Agricultura familiar no Paraguai enfrenta crise e camponeses exigem que o governo encontre soluções

Fotografia da coleção do “En sus zapatos” (Em seus sapatos), retirada do site Kurtural. Fotografia usada com permissão.

Milhares de camponeses estão marchando nas ruas de Assunção, no Paraguai, desde o início de julho. Por serem pequenos produtores, eles denunciaram o fracasso do governo em cumprir o acordo assinado em abril de 2016, o qual prometia o refinanciamento das dívidas agrícolas de aproximadamente 18 mil produtores. Um ano depois, os trabalhadores voltaram às ruas alegando que o acordo fracassou.

No Paraguai, aproximadamente 2,6 milhões de pessoas atualmente vivem nas zonas rurais, contabilizando mais de 30% da população total. Os moradores lutam contra um de seus principais problemas, os elevados níveis de concentração de terra no interior. Empresas agrícolas usam 94% de sua terra cultivável para o agronegócio e somente 6% para a agricultura familiar camponesa, de acordo com o relatório da Oxfam Yvy Jára: Los Dueños de la Tierra en Paraguai (“Yvy Jára: Os donos de terra no Paraguai”).

As políticas agrícolas inadequadas do governo e a falta de informação criada pelas empresas ligadas a grupos de concentração de terra agravam a situação.

Os camponeses chamaram a atenção do resto do país e com isso estão recebendo solidariedade:

Estudantes de diferentes faculdades estão reunidos em frente à Universidade Católica de Assunção (UCA) para discutir e mostrar solidariedade com a #MarchadosCamponeses

- RTV  (@rtvparaguay) August 7, 2017

Porém, alguns membros do governo se referiram aos manifestantes como “homens da caverna” e a polícia repreendeu as manifestações:

#Urgente A polícia se prepara para reprimir: pic.twitter.com/l4tK0f8Afo

— Coord.Intesectorial (@CoordinadoraCNI) August 8, 2017

Como a Marcha dos Camponeses começou?

Não é a primeira vez que camponeses organizam marchas para lutar pelos seus direitos. As marchas deste ano são resultado de um acordo assinado em 2016 que não foi cumprido pelo governo e que visava sanar as dívidas dos trabalhadores. Esse acordo supostamente incorreu em uma série de golpes por parte do Estado.

Os camponeses reclamaram que o Ministério da Agricultura e Pecuária distribuiu sementes estragadas, prometeu assistência técnica que nunca chegou e quando vendeu as colheitas, os preços de mercado não estavam de acordo com o que havia sido estimado. Isso fez com que muitos não conseguissem pagar suas dívidas públicas e privadas.

Em 2016, após quase um mês de manifestações, o governo do presidente Horacio Cartes chegou a um acordo com os camponeses, que consistia em um painel de discussões para ouvir as reclamações dos produtores e a criação de novas leis para amparar a agricultura camponesa. Durante essas conversas, o governo prometeu apoio constante ao setor agrícola.

Os camponeses agora reclamam que o acordo não foi honrado e pequenos produtores de outros setores estão em situações similares, prejudicados pela falta de políticas públicas, crescimento desigual no campo e ausência de mercados e assistência do governo em épocas de enchente e geada.

Acordos e Responsabilidades não cumpridas

O Estado deve promover a agricultura camponesa, como definido na Constituição Nacional do Paraguai. Ela indica a necessidade de uma reforma agrícola visando a “incorporação efetiva da população agrícola no desenvolvimento econômico e social da nação.” Ademais, se compromete em cumprir medidas que “estimulem a produção, desencorajem a concentração de terra e garantam o desenvolvimento de propriedades rurais de pequeno e médio porte”.

Caso não seja encontrada uma solução para esta crise, muitos produtores poderão perder suas terras e meios de subsistência para quitar suas dívidas.  Eles também temem se tornar parte de uma epidemia crescente de pobreza no Paraguai.

Além das dívidas e subsídios, os produtores rurais enfrentam mais problemas.

