Além de suas praias icônicas, ritmos vibrantes de salsa e carros clássicos, Cuba lida com uma realidade preocupante. Na última década, manteve uma das taxas de encarceramento mais altas do mundo, alcançando o segundo lugar mundial em 2023, superada apenas por El Salvador. Com 794 presos por 100.000 habitantes, a população carcerária total do país é estimada em 88.849 de seus 11,19 milhões de cidadãos. Segundo organizações da sociedade civil que atuam no exterior, 1.149 desses detidos são classificados como presos políticos.
Manuel de Jesús Guillén Esplugas, prisioneiro político preso em 2021, tornou-se um foco de atenção devido à sua identidade e à sua trágica morte em 30 de novembro. Guillén Esplugas era bisneto de Nicolás Guillén, poeta nacional de Cuba, que manteve laços estreitos com os altos escalões do Partido Comunista durante a era de Fidel Castro. Apesar dessa linhagem, Guillén Espulgas tornou-se ativista de duas grandes organizações dissidentes cubanas: a União Patriótica de Cuba (UNPACU) e a Cuba Decide.
Em julho de 2021, Guillén Esplugas estava entre as centenas de milhares de cubanos que saíram às ruas para protestar por mudanças. Durante três dias, manifestações eclodiram em toda a ilha, unindo vozes nas cidades e áreas rurais pedindo liberdade e protestando contra 62 anos de governo autoritário e a piora das condições de vida.
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Este evento sem precedentes abalou a imagem do regime de apoio público inabalável. As autoridades responderam rápida e decisivamente: o acesso à internet fora cortado e as forças de segurança — policiais, militares e grupos paramilitares — foram mobilizadas para reprimir os protestos por meio de violência e prisões em massa.
Uma vez que o controle foi restabelecido, o governo impôs duras penas de prisão, punindo os manifestantes e até mesmo aqueles que transmitiram os eventos on-line. As sentenças chegaram a até 30 anos. Guillén Esplugas foi condenado a seis anos.
Na noite de 29 de novembro de 2024, policiais chegaram à casa de sua mãe em Havana para informá-la que seu filho havia morrido na prisão, supostamente por suicídio. Quando Dania María Esplugas, de 63 anos, finalmente conseguiu ver o filho, notou que as roupas dele estavam cobertas de marcas de sapatos.
Sua mãe falou corajosamente, apesar das ameaças à sua vida e do silêncio da mídia local. Em entrevistas com veículos internacionais e nas redes sociais, ela descreveu o corpo do filho como coberto de hematomas e feridas, consistentes com abuso físico.
Dania María Esplugas pediu a outras famílias de prisioneiros que superem o clima de medo do regime e se juntem a ela em protestos. “Vou sair para protestar sozinha, pelo meu filho e pelos outros”, declarou ela. Em entrevista ao influenciador cubano-americano Alex Otaola, ela disse:
Si pudiera regresar al día en que arrestaron a mi hijo por pedir la libertad de Cuba en las calles, esta vez estaría a su lado.
Se eu pudesse voltar no tempo até o dia em que meu filho foi preso para exigir liberdade para Cuba, desta vez eu ficaria ao seu lado.
Sistema penitenciário cubano e presos políticos
A alta taxa de encarceramento de Cuba e os presos políticos são tópicos sensíveis, com as autoridades muitas vezes escolhendo o silêncio. O sistema legal do país permite que indivíduos sejam detidos não por crimes reais, mas na presunção de que possam representar uma ameaça futura. Os detidos e suas famílias levantam consistentemente preocupações sobre condições desumanas — superpopulação, fome, falta de água, epidemias não tratadas e falta de acesso a medicamentos ou cuidados médicos.
As alegações, embora apoiadas por testemunhas, permanecem não verificadas por observadores externos independentes. Isso ocorre principalmente porque as autoridades cubanas recusam consistentemente o acesso às prisões a qualquer organização internacional. Além disso, a falta de uma sociedade civil independente e o controle firme do regime sobre o judiciário impossibilitam o escrutínio independente. No entanto, até mesmo prisioneiros estrangeiros expressaram preocupações semelhantes, o que confere mais credibilidade. Em 7 e 8 de junho de 2024, relatos da mídia revelaram que aproximadamente 70 prisioneiros estrangeiros declararam greve de fome para protestar contra as condições de vida em suas unidades de detenção separadas.
A Prisoners Defenders, organização sediada na Espanha que colabora com instituições europeias, acompanha de perto o caso dos presos políticos em Cuba. Seu último relatório fornece detalhes sobre os perfis desses indivíduos, revelando números perturbadores: 33 menores, 128 mulheres, 650 prisioneiros com condições médicas graves e 70 indivíduos que desenvolveram doenças mentais como resultado da prisão. Algumas das figuras mais proeminentes da oposição banida de Cuba estão entre as que sofrem sob essas condições arbitrárias. Entre eles estão José Daniel Ferrer (54 anos), Félix Navarro (71 anos), Sayli Navarro (38 anos), os artistas Maikel Osorbo (41 anos) e Luis Manuel Otero Alcántara (37 anos), entre outros.
Os presos políticos de Cuba enfrentam graves desafios físicos e psicológicos. Alguns relatam ter recebido ofertas de serviços de segurança para se infiltrar na oposição fragmentada em troca de benefícios pessoais. Aqueles que rejeitam essas ofertas enfrentam um tratamento mais severo.
As autoridades transferem os presos para prisões longe de suas famílias, restringindo o contato. Por exemplo, o principal defensor de direitos humanos José Daniel Ferrer não viu nenhum membro de sua família por dois anos. Como não são oficialmente reconhecidos como presos políticos, as autoridades fabricam acusações (como “desrespeito à autoridade“) e as colocam em celas com presos de alto risco. Há casos documentados em que prisioneiros comuns agrediram presos políticos em troca de privilégios.
De acordo com um relatório da Cubalex, uma organização civil independente, 26 presos políticos morreram sob custódia policial durante o primeiro semestre de 2024. Infelizmente, mais quatro pessoas que foram presas por participar dos protestos pacíficos em julho de 2021 morreram desde então. Em agosto, Yosandri Mulet Almarales (37 anos) morreu em um hospital de Havana após várias tentativas de suicídio; em outubro, Gerardo Díaz Alonso (35 anos), pai de dois filhos cumprindo uma sentença de 14 anos, faleceu; em novembro, Luis Barrios Díaz (37 anos) morreu depois que as autoridades atrasaram seu acesso ao tratamento médico; e em dezembro, Manuel de Jesús Guillén Esplugas (29 anos) morreu em circunstâncias oficialmente rotuladas como suicídio.
A repressão e a censura em Cuba atingiram níveis nunca vistos em décadas, mas a União Europeia se absteve de tomar medidas coordenadas para pressionar o regime. Curiosamente, Cuba mantém um número semelhante de prisioneiros políticos na Bielorrússia e na Venezuela antes das eleições de 28 de julho. Apesar disso, os líderes europeus parecem não querer impor sanções ou pressões adicionais.
Neste contexto, o presidente cubano Miguel Díaz-Canel visitou recentemente a União Europeia, reunindo-se com os chefes de governo da Bélgica, Itália, França e Portugal. Essa visita serviu como um forte lembrete aos cubanos de que eles parecem esquecidos e abandonados para enfrentar sua ditadura sozinhos.