
Surkhandi e Korak, vilarejos chepang no município de Rapti, na parte leste do distrito de Chitwan, na província de Bagmati no Nepal, onde a maioria da população se converteu ao cristianismo. Imagem feita pelo autor.
A comunidade indígena chepang no Nepal, um grupo étnico tibeto-birmanês, manteve tradicionalmente uma conexão profunda com as florestas e a natureza. Ao longo de gerações, a comunidade desenvolveu vários mecanismos adaptativos e práticas sustentáveis. No entanto, em décadas recentes, significativas transformações sociais e culturais complexas estão acontecendo na comunidade.
Houve um rápido aumento nas conversões para o cristianismo entre os chepang e outras comunidades marginalizadas, frequentemente resultado dos esforços de ONGs. Práticas tradicionais xamânicas estão consequentemente em declínio. Um relatório recente intitulado “Mudanças culturais na casta chepang de Chitwan” destaca como esse grupo indígena está passando por mudanças significativas em seu cenário cultural e espiritual. A influência crescente do cristianismo está contribuindo para a erosão da espiritualidade indígena dentro da comunidade chepang.
Em 29 de novembro de 2024, Diana Riboli, professora do departamento de Antropologia Social da Panteion University of Social and Political Sciences na Grécia, fez uma interessante apresentação de pesquisa no Departamento Central de Antropologia da Tribhuvan University, de Kirtipur de Kathmandu, onde o autor esteve presente. Seu artigo, intitulado “Morte e pós-vida em tempos de crise: o caso dos chepang do centro-sul do Nepal”, forneceu descobertas importantes sobre as transformações culturais nesta comunidade indígena nepalesa.
A cultura chepang permanece profundamente conectada com as florestas e a natureza, mesmo que agora eles estejam impedidos de praticar muitas de suas atividades tradicionais em áreas florestais devido a esforços de conservação nacionais. Como outras comunidades, os chepang são proibidos de acessar florestas designadas como parques naturais e reservas naturais, que são reservadas exclusivamente para a vida selvagem, conservação da flora e turismo.
Conversão cristã
Em anos recentes, houve um rápido aumento no número de chepangs e membros de outras comunidades marginalizadas se convertendo ao cristianismo. Esquecidos pelas elites sociais e desiludidos com o apoio insuficiente do governo, os chepang são particularmente abertos as histórias de Cristo compartilhadas por pessoas que trazem comida, roupas, utensílios de cozinha e oportunidades de educar suas crianças em internatos longe de casa.
Apesar de o proselitismo continuar proibido pela lei nepalesa, grupos cristãos com frequência interagem com essas comunidades através de ONGs, oferecendo ajuda humanitária e cuidados de saúde. Essa tendência crescente não passou despercebida pela mídia nepalesa, que continua a fazer várias reportagens sobre o assunto.

Um vilarejo chamado Hattibang no distrito de Chitwan onde a maioria da população é da comunidade chepang. Imagem feita pelo autor.
O isolamento das comunidades chepang em áreas remotas, a pobreza extrema, más condições de saúde e violência estrutural deram oportunidades para missionários cristãos influenciarem as comunidades, mesmo durante o regime Panchayat (1961-1990), onde a divulgação do cristianismo foi proibida. Muitos chepang se converteram ao cristianismo principalmente para fugir da marginalização e discriminação por outras castas.
A pesquisa de Diana Riboli revelou que os chepang veem o cristianismo como um caminho para superar a discriminação, acessar educação e atingir a justiça social, especialmente as gerações mais jovens. No entanto, nos primeiros anos da evangelização, o cristianismo também causou divisões sociais dentro da comunidade, dividindo lares entre cristãos e não cristãos.
Durante sua pesquisa nos anos 1990, Diana Riboli documentou um incidente do fim dos anos 1990, durante o período Panchayat (1961-1990), quando missionários visitaram secretamente um vilarejo chepang. Globalmente, a nomeação de pastores indígenas foi uma estratégia para aumentar as conversões cristãs, e muitos homens jovens chepang se tornaram pastores, almejando se tornarem líderes políticos e sociais além de terem autoridade religiosa.
