Esta reportagem foi escrita por Laura Vidal para o IFEX, um parceiro de mídia da Global Voices, e também uma rede global de organizações que defendem a liberdade de expressão.
Outubro foi um mês de intensificação de pressões contra a liberdade de expressão nas Américas, com novos processos legislativos e ameaças crescentes a jornalistas, marcando um mês difícil para o espaço civil. No Paraguai, uma lei proposta exigindo que entidades sem fins lucrativos revelem, em detalhes, registros financeiros e pessoais pode atrapalhar a livre operação da mídia independente. Na Argentina, houve um aumento de hostilidade do governo contra a imprensa, sob mandato do presidente Milei, cujos decretos restritivos e retórica inflamada fomentaram um ambiente cada vez mais hostil para os jornalistas. Enquanto isso, a nova Lei de Comunicação Social de Cuba trouxe repercussões severas para jornalistas independentes, os quais relatam sofrer ameaças, detenções e confissões forçadas sob pressão do Estado.
Paraguai: projeto de lei ameaça liberdade de imprensa
O Congresso paraguaio recentemente aprovou um projeto de lei controverso com o intuito de aumentar o controle sobre entidades sem fins lucrativos, uma medida que defensores da liberdade de imprensa alertam que pode impor restrições severas à mídia independente.
O projeto de lei que agora aguarda a decisão do presidente Santiago Peña, estabelece que todas as entidades sem fins lucrativos, incluindo aquelas que recebem financiamento externo, devem enviar os relatórios financeiros para o Ministério de Economia e Finanças. Também estabelece que ONGs divulguem listas dos colaboradores, o que pode colocar equipe e doadores em risco.
“Muitas entidades midiáticas independentes paraguaias são sem fins lucrativos e dependem de fundos obtidos por meio de doações do exterior. Essa lei as forçaria a revelar informações sensíveis sobre aqueles com quem trabalham, criando um obstáculo sério ao seu trabalho”, afirmou Cristina Zahar integrante do Comitê para Proteção de Jornalistas (CPJ), que faz parte do IFEX. Defensores da imprensa, incluindo a Coordenadora dos Direitos Humanos do Paraguai (Codehupy) instaram o presidente Peña a recusar a lei, pelos riscos que traria para a liberdade de imprensa e a participação civil.
A Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) também expressou sua preocupação. A Relatoria Especial sobre a Liberdade de Expressão advertiu que as exigências extensas do projeto de lei, como o registro obrigatório para todas as ONGs, o rastreamento detalhado de fundos e gastos, e a documentação exaustiva de atividades organizacionais vão intensificar as já existentes complicações administrativas. Também assinalou a linguagem vaga usada no projeto de lei, relacionando a condição sem fins lucrativos a termos como “utilidade pública”, “interesse social” e “interesse cultural”, o que permitiria autoridades governamentais a interpretar o acordo livremente.
A lei introduz penalidades rigorosas para a não conformidade, incluindo suspensão das atividades organizacionais por até seis meses, e a desclassificação para se ter um escritório por até cinco anos. Críticos argumentam que essas medidas punitivas podem restringir o espaço civil e dificultar as operações das ONGs, apontando estratégias autoritárias semelhantes na região usadas para controlar a sociedade civil, presentes em Cuba, Nicarágua e Venezuela.
Tensões contra a imprensa aumentam na Argentina
Desde que Javier Milei assumiu como presidente da Argentina, o antagonismo contra a imprensa tem aumentado. Milei tem atacado repetidamente jornalistas que criticam sua administração, usando as oportunidades que tem para dispensá-los e repreendê-los. Essa abordagem gerou preocupação entre funcionários de mídia e organizações de imprensa, pois isso indica uma mudança para uma maior intolerância por parte do governo a notícias que o criticam.
Esses agravamentos seguem outros eventos recentes importantes. Um deles foi o decreto controverso 780/2024, que introduziu emendas limitando o acesso à informação pública, usando linguagem ambígua e concedendo permissão para autoridades reterem informações que citem esses termos. Anteriormente, em julho, o Fórum de Jornalismo Argentino (FOPEA), integrante do IFEX, relatou que operadores digitais que têm ligação com o governo lançaram uma campanha de difamação contra a mídia independente.
