Nota do editor: 14 de novembro é o Dia Internacional da Diabetes. Tenho uma filha com diabetes tipo 1, uma condição autoimune que, na maioria das vezes se desenvolve em crianças e jovens adultos, e que quase não possui explicação genética. Minha filha tinha nove anos quando foi diagnosticada, e por muito tempo nossas vidas ficaram divididas entre o antes e o depois. No entanto, vivemos na Europa, onde pessoas com diabetes recebem bastante assistência médica gratuita do Estado.
A história a seguir, publicada originalmente em russo pela Holod Media e traduzida pela Global Voices, conta a vida de uma jovem mulher que vive na Rússia, onde o Estado oferece praticamente nenhuma assistência, especialmente nas pequenas cidades rurais. A Global Voices está republicando este artigo, editado para concisão e clareza, como parte de um acordo de compartilhamento de conteúdo com a Holod.
Em 2023, as autoridades russas anunciaram que intensificariam a luta contra o diabetes e alocariam fundos adicionais do orçamento nacional para isso. Porém, na prática, muitas pessoas fora da capital, Moscou, que precisam gastar continuamente para gerenciar a doença, mal conseguem sobreviver. Alena, 23 anos, mora em Yelets e vive com o salário padrão de sua cidade: 25.000 rublos por mês (cerca de 250 dólares). Para conseguir se manter, ela economiza em suprimentos médicos essenciais, correndo o risco de entrar em coma diabético. As provisões gratuitas oferecidas pelo Estado aos diabéticos são insuficientes. Esta é a história de Alena, contada com suas próprias palavras, sobre como ela enfrenta a vida com diabetes na Rússia.
A história de Alena
Às vezes, tenho o mesmo pesadelo: minha última caneta de insulina quebra, e todos os hospitais estão fechados. Tenho esses pensamentos ansiosos: e se meu nível de glicose cair e eu não tiver tiras de teste ou insulina? Sento e penso: e se eu não puder trabalhar? Se eu não tiver dinheiro, o que vou fazer? O que vou comer? Como vou comprar insulina?
Vejo anúncios dizendo: “O diabetes não é mais uma doença! É um estilo de vida.” Minha avó até me ligou, dizendo que leu que o diabetes é gerenciável com insulina e uma dieta saudável. Não queria aborrecê-la, então concordei, mas senti uma indignação profunda. Frequentemente, as pessoas dizem que é fácil viver com diabetes na Rússia porque, supostamente, tudo está “disponível”. Elas não querem acreditar que nosso próspero Estado não consegue fornecer medicamentos básicos para aqueles que têm doenças crônicas.
Tinha 15 anos quando fui diagnosticada com diabetes. Já fazem 8 anos que me injeto com agulhas várias vezes ao dia. Quatro ou cinco vezes ao dia, eu injeto insulina na barriga com uma caneta especial. Também furo os dedos com uma lanceta para pegar uma gota de sangue e usar a tira de teste para medir o nível de glicose no sangue.
Desde cedo, os médicos da clínica me ensinaram que, embora as agulhas para a seringa e para as tiras de teste sejam descartáveis, você deve reutilizá-las várias vezes para economizar dinheiro. Eu ainda faço isso até hoje: uso a mesma agulha por vários dias. As agulhas ficam cegas e começam a ter dificuldade para perfurar a pele. As pontas dos meus dedos ficam duras e com crostras. Minha barriga desenvolveu caroços que impedem a insulina de ser absorvida corretamente. O efeito do hormônio faz com que muitos diabéticos desenvolvam uma barriga protuberante, eu também tenho uma, embora seja relativamente magra. Isso não aconteceu por causa da insulina em si, mas sim devido aos caroços que se formam pelas injeções. Eu aceitei, embora saiba que muitos diabéticos tentam se livrar disso com massagens e cremes, mas tento apenas escolher roupas que não fiquem apertadas na região do estômago.
Trocar a agulha a cada aplicação é muito caro, tanto para mim quanto para a maioria das pessoas com salários baixos. Um pacote com 100 agulhas de caneta custa 1.500 rublos (cerca de 15 dólares). Um pacote com 25 lancetas para glicosímetro custa 350 rublos (cerca de 3,5 dólares). E 150 tiras de teste custam 2.300 rublos (cerca de 23 dólares).
Os médicos recomendam medir o nível de glicose no sangue ao acordar e antes de dormir, antes de cada refeição e duas horas após comer. Se você não se sentir bem devido a um nível baixo de glicose, deve fazer a medição e, em seguida, medir novamente depois de tomar insulina ou comer algo doce para ver se os níveis se equilibraram. Mesmo que você não siga isso à risca, para ter uma vida normal, é necessário medir o nível de glicose de 5 a 7 vezes ao dia.
Isso é necessário para manter níveis de glicose estáveis ao longo do dia, todos os dias, pela vida toda. Comemos alimentos diferentes como qualquer outra pessoa. Ficamos doentes, experimentamos estresse que causa picos de glicose. Por isso, é importante medi-la com frequência para entender o que está acontecendo em nosso corpo, como o diabetes está progredindo e se as complicações são iminentes. As complicações podem ser graves: danos aos olhos, rins, nervos e articulações, úlceras diabéticas nos membros, entre outras.
