Angola: Manobra de Antecipação Anula Revolução

Uma semana depois da data da revolução que iria destronar o presidente angolano José Eduardo dos Santos e a sua “corte real”, a situação no país permanece calma. Como se nunca tivesse havido uma chamada para a revolução.

Para isso muito contribuiu a actuação do Estado que numa manobra de antecipação colocou os militares a postos e convocou manifestações de Cabinda ao Cunene em prol do MPLA (Movimento Popular  de Libertação de Angola).

Bandeira de Angola (domínio público).

Bandeira de Angola (domínio público).

Manifestantes silenciados… antes da manifestação

Segundo relatos que chegaram à Human Rights Watch (Observatório dos Direitos Humanos) [en] a convocação governamental em prol da paz, foi realizada à base da intimidação.

Pode-se ler no blog Página Um o seguinte:

O partido no poder convocou uma “marcha da paz” pró-governo em Luanda e várias cidades provinciais a 5 de março. A Human Rights Watch recebeu vários relatos credíveis de que funcionários do governo e do partido no poder obrigaram professores e funcionários públicos em Luanda e várias capitais provinciais a participar. Os professores foram ameaçados com despedimentos ou cortes salariais e obrigados a pressionar os seus alunos a participarem, ameaçando-os com “problemas” caso ficassem em casa.

Residentes de Luanda contaram à Human Rights Watch que o partido no poder utilizou autocarros e comboios públicos para transportar pessoas da periferia de Luanda para a marcha de 5 de Março no centro da cidade.

Conforme o Global Voices anunciou, na madrugada do dia 7 de Março, a polícia prendeu dezassete pessoas que se concentravam no Largo 1º de Maio em Luanda.

Os manifestantes, na sua maioria poetas e músicos, foram levados pela polícia para a esquadra, sem contemplações. Também alguns jornalistas que estavam no local para fazer a cobertura da manifestação foram levados para a esquadra para prestarem depoimentos. Todos foram soltos no próprio dia.

No blogue Esquerda.Net faz-se referência à opressão do Estado angolano.

Os manifestantes detidos pela polícia angolana esta madrugada, incluindo os quatro jornalistas do Novo Jornal e o rapper Luaty Beirão, conhecido por Brigadeiro Mata Frakuxz, foram libertados na manhã desta segunda-feira.

Aqui vale a pena ressalvar que o Brigadeiro Mata Frakuxz é conhecido no país pela sua oposição aberta ao governo, tendo realizado um concerto dias antes de ser preso, apelando à comparência em massa no passado dia 7 de Março. Além do concerto que pode ser visto no blogue Hip Hop de Angola, Mata Frakuxz tinha escrito uma comunicação de apelo à revolução que pode ser lida no blog Esquerda.Net. Eis um trecho:

Queria apenas salientar alguns pontos que considero ser cruciais para que esta manifestação possa ser bem sucedida e gostaria de partilhá-los convosco, não sendo no entanto o meu desejo que isto seja interpretado como uma imposição ou um desejo de assumir liderança de um movimento que eu quero que continue a ser popular e sem rosto, pois ao contrário de muitos, eu não acho que o povo precise de um rosto para seguir, o povo segue-se a si próprio e a sua consciência que estamos a querer tornar colectiva.

“Angola é Angola”

O famoso escritor angolano José Eduardo Agualusa, levantou a voz e juntou-se aos protestos para uma Angola democrática, através de uma carta aberta dirigida ao presidente José Eduardo dos Santos que pode ser lida no blogue Reflectindo sobre Moçambique. Na carta, Agualusa partia de uma chamada de atenção aos acontecimentos no Norte de África:

Senhor Presidente,
África vive um momento de viragem na sua História, só comparável ao levantamento que libertou o continente do domínio colonial. A revolução agora é pela liberdade e pela democracia.
Os cidadãos angolanos abaixo-assinados vêm por este meio pedir ao Senhor Presidente da República que tenha em atenção os últimos acontecimentos na Tunísia, Egipto e Líbia, reinicie de forma séria o processo de democratização, formalmente começado de maneira sinuosa em 1992, mas, definitivamente interrompido em 2010 com a aprovação da nova constituição e que ao mesmo tempo se retire da Presidência da República e da presidência do MPLA o mais depressa possível, sem prejuízo da estabilidade e continuidade das instituições. Os abaixo assinados acreditam que ainda é possível que o Senhor Presidente abandone o poder de forma digna e honrosa, preservando a integridade da nação.

Cardoso Jr. (@SuperCjr) escreve no Twitter:

Manifestantes em Angola tentaram marchar e foram presos. Angola não é Tunísia, muito menos Egipto, Angola é Angola. #TRISTE!

Helena Ferro de Gouveia, no blogue Domadora de Camaleões, resume um artigo de Vasco Martins do IPRIS (Instituto Português de Relações Internacionais e Segurança), que diz que “a hora de Angola ainda não chegou“. No artigo as diferenças entre países é bastante clara:

Há explicações várias para a não inscrição no protesto. Os angolanos calam-se porque são frescas e escritas a sangue as memórias da guerra civil. É uma estratégia de sobrevivência, não destabilizar a vida que têm. Miserável, mas vida.
Deter o olhar sobre os números também ajuda a entender o silêncio. Apenas vinte por cento dos homens e trinta e cinco por cento das mulheres sabe ler e escrever. Quantos saberão usar o twitter ou colocar status no Facebook?