Considera-se que essa hostilidade, que tem o notório respaldo do próprio Milei, não tem precedentes, dado o pouco tempo que está no cargo. Então, no fim de setembro, a retórica agressiva de Milei alcançou novos patamares quando ele incitou publicamente multidões a insultarem jornalistas durante uma festa. O FOPEA expressou sua preocupação, declarando, “Incitar pessoas a insultarem jornalistas publicamente não só é uma expressão de intolerância, como também é uma estratégia que prejudica os princípios democráticos”.
Pedro Vaca, relator especial da CIDH, refletiu as preocupações do FOPEA: “Uma coisa é um desacordo, outra coisa é uma voz oficial promover ou dar início a atos de violência. As vozes do Estado nunca deveriam ser o ponto inicial para um ambiente que permita a violência”.
O meio de ataque preferido de Milei tem sido a plataforma X (antigo Twitter), no qual ele frequentemente critica jornalistas e detratores. Ele raramente realiza coletivas de imprensa e só ocasionalmente entra em contato com figuras da mídia com as quais é favorável. O analista político Óscar Romano, em uma conversa com France 24, comentou sobre o estilo de Milei, destacando como figuras da nova direita empregam um tipo de comunicação “direta, explícita e visceral”, usada com frequência na mídia social para transmitir declarações impactantes e afirmações chamativas que ressoam com a sua audiência e geram engajamento.
Nova Lei de Comunicação Social de Cuba
A nova Lei de Comunicação Social de Cuba, que entrou em vigor em 4 de outubro, desencadeou uma onda de repressão severa direcionada a jornalistas independentes que trabalham fora dos meios oficiais. Os jornalistas afirmaram sofrer assédio, ameaças e acusações de mercenarismo, acusação sob o Artigo 143 do Código Penal introduzido em 2022 e define pena de 4 a 10 anos de prisão. As autoridades alegam que esses jornalistas recebem fundos do exterior para cometer atos que ameaçam a ordem constitucional.
“O regime cubano, sem demora, lançou uma nova onda de repressão, que pode ser qualificada como terrorismo de Estado”, disse Normando Hernández, diretor-geral do Instituto Cubano para a Liberdade de Expressão e Imprensa (ICLEP), à LatAm Journalism Review. Ele acrescentou que o objetivo é claro: “infundir terror, forçá-los a abandonar seu trabalho informativo e adverti-los, por meio de ameaças e coerção, de que a nova lei é mais um instrumento para encarcerá-los”.
Os membros do IFEX ARTICULO 19 e da Repórteres sem Fronteiras documentaram os padrões perturbadores de interrogatórios de jornalistas. Eles são submetidos a abusos verbais e pressionados a assinarem declarações ou gravarem confissões por vídeo, admitindo o envolvimento com projetos alegadamente financiados por fontes estrangeiras. Essas confissões, que tendem a serem transmitidos em mídia controlada pelo Estado – uma camada a mais de humilhação – também são feitas sob ameaça de prisão ou ameaças contra suas famílias, entes queridos, ou outras pessoas em suas redes de contato. Os indivíduos ameaçados são forçados a escolher entre serem rotulados como réus, ou como testemunhas de Estado, com provas, adquiridas com as confissões forçadas, sendo usadas para corroborar as acusações criminais.
Os meios digitais de comunicação independentes da região, incluindo El Toque, Cubanet, Periodismo de Barrio e Magazine AM:PM, relataram prisões arbitrárias, interrogatórios ilegais, ameaças de processos criminais e confisco de equipamentos pessoais ou de trabalho. Outros membros do IFEX, incluindo CPJ, a Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP) e diversas organizações dos direitos humanos condenaram esses atos, advertindo que a Lei de Comunicação Social representa uma nova ferramenta para o governo cubano conter a liberdade de expressão e restringir o acesso à informação.