Brasil: 5XFavela: Arte quebrando barreiras sociais e culturais

O Projeto 5X Favela, que vêm ensinando jovens moradores de favelas do Rio de Janeiro a fazer cinema, apresentou no dia 18 de maio, no conceituado festival de Cannes, seu primeiro longa metragem: “5X Favela: Agora por nós mesmos”.

O filme apresenta cinco curtas de 20 minutos, cada um feito por diferentes alunos das várias oficinas de cinema do Projeto 5X Favela realizadas com renomados cineastras brasileiros como Nelson Pereira dos Santos, Ruy Guerra, Walter Lima Jr. [en], Daniel Filho, Walter Salles [en], Fernando Meirelles, João Moreira Salles [en], dentre outros.  “5X Favela: Agora por nós mesmos” reflete a voz e ponto de vista de jovens que moram (e cresceram) nas favelas do Rio de Janeiro.

Difícil não se encantar com um projeto social e cultural deste porte, que visa não só dar conhecimento à população brasileira e internacional sobre a realidade dos moradores de favela, como também profissionalizar e dar oportunidade para jovens talentosos que trazem novas ideias para o cinema brasileiro.

Os participantes do filme passaram antes por um longo aprendizado e árdua seleção até que fosse escolhidos. Participaram oficinas de roteiro, direção, produção, fotografia, arte, edição, finalização e interpretação, 229 jovens moradores de favelas, que tiveram durante sua duração, ajuda de custo para que frequentassem as aulas. Destas oficinas, 84 jovens foram escolhidos para fazer parte da equipe técnica do filme, que resultou no “5X Favela: Agora por nós mesmos”.

Durante as filmagens (Foto cedida pela produção do filme)

Os workshops foram desenvolvidos em parceria com  organizações e comunidades das favelas cariocas e a CUFA [Central Única das Favelas] em Cidade de Deus, Nós do Morro (no Vidigal), Observatorio de Favelas (no complexo da Maré), o AfroReggae (em Parada de Lucas ) e Cidadela/Cinemaneiro (com sede na Lapa, reunindo moradores de várias  comunidades da Linha Amarela).

Publicado no blog do projeto, Professor Ruy Guerra, paraninfo da turma, deu uma emocionada declaração no encerramento das oficinas:

Para ser bem sucedido em qualquer forma de expressão artística, como no cinema, não basta a sensibilidade, a intuição e o talento. É preciso ser do seu tempo. É preciso saber de onde viemos, para saber quem somos, para falar do presente, do passado, e até do futuro, que é também um território da arte.
É indispensável termos a consciência clara que nunca estamos prontos, que devemos estar sempre de olhos abertos, bem abertos, vendo, lendo, questionando, vivendo.

(…)Antes queria que soubessem por que é que este momento é tão especial para mim. Por que este encontro, além de um ato festivo, além de um ritual de passagem, é também um gesto político importante. Este encontro, no qual todos nós somos atores, faz parte do sentimento político que os fazedores de cinema, (e aqui uso o termo cinema no sentido amplo de todas as formas de expressão que usam as imagens em movimento), podem e devem vir de todas as camadas sociais de uma nação, e não apenas de minorias previlegiadas. E que o cinema, como objeto, como filme, pode e deve estar ao alcance de qualquer um. Todos aqui, estou certo disso, estamos habitados por essa convicção.

Há algumas semanas atrás, Rodrigo Felha, um dos diretores do filme, relatou em seu blog a ansiedade e alegria da chance do filme ser exibido no festival de Cannes:

“Quinta-feira dia 15 de Abril é quebrada a ansiedade de saber se estamos no Festival de Cannes. É verdade, é histórico… das favelas cariocas pra Cannes, uma responsabilidade muito grande, do jeito que gosto. Agora é manter os pés no chão e se preparar. Ganhar o mundo não é pra qualquer um, mas é pra quem corre atrás e sabe representar uma massa de profissionais de qualidade que moram nas periferias do Rio e do Brasil. Espero estar representando bem! Vamu q vamu…”

Diretores do Filme (Cortesia da produção do filme)

O filme chegou sim a Cannes e, até onde se pode saber, vai muito bem pelas várias animadoras declarações que vem surgindo no Facebook e no Twitter sobre sua exibição no festival:

Cannes ferveu com a festa do 5xFavela ontem, tomara que alguém poste fotos ou vídeos. “Mas eu só quero é ser feliz, fazer a minha mala para vir até Paris, e poder me orgulhar de vir aqui pra cannes com a Renata e com o Cacá”. Foi emocionante pacas. Ponto alto do festival. (A. L. B.  no Facebook)

@Ana_Moreno @la_lima I watched the 5xFavela shorts last night, it was pretty emotional, all Brazil was there!

