Melhor filme do Cazaquistão em 2024 explora as dores da singular e centenária tradição de adoção do país

Yersultan (à direita), personagem principal do filme, anda de bicicleta com seu amigo. Imagem do vídeo “Бауырына салу | Трейлер | В кино с 18 июля” no canal de YouTube Sulpak Cinema. (Uso justo)

Em 15 de novembro de 2024, o filme cazaque “Bauryna Salu” foi aceito como candidato ao Oscar de Melhor Filme Internacional. O filme conta a história de um menino de 12 anos chamado Yersultan, que foi doado para sua avó pelos seus pais na infância.

Isso aconteceu seguindo uma tradição cazaque chamada “bauryna salu” (doado para um parente). Era tradição que pais jovens doassem sua criança mais velha ou mais nova para os avós ou parentes mais velhos. Quando a criança atinge certa idade, ela pode escolher ficar com a família adotiva ou com os pais.

Assista o trailer do filme.

Após a morte da avó, com quem viveu nos últimos 10 anos, Yersultan volta a viver com seus pais. O foco principal da história são suas dificuldades em se conectar e construir laços emocionais com seus pais depois de uma longa separação, que os transformaram praticamente em estranhos. Neste sentido, o filme explora o lado sofrido da tradição centenária que ainda acontece no Cazaquistão, e afeta muitas famílias e crianças.

De fato, o diretor do filme Askhat Kuchinchirekov vivenciou essa experiência; ele foi criado pela avó, depois que seus pais decidiram doá-lo. Traumatizado por essa experiência, Kuchinchirekov explica que foi importante pare ele contar a história do ponto de vista de Yersultan e mostrar suas emoções e experiências. Além de dirigir, Kuchinchirekov escreveu o roteiro. O filme foi produzido em 2023 e distribuído nos cinemas nacionais em julho de 2024.

Veja uma entrevista com o diretor Askhat Kuchinchirekov sobre o filme e a experiência de ser criado por sua avó.

O filme provocou intenso debate sobre a tradição do bauryna salu, sobre suas origens, relevância no mundo moderno, e mais importante, os efeitos sobre adultos e crianças. Originalmente a tradição surgiu como meio de estreitar laços familiares em comunidades nômades compactas e restritas. Também foi usada como meio para dividir o trabalho de cuidado infantil em épocas em que não existiam jardins de infância. Algumas pessoas dizem que é uma forma de consolar idosos solitários e famílias sem crianças, para que tenham a experiência da maternidade e companhia.

Apoiadores argumentam nas redes sociais que a tradição ainda tem lugar no mundo moderno, pois permite que as crianças cresçam junto de parentes próximos com mais experiência e conhecimento sobre cuidados infantis. Esse argumento parte da premissa de que pais de primeira viagem não têm experiência com esses cuidados. Eles também argumentam que essa prática protege as crianças de potenciais abusos parentais e fornece a elas a oportunidade de crescerem em um ambiente cheio do amor incondicional dos avós.

Veja um vídeo do YouTube com reações dos cazaques que assistiram ao filme.

Críticos, por outro lado, dizem que a prática resulta em trauma emocional para as crianças, que sofrem por muito tempo de abandono e outras questões. Eles argumentam que é melhor para as crianças crescerem com seus pais porque, uma vez separadas, elas terão dificuldades em se reconectar e podem se sentir solitárias quando os avós falecerem.

Além de levantar essas discussões, o filme participou e ganhou diversos prêmios em festivais internacionais. O mais impressionante foi o Tulpar Film Award na categoria melhor filme, e o Asia Pacific Screen Award na categoria melhor filme jovem. Ainda que não tenha sido indicado nem ganhado o Oscar, ele já se tornou um dos filmes mais impactantes da sua geração.

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