
Crianças indígenas na Tanzânia usando um laptop. Imagem por Kureng Workx, via Pexels (Livre para uso).
Em 28 de outubro, a gigante da tecnologia Google anunciou a adição de mais 15 idiomas africanos à pesquisa por voz, ao Google Keyboard para digitação por fala e ao recurso de ditado do Google Tradutor. Os idiomas incluídos são: chicheua, hauçá, igbo, quicuio, oromo, rundi, xona, somali, andebele meridional, suázi, tigrínia, twi, tsuana, naijá e iorubá.
Esse marco significativo permitirá que mais 300 milhões de africanos interajam na web usando a voz, mas também evidencia a magnitude do trabalho necessário para acabar com a exclusão digital entre a África e o resto do mundo.
A África é o segundo continente mais populoso, com mais de 1,34 bilhão de pessoas. Um estudo publicado pelo Statista em julho de 2024 mostrou que o continente é o mais multilíngue do mundo, com aproximadamente 2.158 idiomas vivos. Destes, cerca de 520 (25%) são falados na Nigéria, 277 em Camarões e 214 na República Democrática do Congo. Seychelles é o país africano com menor diversidade linguística, tendo apenas quatro idiomas.
Após o anúncio, Alamazan Jak, um usuário de Busoga, em Uganda, publicou o seguinte comentário na comunidade de tradução do Google:
Congratulations on the exciting announcement! Expanding dictation to 13 African languages is a significant milestone. Your dedication to inclusivity and diversity is truly commendable.
However, I couldn't help but notice that Lusoga, a vital language spoken in Eastern Uganda, is not among the listed languages. As a proud speaker of Lusoga, I eagerly await its inclusion.
Could you please share any plans or timelines for adding Lusoga to Google Translate's supported languages? Your consideration would mean a great deal to the Lusoga-speaking community.
Thank you for your tireless efforts in breaking language barriers. I look forward to your response.
Parabéns por esse anúncio incrível! A adição de 13 idiomas africanos ao ditado é um grande avanço. Sua dedicação à inclusão e à diversidade é admirável.
Porém, notei que o lusoga, um importante idioma do leste de Uganda, não está entre os listados. Como falante orgulhoso da língua, aguardo ansiosamente sua inclusão.
Gostaria de saber se há planos ou prazos para a inclusão do lusoga no Google Tradutor. Sua atenção a essa questão seria muito importante à comunidade de falantes da língua.
Agradeço pelos esforços incansáveis para romper as barreiras linguísticas e aguardo seu retorno.
O comentário mostra que o lusoga e milhares de outros idiomas africanos ainda estão excluídos, apesar do forte desejo dos usuários por mais representação linguística. O lusoga é falado por mais de três milhões de pessoas em Uganda.
À medida que tecnologias de inteligência artificial (IA) avançam e ganham popularidade em todo o mundo, elas estão sendo incorporadas a diversas ferramentas para automatizar tarefas do dia a dia, facilitando a vida e o trabalho das pessoas. Embora essas ferramentas estejam ganhando espaço na África, muitos usuários ainda não têm acesso a elas em seus idiomas. Se línguas como o lusoga não forem incluídas no desenvolvimento dessas tecnologias, centenas de milhares de africanos podem deixar de aproveitar as inúmeras oportunidades oferecidas pela IA, o que pode ampliar ainda mais a lacuna tecnológica entre a África e o resto do mundo.
A barreira linguística digital pode prejudicar o crescimento econômico de muitos países africanos, ao dificultar que falantes de idiomas indígenas tenham acesso a oportunidades de emprego e mercados on-line. A exclusão de línguas nativas africanas do desenvolvimento de ferramentas de IA usadas em escolas pode impactar negativamente os sistemas educacionais de vários países. Enquanto isso, o uso de IA na educação em todo o continente permanece em apenas 12%.
Oportunidades de inclusão linguística na África
A agricultura é o pilar da economia da África, sendo um dos principais setores que contribuem para o PIB de vários países. Mais de 43% da população economicamente ativa do continente vive da agricultura em áreas remotas. No entanto, pequenos agricultores enfrentam desafios como clima imprevisível, insegurança da produção, falta de infraestrutura logística adequada, acesso limitado a serviços financeiros formais e mercados on-line, crises econômicas, analfabetismo, entre outros. O uso de tecnologias digitais baseadas em IA tem se mostrado eficaz na mitigação desses problemas, mas a maioria das ferramentas não está acessível nos idiomas locais dos agricultores.
A África é rica em patrimônio cultural e tradições diversificadas, tendo a língua como alicerce. Os idiomas atuam como reservatórios de conhecimento e tradições, além de serem o meio pelo qual o patrimônio cultural de um grupo é preservado e transmitido de geração em geração.
Em 2022, diante da alarmante taxa de extinção de idiomas, a Organização das Nações Unidas (ONU) proclamou uma década dedicada à proteção de línguas ameaçadas e à preservação do patrimônio comum da humanidade. Dos 3.000 idiomas que podem desaparecer até o final do século 21, cerca de 523 são falados na África. A exclusão dessas línguas vulneráveis do desenvolvimento de tecnologias digitais agravará a ameaça de extinção.
Empreendedores, desenvolvedores e pesquisadores da África estão respondendo a tais demandas com iniciativas que integram idiomas africanos às tecnologias. Um bom exemplo é a startup nigeriana Awarri, que está criando o primeiro modelo de linguagem multilíngue de larga escala da Nigéria. A startup queniana Code Vast usa IA para fornecer orientações rápidas sobre saúde em idiomas locais, como suaíli, meru, quicuio e luo. A Lepala AI desenvolve ferramentas de aprendizado de máquina adaptadas aos contextos africanos. Outra iniciativa nigeriana, a Crop2Cash, criou uma tecnologia para um sistema telefônico automatizado chamado FarmAdvice. Alimentado por IA, o dispositivo permite que pequenos agricultores acessem em tempo real conhecimento agrícola personalizado e serviços de extensão em seu idioma, ligando para um número gratuito, disponível 24 horas por dia, 7 dias por semana, em qualquer tipo de dispositivo.
Apesar dos esforços contínuos para reduzir a lacuna linguística, mais idiomas precisam ser integrados, especialmente os falados em regiões com pouca ou nenhuma iniciativa para preencher a lacuna digital. Gigantes da tecnologia, como Meta, Amazon, Uber, IBM, AWS e outras organizações cujas tecnologias são amplamente usadas na África, precisam se envolver, priorizando a inclusão de idiomas africanos minoritários no desenvolvimento de seus produtos. São necessários esforços conjuntos entre startups locais e órgãos governamentais para criar tecnologias adaptadas a necessidades locais, alcançando áreas que as empresas estrangeiras não cobrem.