“A Austrália não deve roubar o futuro a Timor-Leste”, diz movimento cívico

Graffiti Stencil por Alfe Tutuala. Imagem de domínio público partilhada por Wikimedia.

Graffiti Stencil por Alfe Tutuala. Imagem de domínio público partilhada por Wikimedia.

Durante a visita do governador-geral da Austrália, o general Peter Cosgrove, a Timor-Leste (02 e 03 de março), o Movimento contra a Ocupação do Mar de Timor (Movimentu Kontra Okupasaun Tasi Timor – MKOTT) viu rejeitado um pedido para se encontrar com aquele representante da coroa britânica na Austrália. A intenção do movimento seria entregar uma carta aberta a pedir a Cosgrove que intervenha junto do Governo australiano para que recomece as negociações de definição da fronteira marítima entre o seu país e Timor-Leste.

De acordo com a embaixada australiana em Dili, a agenda da visita de dois dias do General Cosgrove a Timor era muito apertada, não havendo possibilidade para receber os representantes do movimento. Na carta, escrita em Tétum, o MKOTT sublinha que Timor-Leste continua a ser um país “explorado” apesar da independência obtida sobre a Indonésia em 2002:

Hafoin Timor-Leste hetan ninia independensia, inflezmente dominasaun no okupasaun ne’e nafatin kontinua. Triste liu maka okupasaun ne’e halo husi Governu Australia, rai ida ne’ebé ita boot sai Governador, rai ida ne’ebé riku liu.

Apesar de Timor-Leste ter conquistado a independência, infelizmente, a exploração e a ocupação continuam. Timor-Leste continua ocupado, mas agora pelo Governo da Austrália, situação que nos desilude e entristece, o país do qual você é governador-geral, um país rico e próspero.

A importância deste pedido a Peter Cosgrove? 

Cosgrove é um oficial militar australiano reformado que serviu o seu país na guerra do Vietname. Foi chefe-maior das forças armadas e de defesa entre 2000 e 2005 mas antes comandou a INTERFET, uma força multinacional liderada pela Austrália que foi estabelecida em 1999 para implementar a segurança e a paz em Timor-Leste. Por essa razão, o general Cosgrove visitou a capital Díli para receber a mais alta condecoração do país para estrangeiros, o grande colar da Ordem de Timor-Leste. Sendo um “amigo” de Timor, o MKOTT entendeu pedir ao atual governador-geral que pressione o seu Governo a voltar à mesa das negociações:

Tanba ne’e, liu husi karta ida ne’e, aproveita ho ita nia vizita mai Timor-Leste, MKOTT hakarak husu ita boot nu’udar belun istoriku ba povu Timor-Leste hodi uza ita boot nia influensia balun ne’ebé iha hodi husu ba Governu Australia atu: 1) Respeita no trata soberania no dignidade nasaun Timor-Leste nian hanesan sira halo ba nasaun sira seluk iha mundu. 2) Fila ba mekanizmu disputa fronteira maritima nian tuir juridisaun Tribunal Internasional ba Justisa (International Court of Justice) no Tribunal Internasional ba Lei Tasi nian (TILOS). 3) Foka liu ba negosiasaun ne’ebé “koalia loloos no nakloke” kona-bá fronteira maritima no labele hases an husi asuntu ne’e hodi halai deit asuntu relasaun bilateral nian. 4)  Labele kontinua argument kona-bá “plataforma continental” ne’ebé la validu ona. 5) Atu labele uza nia poder ekonomia no politika iha rejiaun ne’e atu kontinua na’ok futuru Timor-Leste nia oan sira

Por esse motivo, através desta carta, o MKOTT quer aproveitar a ocasião da sua visita para apelar a si, um amigo histórico do povo de Timor-Leste, para usar a sua influência e pedir ao Governo australiano que: 1) Respeite a soberania e a dignidade do povo e da nação de Timor-Leste tal como fizeram com outras nações. 2) Respeite os mecanismos de resolução de fronteira marítima de acordo com a jurisdição do Tribunal Internacional de Justiça e da Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar. 3) Se concentre na negociação “franca e aberta” da fronteira marítima e não se foque em outras negociações bilaterais e gerais entres os dois países. 4) Pare com o argumento “Plataforma continental” porque já não é válido. 5) Pare de exercer a sua pressão politica e económica que está a roubar a riqueza de Timor-Leste e o futuro do seu povo.

