rosas tinham roubado o perfume dela:

Pela natureza de suas melodias e harmonias, simpliciade cotidiana de suas letras, Cartola toca nossos corações e se torna trilha sonora de nossas vidas, de forma que cada um se apropria dele – Cartola é de todos, é de cada um.

Discografia

  • Cartola – 1974 – Discus Marcus Pereira
  • Cartola – 1976 – Discus Marcus Pereira
  • Verde que Te Quero Rosa – 1977 – RCA-Victor
  • Cartola 70 Anos – 1978 – RCA-Victor
  • Cartola ao Vivo – 1982 – Eldorado

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