Por ocasião da Semana Mundial do Romance, que começa em 13 de outubro de cada ano, a Global Voices conversou com um grupo de romancistas argelinos que escrevem em berbere. Para esses escritores, escrever em línguas berberes reflete uma conexão profunda com a sua língua materna e o desejo de preservá-la e promovê-la.
A literatura argelina é difícil de compreender por completo devido à sua natureza multilíngue, produzida em árabe, francês e berbere, cada uma com suas próprias características literárias distintas.
Em suas respostas sobre a motivação por trás da escolha de escrever em berbere, os romancistas com quem conversamos, considerados como algumas das figuras mais proeminentes da literatura berbere da Argélia na atualidade, expressaram diversas razões pelas quais escrevem nessa língua em vez de árabe ou francês.
História da literatura berbere
Os primórdios da literatura escrita na língua berbere remontam ao período colonial, com os esforços para documentar a literatura popular oral, incluindo poesias e histórias, como aquelas feitos por Saïd Boulifa (c. 1865–1931), os “Padres Brancos“, ou oficiais franceses. O primeiro romance escrito em berbere foi publicado em 1947, sob o título “Lwali n Udhrar” (posteriormente traduzido para o inglês como “All Rags’ Journey to Sacred Heights“) por Belaid Ait Ali.
Desde então, romances e obras literárias em berbere continuaram a ser publicados, abrangendo romances, poesias, contos e teatro. Essas obras espelham frequentemente a situação geral do país, tanto por seus temas como pela frequência de suas publicações. Antes de a Argélia reconhecer o berbere como língua e cultura oficiais de sua identidade em 2016, a maioria das obras literárias produzidas nessa língua eram caracterizadas por um tom militante, tanto em forma quanto em conteúdo.
Uma língua como qualquer outra
Escrever em berbere foi um esforço para provar que essa língua, como qualquer outra, poderia ser usada para produzir literatura. Muitos romances desse período (desde o fim dos anos 1970 até o fim dos anos 1980) abordaram temas de identidade e luta.
Na fase seguinte, iniciada em 1990, foi fundado o departamento de língua berbere na Universidade Mouloud Mammeri em Tizi Ouzou e na Universidade de Bejaia, levando a estudos críticos da literatura berbere, incluindo poesia e romances.
A literatura e os romances em berbere tiveram um crescimento significativo depois que o idioma foi oficialmente reconhecido como língua nacional em 2016. Neste período, houve um aumento das publicações e prêmios literários, incluindo os oficiais que homenageavam as melhores obras escritas em língua berbere. Os escritores continuaram a escrever com um senso de dever e conexão com sua língua materna e identidade.
Autoexpressão e língua materna
Quando questionado por que escolheu escrever nessa língua, o romancista Djamel Laceb, de 55 anos, ex-professor de Física do ensino fundamental, explicou que escrever em berbere era completamente natural:
“لم أختر شيئًا… من الطبيعي أن أكتب باللغة الأمازيغية. إنها لغتي الأم التي تسمح لي بالتعبير بشكل أفضل عن مشاعري وحالتي المزاجية.”
Eu não escolhi nada…É natural escrever em berbere. É minha língua materna, e me permite expressar meus sentimentos e humor com mais precisão.
O romancista Tahar Ould Amar considera a questão em si ilógica, dizendo:
“لماذا اخترت الكتابة باللغة الأمازيغية؟ هذا السؤال طرحه عليّ أحد الصحافيين. أجبته: ‘لن تسأل رجلًا إنجليزيًا لماذا كتب بالإنجليزية، أو عربيًا لماذا كتب بالعربية.’ مما يدل على درجة الاغتراب التي أوصلتنا إليها القوى المتعاقبة، فمن الطبيعي أن أكون أمازيغيًا، وأكتب باللغة الأمازيغية.”
Por que escolhi escrever em berbere? Um amigo jornalista me perguntou isso uma vez. Eu respondi:”Você não perguntaria a um inglês por que ele escreve em inglês, ou a um árabe por que ele escreve em árabe”. Isso reflete a extensão da alienação imposta por sucessivos poderes. É natural para mim ser berbere e escrever em berbere.
Zohra Aoudia, professora de berbere no ensino médio e romancista que aborda questões femininas em sua escrita, diz que escrever em línguas berberes lhe permite expressar suas emoções sinceramente. Ela acrescenta:
“اخترت الكتابة باللغة الأمازيغية لأنها لغتي الأم، التي تسمح لي بلمس المشاعر بعمق والتعبير عن أصدق أفكاري. من خلال لغته الأصلية، يستطيع الإنسان أن يبكي ويشعر ويتحدث بكل قلبه. الكتابة بالأمازيغية هي وسيلة للحفاظ على ثقافتنا ونقل القصص بأصالة لا يمكن أن تقدمها إلا هذه اللغة.”
