Brasil: Disputa Pelas Malvinas Abre Debate Sobre Perspectivas Econômicas

O aniversário de 30 anos da guerra que levou aos campos de batalha argentinos e britânicos pelas Ilhas Malvinas e as recentes declarações da presidente [en] argentina Cristina Kirchner fazem-nos voltar no tempo e avaliar aqueles acontecimentos sob uma nova perspectiva, e assim vislumbrar suas atuais implicações para o Brasil enquanto maior economia do Mercosul.

Nesta linha de raciocínio, o professor universitário de Relações Internacionais Gilberto Rodrigues, chama a atenção para o novo desenho geopolítico no qual a disputa pelas Malvinas insere-se agora:

Passadas três décadas, a Argentina segue reivindicando com barulho a soberania sobre as Ilhas Malvinas (“Las Malvinas son Argentinas”) e os britânicos continuam fleumáticos e impassíveis nas Ilhas Falkland. Porém, fatos novos entram em cena e estão alterando o equilíbrio de forças políticas e diplomáticas nesse embate.

Mapa histórico de Johnston (1893), partilhado por Douglas Fernandes no Flickr (CC BY 2.0)

Mapa histórico de Johnston (1893), partilhado por Douglas Fernandes no Flickr (CC BY 2.0)

De fato são novos tempos, de 1982 para cá muita coisa mudou: o Muro de Berlim caiu, levando consigo a cortina de ferro que separava capitalistas de marxistas, o mundo dividiu-se em blocos econômicos (UE, Mercosul, Nafta) e a vitória britânica na Guerra das Malvinas sedimentou a aliança do Reino Unido com os EUA, seu maior aliado.

No que se refere aos dois blocos aos quais pertencem os dois países, a União Europeia enfrenta sua maior crise desde sua criação e declarou que a disputa pelas Ilhas Malvinas é uma questão bilateral. Internamente, o Reino Unido luta para conter o descontentamento de sua população com as políticas de cortes nos gastos públicos. Politicamente, Londres esforça-se para acalmar os ânimos dos escoceses, dispostos a ir em frente com o referendo que decidirá se a Escócia vai continuar ou não a ser um dos reinos que compõem esse “reino unido”.

Já o Mercosul vive um bom momento devido principalmente ao crescimento da economia brasileira (que conforme o Global Voices reportou em finais de 2011, já ultrapassa a do Reino Unido), o que se refletiu nas trocas comerciais com os outros sócios do bloco. Foi dentro deste escopo que a Argentina conquistou o apoio dos seus vizinhos e logrou fazer com que esses países passassem a proibir a ancoragem de embarcações com bandeira das “Falklands” em seus portos, entre outras formas de boicote.

"Foram, são e serão Argentinas". Foto de Brian Allen no Flickr (CC BY 2.0)

"Foram, são e serão Argentinas". Foto de Brian Allen no Flickr (CC BY 2.0)

Em seu discurso no último encontro de cúpula do Mercosul, a presidente argentina apelou ao aspecto global da causa das Malvinas. O prático Alexandre Rocha republicou a notícia em seu blog:

“As Malvinas não são uma causa argentina, mas uma causa global, pois nas Malvinas estão tomando nosso petróleo e nossos recursos de pesca”, afirmou a presidente argentina, Cristina Kirchner, após o anúncio tomado na cúpula do Mercosul, nessa terça-feira. “Quero agradecer a todos a imensa solidariedade para com as Malvinas, e saibam que quando estão firmando algo sobre as Malvinas a favor da Argentina também o estão fazendo em defesa própria”.

Ao que parece, Cristina Kirshner contou com a importância que tem seu país dentro do bloco sul-americano, sobretudo para o Brasil, país com quem tem fortíssimos laços comerciais. Ironicamente, quando se põe em perspectiva a evolução das relações argentino-brasileiras vê-se que a Guerra das Malvinas foi a força motriz que incentivou a aproximação entre os dois países e a consequente criação do Mercosul. O doutorando em Ciência Política, Lucas Kerr de Oliveira explica:

XL Cúpula do Mercosul. Foto do Ministério das Relações Exteriores do Brasil no Flickr (CC BY-NC-SA 2.0)

XL Cúpula do Mercosul. Foto do Ministério das Relações Exteriores do Brasil no Flickr (CC BY-NC-SA 2.0)

Com o embargo europeu aos produtos argentinos, o Brasil passou a comprar grandes quantidades de carne, trigo e outros produtos produzidos por aquele país. O processo de aproximação resultou em um acordo nuclear bilateral, para fins pacíficos; passo fundamental para acabar com as desconfianças mútuas no plano político-militar. Este tratado foi seguido de uma série de tratados bilaterais no período dos Presidentes Sarney e Alfonsín, que resultaram na criação do Mercosul.

