Brasil: Blogueiros brasileiros reagem à crise no Egito e no Oriente Médio

Cartoon by Carlos Latuff, under CC

Finda a crise egípcia, a blogosfera brasileira se encheu de análises, comemorações e prognósticos para o futuro. Desde o dia 25 de janeiro que o mundo acompanhava o desenrolar do conflito no Egito com grande atenção, à espera da queda de Hosni Mubarak, que finalmente chegou em 11 de fevereiro, depois de semanas de protesto e de 32 anos de governo ditatorial.

Terror não impede revolução

Georges Bourdoukan não tem dúvidas, as manifestaçõesque reuniu milhares de pessoas, quiçá milhões, em todo o Egito -, se configurou como revolução:

Um milhão de pessoas protestando já não é mais manifestação, mas revolução.
Uma revolução que não necessita utilizar armas para se fazer ouvir.

Mas a repressão aos manifestantes foi imensa, ao que Lucas Santos comentou:

Por esse número elevadíssimo de agentes de coerção interna, vê-se que o maior inimigo de Mubarak é o próprio povo egípcio.

Não só o povo egípcio como também repórteres internacionais foram alvo de repressão. Danilo Marques relatou sobre jornalistas brasileiros que foram presos e maltratados:

houve relatos de ataques a vários jornalistas, que foram agredidos, abordados, um esfaqueado e o caso dos jornalistas brasileiros, como Corban Costa da TV Brasil. “Eu passei 18 horas em uma sala escura e sem janela. Achava que ia ser executado a qualquer momento“.

O cinegrafista Gilvan Rocha foi outro brasileiro a ser preso e agredido no Egito. Os jornalistas foram vendados, presos e maltratados até serem libertados por intervenção da embaixada brasileira no Cairo.

Mirgon Kayser, do blog Jornalismo B, escreveu sobre o medo, o instrumento de dominação das ditaduras:

Sob os pontos de vista humanitário, humanista, democrático, é evidente que esse processo, embora ceifando vidas, gerando caos e tensão, trará o alvorecer de novas sociedades nesses países. Os regimes ditatoriais podem ter os mais variados formatos, mais ou menos liberdade, mais ou menos pobreza, mais ou menos violência. O único elemento de que nenhum deles prescinde é o medo. Somente através do medo, um punhado de homens pode controlar a seu bel prazer o destino de milhões. Tunisinos, egípcios e iemenitas perderam justamente aquilo que lhes tolhia, que lhes calava: o medo.

Percepções brasileiras e política internacional

Eduardo Guimarães criticou a cobertura da mídia nacional:

De repente, não mais do que de repente, os brasileiros descobriram um país chamado Egito, suas contradições e o sofrimento do seu povo, imposto por um regime ditatorial a que está submetido desde 1981, há exatos 30 anos, por obra e graça do ditador Mohamed Hosni Mubarak, quem, durante esse tempo todo, só disputou eleições consigo mesmo.

A política externa brasileira também foi criticada. O Ministério das Relações Exteriores foi acusado de se omitir e de ser brando em nota enviada à imprensa sobre a crise egípcia e a forte repressão contra o povo. Não faltaram também críticas à posição dos EUA, considerados principais culpados pela perpetuação do regime ditatorial de Hosni Mubarak, e à Israel, pelo apoio que deu ao ditador.

O profressor Ubiracy de Souza Braga, no blog Espaço Acadêmico, enumerou as razões para os protestos, analisando a situação social egípcia:

Atualmente, 80 milhões de pessoas vivem no Egito. Dois terços são jovens com menos de 30 anos – e 90% deles estão desempregados; 40% da população vivem com menos de dois dólares por dia. É o país árabe mais populoso, têm liberdades políticas limitadas e graves problemas sociais, incluindo, pobreza, desemprego, forte preconceito étnico e racial por parte dos Estados Unidos da América – EUA, alta taxa de analfabetismo, além de vários escândalos de corrupção administrativa.

Além da questão do desemprego e dos problema sociais, Francisco Bicudo apontou a falta de liberdade como outra grande razão para a convulsão social no Egito, cuja presidência foi assumida por Hosni Mubarak em outubro de 1981, quando o presidente Anwar El-Sadat foi assassinado.

Após a renuncia do ditador, a 12 de fevereiro, Leonardo Sakamoto falou da importância estratégica do país:

Tem um dos maiores exércitos profissionais da região, possui localização estratégica (entre a África e a Ásia, o Índico e o Mediterrâneo, com o canal de Suez encurtando distâncias), é – até agora – um parceiro importante de Washington, mantendo relações cordiais com Tel-Aviv.

Qual o papel dos grupos islâmicos?

Assunto muito comentado no Brasil foi a possível ascensão da Irmandade Muçulmana ao poder - e de outros grupos islâmicos no Oriente Médio em convulsão -, o que despertou certa islamofobia. A Irmandade Muçulmana é hoje o único partido de oposição a eleger representantes para o parlamento egípcio e é uma incontestável força nacional.

Hugo Albuquerque comentou, comparando a situação egípcia com a argelina, outro país a também ser influenciado pela onda revolucionária e cujo ditador, Abdelaziz Bouteflika, está no poder desde 1999:

De fato, existem grupos religiosos importantes e beligerantes como a Irmandade Muçulmana no Egito e a Frente Islâmica de Salvação na Argélia, o que é um considerável combustível de risco – e o que pode, de fato, dar um caráter diferente para eventuais derrubadas dos regimes locais. Claro, isso não esgota, de modo algum, a legitimidade das reivindicações contra os regimes de Mubarak no Egito ou de Bouteflika na Argélia, mas apenas apresentam sim um fator de risco real inerente à sua eventual (e quem sabe necessária) derrubada.

Cartoon by Carlos Latuff, under CC

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Aprender com o passado projetando o futuro

Georges Bourdoukan encontrou semelhanças entre a revolução no Egito e o fim da Ditadura Militar brasileira:

A diferença entre o nosso 64 e o 2011 dos egípcios, é que o mundo tornou-se muito pequeno e como disse aquele barbudo [Karl Marx], ainda no século 19, a história só se repete como farsa.
Dai porque precisamos ficar atentos para evitar os erros do passado e avançar cada vez mais em busca de uma sociedade mais humana e mais solidária.

Gunter Zibell aponta possíveis cenários pós-Mubarak no Egito e em toda a região:

- como a maioria dos regimes não foi eficaz no desenvolvimento social, surge potencial para oposição pelo lado fundamentalista; – a simpatia aos EEUU (e OTAN em geral) pode vir a ser decrescente. Note-se que raramente convulsões levam a sentimento pró-americano; – monarquias podem enfrentar problemas inéditos; – a inserção de Israel fica mais complexa;[…] – as repúblicas de maioria islâmica da ex-URSS (Cazaquistão, etc.) podem finalmente vir a se posicionar na região, pois também não são exemplos de prosperidade democrática; – Rússia pode encontrar caminhos para recuperar alguma influência;

Danilo Marques questiona sobre o possível espalhamento da revolta:

Dezoito dias não foram nada. A vontade da população era soberana. A queda de Mubarak era apenas questão de tempo. […] Há muitos outros tiranos a serem derrubados no Oriente Médio, na África como um todo. O exemplo de resistência egípcia deve ser entendido por nós como um passo para outro panorama mundo, não só no Oriente Médio, pois é uma resistência ao que existe de políticas conservadoras, voltadas como um capacho para uma economia imperialistas e pisoteando seus compatriotas.

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