Escolhi escrever em berbere porque é minha língua materna, permitindo que eu me conecte profundamente com as emoções e expresse meus pensamentos mais genuínos. Por meio da língua nativa, as pessoas podem chorar, sentir e falar com todo fervor. Escrever em berbere é uma maneira de preservar nossa cultura e transmitir histórias com um nível de autenticidade que somente essa língua pode oferecer.
Preservando uma herança
Aldjia Bouhar, que escreveu um romance e uma coleção de contos em língua berbere, diz:
“أكتب بالأمازيغية، لغتي الأم، لأني أحب الكتابة بها، ولأنها اللغة التي تعلمتها من أمي. أكتب بها لأساهم في ترقيتها والحفاظ عليها، حتى تصبح مثلها مثل غيرها من اللغات.”
Eu escrevo em berbere, minha língua materna, porque eu amo. É a língua que aprendi com minha mãe. Eu escrevo nesta língua para ajudar a promovê-la preservá-la para que ela se torne como qualquer outra língua.
Este objetivo militante de promover e avançar a escrita berbere é compartilhado por Hocine Louni, poeta, romancista, tradutor, e também autônomo na publicação de livros. Ele diz:
“في البداية، هو اختيار يمكن اعتباره نوعًا من النضال. الأمازيغية هي لغتنا الأم التي تربينا عليها ونتحدث بها يوميًا. مثل كل الشعوب التي تمتلك لغتها الخاصة، لدينا لغة نرغب في الحفاظ عليها لأنها جزء من هويتنا. كما أن من واجبنا العمل على ترقيتها لتصبح مثلها مثل أي لغة أخرى. لم تحظَ الأمازيغية بحقها الكامل، فمن سبقونا لم يكن لهم الحق في الكتابة بها أو دراستها أو استخدامها في مؤسسات الدولة. لكن اليوم، من الممكن الكتابة بالأمازيغية، مثلما يكتب الياباني باليابانية أو الألماني بالألمانية، اليوم، هناك العديد من الكتاب الذين يكتبون وينشرون بالأمازيغية، وهناك أيضًا الكثير من القراء.”
Inicialmente, era uma escolha que poderia ser considerada uma forma de ativismo. O berbere é nossa língua materna, aquela com a qual crescemos e falamos em nossa vida quotidiana. Como todos os povos com suas próprias línguas, também temos uma língua e queremos preservá-la porque ela faz parte de nossa identidade e vida. Temos o dever de trabalhar pelo avanço para que ela esteja no mesmo nível de qualquer outra língua. A língua berbere não recebeu seus direitos plenos. Aqueles que vieram antes de nós não tinham o direito de escrever, estudar ou usar esta língua em instituições estatais. Mas hoje, descobrimos que é possível escrever em berbere assim como os japoneses escrevem em japonês ou os alemães em alemão. Hoje em dia, há muitos escritores publicando na língua berbere e também há muitos leitores.
Espaço para melhorias
Comentando sobre o recente crescimento quantitativo na literatura berbere, o jornalista e pesquisador Nourredine Bessadi disse à Global Voices que, embora tenha havido uma melhora quantitativa, há uma necessidade de refiná-la em termos de qualidade:
“أشكال التعبير المختلفة هي التي تضمن بقاء اللغة. لذلك يساهم التعبير الأدبي بالأمازيغية في بقاء اللغة واستمراريتها. لكن يبدو لي أن الكتابة الأدبية بالأمازيغية أصبحت في السنوات الأخيرة غاية في حد ذاتها، وغالبًا على حساب الجودة. وقد حان الوقت لظهور نقد أدبي موضوعي في مجال الأمازيغية لتمييز الأعمال الأدبية الحقيقية عن تلك التي لا تخدم سوى ملء الصفحات.”
Diferentes formas de expressão garantem a sobrevivência de uma língua. Assim, a expressão literária em berbere contribui naturalmente para a sobrevivência e continuidade da língua. No entanto, parece-me que a escrita literária em berbere tornou-se recentemente um fim em si mesmo, muitas vezes à custa da qualidade. Agora é o momento para o surgimento da crítica literária objetiva no campo da literatura berbere para distinguir obras genuínas daquelas que apenas preenchem páginas.
Ele acrescentou que o apoio estatal à escrita berbere deve ser acompanhado de estratégias para melhorar a qualidade dessas obras.
“بدأت تمويلات الكتابة التي تخصصها مؤسسات مثل المحافظة السامية للأمازيغية، والتي توزع بهدف تحفيز الكتابة بهذه اللغة، تظهر محدوديتها عندما يتعلق الأمر بجودة الأعمال المنتجة. الكتابة بالأمازيغية، نعم. الكتابة من أجل الكتابة، لا.”
O financiamento fornecido por instituições como o Alto Comissariado para o Berbere, que encoraja a escrita nesta língua, mostrou suas limitações quando se trata da qualidade das obras produzidas. Escrever em berber? Sim. Escrever por escrever? Não.