Não só o apoio do Brasil à Argentina no pós-Guerra das Malvinas gerou dividendos através do comércio, como transformou um antigo rival num forte aliado, possibilitando uma expressiva redução nos gastos com a defesa. Uma vez que os brasileiros não mais temiam uma “invasão argentina”, puderam direcionar esses recursos à região amazônica.

Já dentro do Mercosul, a aproximação deu-se também na venda de material bélico à Argentina, principalmente de aviões produzidos pela brasileira Embraer, que recentemente vieram a incluir peças argentinas, conforme aponta Michel Medeiros d'O Informante:

A Embraer Segurança e Defesa assinou nesta quarta-feira contrato de parceria com a empresa argentina FAdeA, que será responsável pela produção de spoilers –superfícies móveis de controle de sustentação na asa– e portas do trem de pouso, entre outras peças do KC-390.

O alinhamento brasileiro à posição argentina pôs um problema à estratégia do governo de David Cameron de aumentar sua presença nesse país emergente. A este respeito o blog Ronaldo-Livreiro cita uma entrevista dada por Peter Lee, especialista em temas de defesa do Kings College de Londres, para quem a recente visita do chaceler britânico William Hague ao Brasil “é uma outra face dessa estratégia”. Quanto à posição britânica a respeito das ilhas Peter Lee acredita ainda que:

Bandeira das Ilhas Falklands. Foto de Liam Quinn no Flickr (CC BY-SA 2.0)

Bandeira das Ilhas Falklands. Foto de Liam Quinn no Flickr (CC BY-SA 2.0)

[…] para que tenhamos uma mudança na posição britânica necessitaríamos uma ação econômica coordenada do Mercosul e da Unasul. Nisto o Brasil terá que fazer seu próprio cálculo de custo-benefício na relação com a Argentina, o Mercosul e o Reino Unido. Mas, ainda que houvesse uma política coordenada, não acho que teria êxito e, além disso, em nível comercial e econômico, todos perderiam. O que o Mercosul fez até agora foi a parte mais fácil porque na verdade o acordo de não permitir barcos de bandeira das Malvinas só afeta poucos barcos que também podem navegar com a bandeira inglesa, de modo que foi uma decisão mais simbólica que substantiva.

O certo é que o atual interesse pelas Malvinas segue alguns aspectos interessantes como a credibilidade nacional –pois que já houve guerras por elas–, a proximidade com a Antártida e a existência de jazidas petrolíferas. Neste sentido, argentinos, britânicos –e brasileiros– preveem um período de crescimento econômico para as ilhas com a exploração de petróleo, como indica o professor de Ciência Política, Israel Aparecido Gonçalves, no seu blog Real Política Brasileira:

[…] há uma perspectiva de forte impacto na economia local. Claro, o governo argentino está preocupado com a escassez do petróleo no mar do norte. A descoberta e exploração de petróleo na região, trará (novamente) relevância às esquecidas ilhas, que por um longo período da história só gerou gastos e produziu lã.

A integração da Argentina ao Mercosul e do Reino Unido à UE pode ter reduzido a possibilidade de um novo confronto militar, mas não o econômico. O apoio do Brasil à causa argentina mostra-se vantajoso, mas não sem riscos. Se por um lado interessa ver descartados competidores britânicos pela exploração de petróleo na costa sul-americana, o país parece ter conquistado espaço privilegiado entre os investidores do Reino Unido. Cabe agora à diplomacia brasileira estudar atentamente os próximos desdobramentos da questão, até porque esta nova etapa da disputa está apenas começando.

2 comentários

  • Kritha

    Poderia se dá a independência , das ilhas malvinas , com respaldo da Onu…Independentes elas poderiam escolher a lingua que quisessem, e comercializar com quem quizer , e a Argentina teria que obedecer a vontade do povo independente, com respaldo da Onu.Aí não seria mais uma colônia, um povo implantado nas ilhas , mas um povo independente e soberando.

  • Pakuenator

    Concordo com as malvinas independentes desde que repartice as duas ilhas entre ingleses e argentinos e o mar territorial seria justo e acabaria com esse assunto…

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