O Movimento contra a Ocupação do Mar de Timor (MKOTT) é um movimento social composto por ativistas, estudantes, ex-combatentes, individualidades e por organizações da sociedade civil timorense. Desde a sua criação, em 2004, este movimento tem zelado para que os governos da Austrália e de Timor-Leste encontrem vias legais e diplomáticas para estabelecer as fronteiras marítimas entre os dois países da forma que seja mais justa, para ambas as partes. O impasse sobre o estabelecimento de uma fronteira marítima entre Timor-Leste e a Austrália tem sido longo e envolto de situações polémicas.

Espionagem ao estilo “Watergate”

Em 2013, o Governo australiano foi acusado de interferência no “acesso aos recursos e soberania de Timor-Leste”. A Austrália terá obtido de forma ilícita informação confidencial sobre petróleo e gás no Mar de Timor, tendo “prejudicado os timorenses durante as negociações para o Tratado sobre Determinados Ajustes Marítimos no Mar de Timor (CMATS) em 2004”. Segundo relatos, espiões australianos terão colocado escutas dentro do palácio do Governo e tirado vantagem na negociações, com essas escutas:

East Timor's Resources Minister Alfredo Pires and lawyer Bernard Collaery allege that ASIS breached international law and Timorese sovereignty during the negotiations over the Greater Sunrise natural gas reserves under a “criminal conspiracy hatched in Canberra”.

(…) So it was a Watergate situation. They broke in and they bugged, in a total breach of sovereignty, the cabinet room, the ministerial offices of then prime minister (Mari) Alkitiri and his government. They placed clandestine listening devices in the ministerial conference room, we call it a cabinet room.

 

O ministro do Petróleo e Recursos Minerais, Alfredo Pires juntamente com o advogado Bernard Collaery alegam que os Serviços Secretos de Inteligência Australianos – ASIS, quebraram a barreira da soberania timorense e da Lei Internacional durante as negociações sobre as reservas de gás natural existentes na região do ‘Greater Sunrise‘ [cujas receitas estimadas rondam os 40 mil milhões de dólares americanos] numa ‘conspiração criminosa engendrada a partir de Camberra’. (…) Tratou-se de um caso Watergate. Eles entraram nos gabinetes oficiais do primeiro-ministro (Mari) Alkatiri e do seu governo sem autorização e, clandestinamente, colocaram as escutas.

Esta ação, levada a cabo pelos serviços de inteligência australianos, terá contornos ainda mais “perturbadores” se se comprovar as alegações de que as “escutas foram introduzidas através de um plano de ajuda para a remodelação do Palácio do Governo disfarçado num projeto da AusAid“, a agência governamental australiana para a cooperação internacional. O professor e investigador de Politica da Universidade Swinburne, em Melbourne, Michael Leach refere que:

The possibility that AusAID may have unknowingly been used for intelligence-gathering activities is very disturbing, and raises concerns over the ability of that agency to function free of suspicion in the region. Former foreign minister Alexander Downer was dismissive of these allegations as “old news,” though his current role as a lobbyist for Woodside Petroleum does little to inspire confidence in his commentary.

A hipótese de que a AusAid terá sido usada, sem o seu próprio conhecimento, em atividades de recolha de informação é bastante perturbadora e levanta preocupações quanto à sua atividade, na região, sobre se está livre ou não de suspeita durante as suas funções. O ex-ministro dos Negócios Estrangeiros, Alexander Downer, desvalorizou as alegações classificando-as de “noticias antigas”, no entanto, o seu papel atual como consultor para a empresa de Petróleo Australiana Woodside deixa pouca confiança nas suas palavras.

A exploração do “Greater Sunrise”, no Mar de Timor

Todas as reservas de petróleo e gás estão do lado timorense da linha mediana, ou seja, mais perto de Timor-Leste do que da Austrália.

A “ganância” pela exploração dos recursos de Timor-Leste data de 1963 quando o “Governo australiano emitiu uma licença de exploração de petróleo à Woodside Petroleum”, a empresa que tem explorado os recursos minerais do Mar de Timor. Em 1972, a Austrália celebra um acordo “bastante favorável” com o regime indonésio do Presidente Suharto que lhe valeu uma “fronteira marítima mais alargada e mais próxima da Indonésia” obtendo assim o acesso a mais recursos minerais. Acordo que Portugal recusou:

Portugal – then the administering colonial power in East Timor – refused to join the negotiations, preferring to wait for the international process which, in 1982, resulted in the UN Convention on the Law of the Sea, or UNCLOS. Portugal’s decision created the “Timor Gap” in the Australian–Indonesian sea boundary

Portugal – na altura a potência colonial administradora de Timor-Leste – recusou participar nas negociações, tendo optado por aguardar pelo processo internacional que, em 1982, resultou na Convenção da ONU sobre o Direito do Mar ou UNCLOS (sigla em Inglês). A decisão de Portugal deixou um “buraco” na fronteira australo-indonésia dando origem ao ‘Timor Gap’.