@Ana_Moreno @la_lima Assisti o filme 5X Favela ontem a noite, foi bastante emocionante, todo o Brasil presente!

@LuigiGt @5xfavela The movie we all Need to see!

@LuigiGt @5xfavela O filme que todos nós precisamos ver!

@malu_muniz (+) un fresco de ficción sobre base desgraciadamente real firmado por cineastas jóvenes e inexpertos que saben de lo que hablan… #5xfavela

@malu_muniz (+) uma ficção sobre a degradante realidade assinada por jovens cineastas inexperientes que sabem o que dizem… #5xfavela

Assista ao promo do filme:

As barreiras ainda por quebrar

Mas como nem tudo são flores, às vésperas de embarcar para o festival de Cannes, um dos diretores do filme, Rodrigo Felha, foi humilhado por policiais na praça da Cidade de Deus. O blog BrazilianGirlsRadio denuncia:

O fato ocorreu na noite de sábado (15/5) na Praça da Cidade de Deus  (apartamentos). Ele foi vítima de abuso policial sendo obrigado a ficar em trajes íntimos na presença de outros moradores.

Cena do filme (Cortesia da produção do filme)

MVBill, um dos mais representativos rappers brasileiro também denunciou o incidente no Facebook e no twitter:

@mvbill  Diretor do Filme 5xFavela é humilhado na véspera do embarque para Cannes #cannes http://migre.me/FoYh MV Bill TTbr#viradacultural

Celso Athayde, líder comunitário e criador do Cine Cufa, festival que apresenta filmes feitos por comunidades pobres do mundo todo também commentou sobre o episódio em seu blog:

Essa não é a polícia que queremos, como também não acreditamos que isso seja orientação do Governador Sergio Cabral ou do Comandante da PM, ao mesmo tempo queremos sair do caminho comum da simples denúncia e punição do policial autor dessa arbitrariedade, pois, para nós da Cufa, isso seria muito fácil, no entanto seria como enxugar um chão molhado e deixar a torneira aberta, pois a cultura dominante autoritária que carrega o estereótipo das favelas e seus habitantes como humanos (sem direitos) permaneceria, mesmo com o policial punido.

Alguns comentários em seu post também demonstraram opiniões parecidas:

É impressionante que este tipo de coisa aconteça em pleno século XXI. Lastimável. Está na hora de todos, sociedade e governantes darem um basta neste tipo de atitude, que é o mesmo preceito do nazismo que o planeta tanto odeia. Rogério Garcia – RJ

É impressionante que,depois de anos de repressão, continuemos sofrendo com atitudes humilhantes e constrangedoras de pessoas que,não sabem o que é ser um policial. Aposto que este homem não sabe a real função de um policial. Este homen denigre a imagem de uma corporação, que ainda tento acreditar que em sua maioria são pessoa honrradas.

O blog Cinema é Magia  abordou o assunto dizendo que a CUFA já entrou em contato com o Governo do Estado do Rio de Janeiro para relatar o caso e apresentar propostas de um trabalho de conscientização da policia:

Felha disse que a Cufa (Central Única das Favelas) já entrou em contato com o governo do estado do Rio de Janeiro para pedir uma reunião em que serão apresentadas propostas de um projeto de conscientização dos policiais.
Ainda segundo Felha, o projeto está sendo elaborado em parceria com o rapper MV Bill e o líder local Celso Athayde. A ideia é que “os policiais que estão sendo formados agora para trabalhar como pacificadores façam antes um curso nas favelas, diretamente com os moradores”, revelou. As aulas, afirma, seriam ministradas por ele e possivalmente pelo policial contra quem ele diz ter registrado queixa por constrangimento ilegal.

Este ocorrido mostra quantas tantas barreiras ainda serão enfrentadas que estão muito além de ter o filme apresentado em Cannes. Barreiras internas, culturais, estigmas por demais enraizados que esperamos que aos poucos, com iniciativas e oportunidades como esta, se diluam cada vez mais.

O site oficial do filme é www.5xfavela.com.br. Acesse também o blog. Para tweets, siga @5xfavela.

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