Apesar da chamada para a revolução não ter tido a adesão esperada, muitos acreditam que o episódio serviu para auscultar as ansiedades da população e medir a “tensão” do governo. Rafael Marques, jornalista e activista anti-corrupção, atesta isso mesmo:

A reacção do MPLA vale mais do que a própria convocatória, acaba por demonstrar a fraqueza do próprio regime, não havia necessidade de responder a uma convocatória anónima.

1 comentário

  • RdB

    Clara Onofre, tenho seguido atentamente os seus posts e como angolano, também tenho uma opnião formada sobre a situação no nosso país.
    Quando cita:
    “Os manifestantes, na sua maioria poetas e músicos, foram levados pela polícia para a esquadra, sem contemplações.” – Os manifestantes? Várias pessoas (menos de 20) juntam-se numa praça e já é manifestação? “Poetas” e “músicos”? Se o MPLA manipula a informação dizendo que no dia 5 foram cerca de 1 milhão de pessoas, o mesmo acontece com “na sua maioria poetas e músicos”… esses (menos de 20) “poetas e musicos” representam quanto em percentagem na população de Luanda? O Cazenga tem 1 milhão de habitantes. Angola tem muito mais. Não quer isto dizer que aprove a detenção dos mesmos!

    “Os professores foram ameaçados com despedimentos ou cortes salariais e obrigados a pressionar os seus alunos a participarem, ameaçando-os com “problemas” caso ficassem em casa.” – Mentira! Mentira!! O MPLA dá tshirts, bebidas e comida. É disso que o Povo, o meu Povo gosta! Ninguem obrigou ninguem a ir a manifestação, como também ninguem obrigou ninguem a votar. Deram tshirts, bebidas, comida, frigorificos, fogões, motorizadas, e foi isso que fez com que votassem no MPLA. Não foram os discursos de promessas e sim a satsifação de ter um bem, aqui e agora! Nós (Povo) ainda pensamos no hoje e não em médio longo prazo.

    “…partido no poder utilizou autocarros e comboios públicos para transportar pessoas da periferia de Luanda para a marcha de 5 de Março no centro da cidade.” – Verdade verdadeira!! Sempre foi assim. O PR durantes as eleições usou o avião presidencial para uso próprio nas suas deslocações às provincias para as tais inaugurações. Isso é como se diz, ginguba! Prato do dia.

    “Aqui vale a pena ressalvar que o Brigadeiro Mata Frakuxz é conhecido no país pela sua oposição aberta ao governo” – Quem é este jovem Luaty? Por acaso até sem quem é, pois faz parte de um grupo de jovens cantores de quem eu tenho um disco. Só isso. Ahh, e porque também foi o jovem que disse o que disse num concerto. Só isso mesmo!! Isso não faz dele “conhecido no país pela sua oposição aberta ao governo”… mentira. Rafael Marques sim! O Clube K sim!! Luaty não! Onde é que ele estava durante as eleições? Fez algum discurso? Falou na rádio? Convocou alguma manifestação? Fez algum plano de governo ou sensibilizou a população do Cazenga, Rangel ou Martires?? Não! Nunca! Só agora! Por isso não é um conhecido pela sua oposição ao governo e sim por cantar rap e por ser o rapaz que veio da Europa a pé até Angola (corajoso!!). Oportunismo e irresponsabilidade, isso sim. Ele não representa ninguem, pois esse mesmo Povo a quem ele discursa (de forma populista e básica) não o iria querer no poder. Ele – a meu ver – é um oportunista e que com a mediatização de toda essa conjuntura quer realçar a sua postura, mas esquece-se que não estamos num palco a cantar. Que Angola é mais do que o palco do cine Atlântico!!

    “Os cidadãos angolanos abaixo-assinados vêm por este meio pedir ao Senhor Presidente da República que tenha em atenção os últimos acontecimentos na Tunísia, Egipto e Líbia, reinicie de forma séria o processo de democratização..” – Gosto do Agualusa. Muito. Mas a sua desilusão com o estado do país está mal direcionada. O norte de Africa é o norte de Africa. Angola é Angola. Eu perdi 15 anos de vida partilhada com a familia por causa da guerra. Nunca mais! Nunca mais!! Se fala em processo de democratização, onde é que estava durante a campanha eleitoral? Na Fnac a assinar livros? O MPLA está no poder porque o Povo, esse nosso Povo votou no MPLA!!!!! Não foi o MPLA que manipulou os votos!!!! Eu votei livremente meu caro! O MPLA está no poder porque esse no Povo o elegeu! O Povo que todos dizemos defender esta a ser derespeitado pois ele, o Povo, escolheu!! Portanto, convençam o Povo a não votar no MPLA outra vez. Façam campanhas de sensibilização. Participem activamente nas campanhas e tentem convencer o Povo!! Se uma mulher que é espancada pelo marido volta sempre… temos que respeitar a sua escolha. Respeitem o Povo que dizem defender. Processo de democratiozação com golpe de estado? Onde está a sua democracia? Nós vamos votar sim! Noutro partido e assim vamos aprender que é nas urnas que decidimos o nosso futuro.O resto é bla bla bla…

    Não me quero alongar mais…

    rdb

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