Os missionários diziam aos aldeões que se converter ao cristianismo eliminaria a necessidade de oferecer animais ou frutas durante a celebração do puja. Um ancião pande (xamã na língua chepang) se converteu depois de garantirem que ele iria ao reino dos céus cristão após a morte. Pastores protestantes estimularam os convertidos a abandonar rituais ancestrais, assegurando que o Deus cristão não exigia oferendas. No entanto, isso criou uma tensão na comunidade, já que muitos chepang tinham medo de que negligenciar as oferendas ancestrais deixaria os ancestrais famintos e potencialmente perigosos para os vivos.
Impacto cultural
A organização guarda-chuva da comunidade chepang, a Associação Chepang do Nepal, identifica os chepang não como hindus, mas como Prakritik Pujak (adoradores da natureza). No entanto, seus festivais, práticas indígenas, rituais xamânicos, conhecimento dos poderes curativos da natureza e idioma estão gradualmente sendo esquecidos devido à crescente conversão ao cristianismo.
A pesquisa de Riboli revela que o xamanismo na comunidade chepang está diminuindo e corre potencial risco de extinção, devido, principalmente, à influência crescente do cristianismo. Uma razão significativa é que se tornar pastor leva apenas alguns meses de preparação, enquanto se tornar xamã (pande) não é uma escolha pessoal e geralmente envolve um processo rigoroso e demorado.
A conversão ao cristianismo melhorou as condições de vida de muitos, com os convertidos se mudando para casas de concreto, enviando seus filhos para boas escolas, e recebendo ajuda internacional. Então, o cristianismo é geralmente visto como um caminho para a modernidade, progresso e melhores oportunidades. ONGs cristãs financiam a reconstrução de escolas e apoio para comunidades afetadas por desastres naturais. No entanto, essa mudança contribuiu para o declínio das práticas sustentáveis tradicionais.
Às vezes, surgem tensões entre chepang cristãos e não cristãos. Por exemplo, durante o trabalho de campo, Diana Riboli relatou ter tido o acesso negado por pastores chepang a cerimônias de sábado na igreja, apesar do princípio de que as igrejas devem ser abertas a todos, independentemente da etnia ou religião.

Um dos slides apresentados por Diana Riboli, mostrando um contraste chocante entre duas casas: uma de uma família que se converteu ao cristianismo e outra de uma família que não se converteu. Imagem feita pelo autor.
Surgem tensões também dentro das famílias, já que avós ou pais podem resistir a se converter ao cristianismo enquanto seus filhos são batizados. O presidente da Associação Chepang do Nepal, em uma entrevista presencial, observou que a divisão entre cristãos e não cristãos está destruindo os valores tradicionais chepang de compartilhamento e ajuda mútua entre famílias. A natureza comunal da sociedade chepang, particularmente evidente em rituais funerais, está agora sob pressão.
Nas comunidades chepang, os rituais funerais são feitos exclusivamente pelos xamãs (pande), que guiam a alma do morto para a terra dos ancestrais. Este ritual complexo só pode ser conduzido por um Pande poderoso. Acredita-se que funerais feitos inadequadamente podem resultar em má sorte e doença. No entanto, os convertidos cristãos são excluídos dos funerais tradicionais com frequência, como aqueles de seus avós, o que tem consequências psicológicas e alimenta o medo de que almas não honradas corretamente permaneçam no mundo humano, prejudicando suas famílias.
Práticas e crenças espirituais tradicionais chepang, incluindo a adoração da natureza, tradições orais, e modos de vida sustentáveis, estão desaparecendo aos poucos. A disseminação do cristianismo diluiu sua identidade cultural, levando ao declínio dos guardiões do conhecimento comunitário como os xamãs e interrompendo a transferência de conhecimento entre gerações.
2 comentários
Thank you so much for translating.
My pleasure, Biswash!