A declaração de um produtor, compartilhada pelo grupo Ape Paraguai, no Facebook, expõe muitas das limitações do trabalho rural no Paraguai:

Pasa que lo nacional no les interesa tanto, traen todo del exterior. Por ejemplo estos proveedores, que son millonarios, traen locote y tomate del exterior. Ellos declaran unos pocos, y meten como 20 mil kilos semanalmente. […] Yo traigo por ejemplo 3 mil kilos y no puedo meter en el mercado. Así ellos nos joden porque meten del exterior y nuestra producción nacional no vale. Eso es lo que un gobierno debe ver para ayudarnos. En nuestro país, la plata es lo que vale, por eso el contrabando no se detiene. Yo sé bien, porque traje una vez 5 mil kilos producción nacional y me detuvieron y me llevaron por tres días detrás de los papeles, haciéndome perder gran parte de la producción; luego vino otro de contrabando que pagó dos o tres millones y pasó. Tuve que estar aquí 3 días porque supuestamente no tengo documentos. Imaginen, traer de Concepción, de tan lejos, el gasto que representa

Eles não estão interessados na produção local porque podem importar tudo. Por exemplo, estes fornecedores, que são milionários, trazem pimentões e tomates do exterior. Eles declaram uma parte, mas vendem 20 mil quilos toda semana. […] Eu dificilmente produzo 3 mil quilos e não posso vendê-los no mercado. Então eles nos ferram porque vendem as coisas do exterior e a nossa própria produção nacional torna-se inútil. O governo deveria ver isso e nos ajudar. Em nosso país, dinheiro é o que importa, então, o contrabando não é punido. Eu sei disso porque uma vez eu trouxe 5 mil quilos de produto nacional e eles me detiveram e me mantiveram lá por três dias pedindo por papéis, [o que fez com que estragasse] parte do meu produto; então chegou outro carregamento contrabandeado e eles pagaram dois ou três milhões [guaranis paraguaios] e passaram.
Eu tive que esperar lá por três dias porque eu supostamente não tinha os documentos. Imagine o custo que representa trazer o produto desde Concepción…

Perdão da dívida como uma solução viável?

Os produtores rurais exigem um “abatimento” de suas dívidas conforme a lei de recuperação financeira, destinada à proteção das populações vulneráveis de práticas de empréstimo abusivas. O Ministério da Agricultura e Pecuária é responsável por criar uma lista de potenciais beneficiários que atendam aos critérios específicos. Eles devem possuir menos de 30 hectares de terra e dívidas que não ultrapassem 51 milhões de guaranis, aproximadamente 9.170 dólares americanos, o equivalente a 25 salários mínimos mensais.

Somente dívidas relacionadas à atividade agrícola serão reconhecidas, limitando um número significativo de potenciais beneficiários. Embora o número exato seja desconhecido, o perdão da dívida afeta pelo menos 17 mil dos 196 mil pequenos produtores agrícolas no Registro Nacional da Agricultura Nacional, o banco de dados usado para determinar a elegibilidade do beneficiado.

Pedido de subsídio dos produtores é rejeitado

O Paraguai assumiu a dívida de 15 bilhões de guaranis da Azucarera Iturbe, considerada pelo presidente Cartes como “a maior dívida na história do Paraguai.” As denúncias nos jornais lamentam que o subsídio do diesel da Petropar para produtores de soja já tenha alcançado140 milhões de dólares americanos. Esse é um grupo que já recebeu suporte econômico antes mesmo do início da democracia, em 1992. Da mesma forma, o governo paraguaio tem subsidiado ônibus novos para transporte público e continua a subsidiar os preços das passagens.

O Parlamento aprovou a decisão de fornecer subsídio aos camponeses no dia 2 de agosto. Entretanto, dois dias depois, o presidente Cartes vetou, rejeitando as exigências feitas por eles. Ele justificou o veto dizendo que a decisão contrariava a aplicação apropriada da lei de recuperação financeira. Cartes também alegou que o custo do subsídio “poderia ser maior do que 3,2 bilhões de dólares americanos, aproximadamente 25% do orçamento do Paraguai.” Porém, um olhar atento aos números por trás do comunicado de Cartes comprova o erro do presidente.

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