No entanto, eu não tenho dinheiro suficiente para comprar a quantidade de tiras que preciso para viver normalmente. Compro apenas a quantidade necessária para sobreviver.
Por causa disso, muitas vezes não me baseio nos resultados dos testes de glicemia, mas em como eu me sinto. Mesmo depois de anos com diabetes, ainda é difícil perceber quando meu nível de glicose está caindo até que chegue a um nível crítico. Me sinto bem, mas então verifico e vejo que meu nível está em 2, quase entrando em coma. Já tive episódios como esse, e a recuperação leva um longo tempo. Se você não medir sua glicose regularmente, como eu, corre o risco de morrer.
Embora eu tente controlar a minha dieta, a glicose e me exercitar, ainda tenho complicações do diabetes. Os nervos das minhas pernas não funcionam bem, o que imagino ser parcialmente devido à falta de apoio do Estado aos diabéticos. É tão cansativo decidir, toda vez, se posso usar uma tira de teste para verificar minha glicose ou se preciso economizá-la para mais tarde.
Tecnicamente, as agulhas para seringas, lancetas e tiras de teste deveriam ser gratuitas. Mas nunca recebi agulhas ou lancetas da minha clínica; apenas um pacote com 50 tiras de teste por mês, o suficiente para verificar meu nível de glicose uma vez ao dia. As tiras da clínica são de baixa qualidade, então eu as substituí por um glicosímetro europeu que comprei por conta própria, minha vida vale a pena. Fico pensando: agora vou começar a ganhar mais e, finalmente, vou medir minha glicose regularmente.
Estou estudando para um mestrado em direito e trabalho como tutora freelancer. Meus ganhos são inconsistentes: nos bons meses, ganho 25.000 rublos (cerca de 250 dólares), a média da minha região, onde assistentes jurídicos ganham mais ou menos o mesmo e baristas ganham ainda menos. Sou da região central da Rússia, onde os salários são um pouco mais altos do que nos vilarejos mais rurais. Lá, os salários chegam a apenas 12.000 rublos por mês (cerca de 120 dólares). E lá também existem pessoas com diabetes.
Em 2022, o Estado russo alterou a oferta de insulina gratuita, então tive que comprar insulina por conta própria. Usava NovoRapid há anos e estava acostumada com ela, pois cada tipo de insulina age de maneira diferente. Eles trocaram para Fiasp, que funcionou bem, mas depois substituíram por uma marca russa de insulina. Li avaliações sobre ela, as pessoas disseram que causava problemas como insensibilidade ou não tinha efeito algum. Por isso, comprei insulina importada, gastando 4.000 rublos por mês (cerca de 40 dólares). Incluindo agulhas e tiras, meus gastos com a saúde somam 7.000 rublos mensais (cerca de 70 dólares), o que representa cerca de 28% do meu salário. Em março de 2024, o Estado russo cortou em 95% as compras de Fiasp, e, uma vez que o estoque atual acabe, o governo provavelmente fornecerá apenas o equivalente russo a todos os diabéticos.
A diferença entre cidades grandes como Moscou e regiões como a minha, em termos de apoio estatal para diabéticos, é imensa. Vi nas redes sociais que diabéticos em cidades conseguem tirar de teste importadas gratuitamente, enquanto eu tenho que comprá-las por conta própria, pois minha clínica não as fornece. Meus pais até ofereceram para me registrar em Moscou em busca de um tratamento melhor, mas por que eu tenho que me mudar para ter uma assistência de qualidade?
As despesas constantes obrigam muitos diabéticos a se mudar para as grandes cidades ou a fazer hora extra apenas para arcar com os gastos dos tratamentos necessários. Para mim, um luxo seria uma bomba de insulina que administra a insulina automaticamente ou um monitor contínuo de glicose que mede os níveis de glicose no sangue constantemente. Esses aparelhos são caros e não são fornecidos gratuitamente para adultos com diabetes na Rússia.
Um bom monitor de glicose custa 4.000 rublos (cerca de 40 dólares), e, por mês, custa 8.000 rublos (cerca de 80 dólares) para mantê-lo. Uma bomba de insulina de qualidade custa cerca de 300.000 rublos (cerca de 3.000 dólares), além da manutenção. Eu quero um alto padrão de vida e planejo ter um filho, o que significa que terei que ter monitoramento contínuo de glicose por nove meses, custando cerca de 100.000 rublos (cerca de 1.000 dólares). Eu preciso economizar.
Não quero ser dependente de ninguém. Quando digo à minha mãe como o Estado provê mal para os diabéticos, ela diz: “Seu pai e eu vamos ajudar, se necessário.” Mas eu digo a ela: “Você não vai poder me ajudar a vida inteira.” Eu quero que o Estado me proporcione um conforto básico.
Meu namorado, que trabalha como advogado, recentemente se ofereceu para comprar aquele monitor de glicose, mas eu disse não; não quero me acostumar com coisas boas, porque depois será difícil largá-las. Para mim, não se trata de ganhar mais ou progredir na carreira; empregos podem ser perdidos. O mais importante é conseguir mudanças nas políticas governamentais. Por isso, estou dedicando meu tempo para conversar com um jornalista, na esperança de que isso traga mais visibilidade a essa questão.