A “Guerra” nas matas que é “Fria” nas cidades de Moçambique

Catedral de Maputo. Foto: Dércio Tsandzana / GlobalVoices (CC BY-NC-ND 4.0)

Catedral de Maputo. Foto: Dércio Tsandzana / GlobalVoices (cc by-nc-nd 4.0)

“Há uma guerra nas matas e outra, a fria, nas cidades, sobretudo na capital.” Diz o internauta Adriano Novela que acrescenta:

Essa segunda [a fria] trava-se nos canais de TV, rádios, redes sociais, etc. Os que tomam parte desta, devem fazê-la com o intuito de acabar imediatamente com a primeira.

O comentário de Adriano Novela foi escrito em reacção a um post no Facebook de Egídio Vaz, um conhecido consultor de media e historiador que se referia à reunião episcopal que teve lugar na capital, Maputo, entre os Bispos da Igreja Católica e o Presidente da República, onde se discutiu a paz em Moçambique:

Ontem, os Bispos Católicos foram dizer ao PR que há incoerência entre o discurso e a prática na busca pela paz em Moçambique, tendo na ocasião apelado [ao] governo e [à] Renamo para deporem as armas e avançar para o diálogo sério e frutífero. Aposto que é a primeira ocasião que o Presidente Nyusi é confrontado cara-a-cara com um grupo de cidadãos que o diz [de forma] clara e directa. [Ao contrário dos seus colaboradores directos, que não o fazem].

E parece que o golpe foi tão forte ao ponto de o PR tentar ensaiar uma resposta defensiva, segunda a qual, os Bispos tinham que, para além de identificarem problemas, também proporem soluções. Só que o “calor” da acusação directa foi tão forte que o PR se esqueceu que na mesma frase onde os bispos mencionaram a incoerência, vinha a proposta da solução. Nos tempos de estudante, diríamos que Nyusi foi bem ‘aquecido’.

Os Bispos da Igreja Católica demonstraram a sua preocupação com a crise política que se vive no país e ofereceram-se para ajudar nas negociações entre o Governo e a Renamo:

Decorrente da reunião com os Bispos Católicos, Manuel de Araújo, [Correcção 12.11.2015] edil de Maputo e membro do partido Movimento Democrático de Moçambique, ensaiou uma carta aberta ao Presidente da República exigindo a Paz:

(…) Finalmente quando a conferência episcopal lhe mostrou o que ia mal, ao invés de escutar e agradecer como prometera no seu discurso inaugural, [ripostou] dizendo que sabia o que estava mal e queria eram os caminhos para a solução dos problemas! Excia, por mais falhas humanas que tenhamos, registe-se que a Diplomacia Católica é a mais velha instituição diplomática vigente!
Cumpre-nos, como humanos, sabermos ouvir os seus recados e antes de respondermos às irritações cutâneas de momento urge que saibamos consultar os nossos Conselheiros, Assessores e Assistentes pois eles são pagos para isso mesmo: para o Aconselharem, Assessorarem-no e Assisti-lo para que possa cumprir com aquilo que eles escreveram e ‘mandaram’ ler no dia da Tomada de Posse!

Fazendo paralelismo com o recente caso do julgamento de um académico por ter escrito uma carta aberta ao antigo Presidente de Moçambique, Lírio Matsinhe disse:

Aguardo atenciosamente pelo teu julgamento Manuel porque neste país temos que dizer tudo que o presidente deseja ouvir, não lembras do caso Castel-Branco???? Ele há-de ler [e] só há-de fingir que não leu para não recordar do que disse!!

A crise entre o Governo e a Renamo

Em Moçambique tornou-se difícil falar de Paz por causa dos recentes episódios que têm agudizado a crise política instalada desde as eleições gerais de 15 Outubro de 2014. Não há entendimento entre o actual governo liderado pelo Presidente da República, Filipe Jacinto NyusiAfonso Dhlakama, líder do maior partido da oposição, a Renamo. Recorde-se que Dhlakama foi alvo de emboscadas, em Setembro último. Estes episódios têm dificultado as relações entre as partes e está a criar um clima de medo em algumas regiões do país. Relatos têm dado conta que as populações da região de Tete deixaram as suas casas e refugiaram-se no país vizinho do Malawi por causa de confrontos entre as forças governamentais e as da Renamo.

Neste percurso de incerteza entre guerra e paz, há vários relatos de actos protagonizados pela Polícia da República de Moçambique contra cidadãos inocentes nessa sua busca incessante de armas da Renamo. O que, segundo José de Matos, chega a ser condenado como “actos de violação de Direitos Humanos” de acordo com um vídeo publicado por Ivone Soares, membro sénior da Renamo:

URGENTE – DIREITOS HUMANOS AMEAÇADOS EM MOÇAMBIQUE
Apelamos à Sra. Presidente e Excelentíssimos Comissários da Comissão Africana dos Direitos Humanos e dos Povos, presentemente reunidos na 57a Sessão Ordinária dessa Comissão em Banjul, Gâmbia, para que emitam um apelo urgente ao governo da República de Moçambique para se disciplinar as FDS [Forças de Defesa e Segurança], impedindo violações de direitos humanos num Estado signatário da Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Povos. O endereço: Dra. Zainabo Sylvie Kayitesi, Presidente da Comissão Africana dos Direitos Humanos e dos Povos au-banjul@africa-union.org

As armas da Renamo

Entre 8 e 11 de Novembro, Filipe Nyusi visita a República Popular de Angola de onde revelou que a única opção para a Paz em Moçambique seria o seguimento do desarmamento armado da Renamo como seguimento do exemplo de Angola, refere a agência de noticias LUSA:

Antes destas reações, o partido Renamo já tinha avisado ao governo que não toleraria este tipo de acções contra o seu partido, relata a página oficial do Jornal @Verdade no Facebook. O mesmo fez o porta-voz da Renamo, António Muchanga, à Rádio Voz da América, segundo o Blog Debates e Devaneios:

O discurso em Angola foi infeliz porque as armas não são ilegais, a Renamo recebeu essas armas no âmbito do acordo de paz, que eu saiba continua em vigor”, disse Muchanga, para quem “então ele (o Presidente) tem de avançar com outra proposta que ponha fim ou substitua o acordo de paz”. A Renamo continua a considerar que não pode haver qualquer desarmamento pela via da força e, por isso, defende o regresso à mesa das negociações, com mediação da Igreja Católica que, desde sempre, “mostrou-se ser uma instituição credível e com resultados, como aconteceu com os acordos de 1992.

[Correcção 12.11.2015] Manuel de Araújo é o edil de Quelimane e não de Maputo como descrito no artigo.

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