De 1989 a 1999 a Austrália explorou os recursos minerais de Timor-Leste de forma “ilegal ao reconhecer unilateralmente a integração ‘de facto’ do território na Indonésia e fechando os olhos às atrocidades e crimes cometidos contra os direitos humanos”, refere um artigo publicado no Global Voices, pela investigadora sobre Timor-Leste, Marisa Gonçalves.

A Austrália e a Indonésia celebraram, em 1989, um “acordo de cooperação na base 50/50″ de exploração dos recursos minerais do Timor Gap, acordo que Portugal também “rejeitou mas cuja oposição não obteve sentido prático pois a Indonésia não reconhecia a autoridade judicial Internacional”, refere ainda Michael Leach.

A Austrália está a aproveitar-se das fraquezas de Timor-Leste

Australia took advantage of East Timor's weakness and is now dodging its international obligations over the disputed marine border.

A Austrália tirou proveito das fraquezas de Timor-Leste e está agora a ludibriar as suas obrigações internacionais perante a definição da fronteira marítima.

A declaração é do deputado timorense do CNRT, Natalino dos Santos Nascimento, dada à agência de notícias australiana (AAP), durante a visita de Peter Cosgrove e publicada na página de um dos serviços de televisão pública, a SBS. O deputado refere-se à ação do Governo australiano em 2002.

Em março desse mesmo ano, o Governo australiano deixou de reconhecer a jurisdição do Tribunal Internacional de Justiça para as fronteiras marítimas:

Australia withdrew from the maritime boundary dispute resolution procedures of UNCLOS, and the equivalent jurisdiction of the International Court of Justice, two months before the restoration of East Timorese independence in May 2002. These unilateral actions – which showed little confidence in the strength of the “continental shelf” argument – left Timor-Leste without the option of international arbitration. The withdrawal was conducted in secret, with the Australian parliament only informed after the reservations took effect.

A Austrália abandonou o mecanismo de resolução de disputas de fronteira marítima da Convenção das Nações Unidas sobre a Lei do Mar (UNCLOS) e deixou de reconhecer a jurisdição do Tribunal Internacional de Justiça, dois meses antes da restauração da independência de Timor-Leste em maio de 2002. Estas ações unilaterais, que demonstram fraca confiança no argumento da ‘plataforma continental’, deixaram Timor-Leste sem a opção de recorrer à arbitragem internacional. A saída da Convenção foi feita em segredo, o parlamento australiano apenas teve conhecimento quando a ação teve efeito.

Atualmente, a nação de Timor-Leste, independente desde 2002, exige que a Austrália reconheça a jurisdição do Tribunal Internacional de Justiça e da Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar e que estabeleça a sua fronteira na linha mediana entre os dois países, como refere a lei internacional. Em causa estão as reservas de petróleo e gás natural existentes na região do “Greater Sunrise” que estão situadas do lado de Timor-Leste.

Até ao momento, o Governo da Austrália não tem mostrado disponibilidade para abrir mão destes recursos, no valor de 40 mil milhões de dólares, e voltar à mesa das negociações, apesar dos apelos por parte das autoridades timorenses.

[Atualizado, 10.03.15] Contudo o partido da oposição pensa o contrário, a porta-voz do Partido Trabalhista australiano (Labor), Tanya Plibersek, sublinha que “o seu partido considera reverter a posição da Austrália face à UNCLOS e que no caso de Timor-Leste está preparado para submeter-se à arbitrariedade de Haia se as conversações de ‘boa fé’ entre os dois estados falharem” e acrescenta:

Australia regularly calls on other countries to abide by international norms and to settle disputes in line with the rules-based system.

If we want to insist that other nations play by the rules, we also need to adhere to them.

A Austrália pede regularmente aos outros países que se rejam pela lei internacional e que sigam a mesma norma nas suas disputas. Se queremos que as outras nações cumpram as regras do jogo, então nós também temos de as cumprir.

Por essa razão, organizações como a “Timor Sea Justice Campaign” sabem que é preciso apelar à opinião pública australiana no sentido de pressionar o Governo a tomar a ação correta e anunciou protestos que vão decorrer em várias cidades australianas durante a semana que começa a 21 de março. As embaixadas australianas em Jacarta, na Indonésia e em Díli, Timor-Leste, serão igualmente alvos de protesto.

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