
Ilustração: Imagem gerada através do programa de inteligência artificial generativa Midjourney, por David Orjuela, engenheiro colombiano de prompt de geração de imagem
Este é um excerto de um artigo escrito por María Camila Botero Castro, Francisca López Molina e Johan Alexander Sanabria Restrepo, publicado pela primeira vez no Distintas Latitudes em 26 de maio de 2023. A Global Voices republicou este artigo como parte de um acordo de parceria de mídia.
El impacto de la Inteligencia Artificial (IA) en la humanidad es incuestionable. Desde la automatización de tareas repetitivas hasta el desarrollo de vehículos autónomos, la IA ha demostrado su capacidad para transformar la forma en que trabajamos y vivimos. Al mismo tiempo, ha planteado serias preguntas sobre su efecto en el futuro de los empleos, la privacidad y la ética.
O impacto da Inteligência Artificial (IA) na humanidade é inquestionável. Desde a automação de tarefas repetitivas até o desenvolvimento de veículos autônomos, a IA tem demonstrado sua capacidade de transformar a forma como trabalhamos e vivemos. Ao mesmo tempo, tem levantado sérias questões sobre seu efeito no futuro do emprego, da privacidade e da ética.
O texto acima foi originalmente escrito (e também traduzido do original) pelo Chat GPT. Trata-se de um modelo de linguagem de grande escala que a organização OpenAI, dos EUA, desenvolveu para gerar respostas coerentes em questão de segundos. Mas como funciona exatamente essa ferramenta, que parece ser mágica?
As plataformas de IA são alimentadas por dados. Quando mais dados tiverem, mais preciso será o resultado produzido. E não estamos falando de um ou dois conjuntos de dados, e sim de bilhões deles! Para que o Chat GPT pudesse escrever apenas o primeiro parágrafo deste artigo, teve de consultar 175 bilhões de variáveis de dados. No entanto, o dilema aqui é quem fornece esses dados, e sob quais condições.
“Trabalho fantasma”
Álvaro Montes, diretor de conteúdo colombiano de inteligência artificial da Prisa Media, explicou que, para a IA funcionar como a conhecemos, primeiro ela precisa ser treinada por humanos. Esse trabalho, chamado de rotulagem de dados, envolve analisar e classificar informações de forma que o algoritmo da IA possa aprender através dele. As tarefas mais comuns são reconhecimento de voz e imagem, transcrição de texto e ditado de palavras.
De acordo com Montes, “plataformas de inteligência artificial não pensam como seres humanos; em vez disso, usam ‘raciocínio’ matemático. Essas plataformas comparam pixels, bordas e formatos de olhos”. Por exemplo, elas precisam ter visto milhões de fotos de gatos e cachorros antes de poder diferenciar entre os dois animais.
Allan González é uma das pessoas que deram sua contribuição a esse mar de informações, tornando a inteligência artificial inteligente. Durante um ano e meio (começando em 2019), ele trabalhou para a plataforma de microtarefas Spare5, analisando imagens de ruas, avenidas, pedestres e placas de trânsito, para o treino de veículos autônomos.
“Era meio que nem trabalho escravo”, relembra.
Allan ficava sentado em frente à tela do seu computador o dia inteiro, analisando essas imagens. O limite de tempo para completar cada tarefa ficava entre cinco e 20 minutos. Caso extrapolasse esse limite, não seria pago. Ele então descreve o que fazia ali como a “mão de obra barata que alimenta a IA”.
Montes concordou:
Estos trabajos se hacen en Venezuela, Colombia o países de África y Asia porque, como son labores no calificadas que no requieren ningún tipo de estudio, pueden pagar barato.
Esse trabalho costuma ser feito na Venezuela, na Colômbia ou em países africanos e asiáticos, pois é um trabalho não qualificado e que não necessita de capacitação, então é possível pagar pouco por ele.
“Com o capitalismo, tudo acaba terceirizado”, acrescentou Montes. Essa indústria não é exceção. Os distintos desenvolvedores do Vale do Silício costumam repassar tarefas de rotulagem de dados em subcontratação para empresas que, posteriormente, subcontratam outras empresas para a conclusão dessas tarefas. A terceirização dificulta a sindicalização. Com isso, exigir melhores condições de trabalho e o fim de práticas antiéticas se torna um desafio.
De acordo com uma investigação da revista bimestral MIT Technology Review, “até meados de 2018, estima-se que 200.000 venezuelanos tenham se registrado em plataformas de microtarefas, como a Spare5 e a Hive Micro, representando 75% da força de trabalho dessas plataformas”.
Os trabalhadores dessas empresas vêm, em sua maioria, de países da maioria global. Todos os testemunhos da plataforma Remotasks vêm do Quênia, Vietnã, Filipinas e Venezuela.
Segundo a DignifAi, empresa dos EUA sediada na Colômbia, que oferece serviços de rotulagem de dados, os outros países latino-americanos que mais fornecem mão de obra além da Venezuela são Colômbia, Argentina, Panamá e Chile.
Essas empresas insistem que estão gerando empregos e apoiando seus trabalhadores. Entretanto, a investigação do MIT concluiu que os rotuladores de dados dessas empresas são mal pagos (aproximadamente US$ 2 por hora), não recebem benefícios sociais e trabalham em condições precárias, sem qualquer garantia de estabilidade empregatícia.
Outros especialistas, como a antropóloga Mary L. Gray e o cientista social Siddharth Suri, vêm alertando que a saúde mental dos rotuladores de dados também sofre, devido à exaustiva jornada de trabalho em serviços de curto prazo e com alta rotatividade.
Ainda que Allan não tenha lidado com nenhuma imagem traumatizante, ele realizou outras tarefas exaustivas, tanto mental quanto fisicamente.
Yo decía: ‘me estoy embruteciendo aquí dándole clic a la computadora’. Es un trabajo completamente repetitivo y sin ningún tipo de crecimiento.
Eu falava: ‘estou embrutecendo de tanto ficar clicando em coisas nesse computador’. O trabalho é tremendamente repetitivo e não oferece crescimento nenhum.
“Dadas as circunstâncias desafiadoras na Venezuela naquela época”, Allan decidiu entrar para a rotulagem de dados, já que o pagamento era em dólares americanos. Ele recebia entre 50 centavos a US$ 1 por tarefa, a depender da dificuldade. Ainda assim, ele ganhou mais que o salário médio do seu país. Ele afirmou:
El sueldo mensual en Venezuela era de 30 dólares, así que en un día podía hacer lo que otros hacían en un mes.
O salário mensal na Venezuela era de US$ 30, então em um dia era possível ganhar o que os outros ganhavam em um mês.
Por todas essas razões, a investigação do MIT também concluiu que a rotulagem de dados não é uma fonte de emprego confiável, mas sim mais uma forma de exploração do trabalho. Inclusive afirma que “a IA está criando uma nova ordem mundial colonial”.
Como podemos melhorar as condições de trabalho dos rotuladores de dados?
Entretanto, há empresas que afirmam oferecer condições de trabalho diferentes. Uma dessas é a DignifAI, que emprega principalmente migrantes venezuelanos e colombianos que viviam na Venezuela.
De acordo com María Garcés, que na época desta entrevista era chefe de operações na DignifAI, uma das garantias que a empresa dá aos empregados é um “salário digno”.
“Se olhar nas estatísticas da indústria de rotulagem, vai ver que os salários ficam abaixo de US$ 1 por hora. Queríamos fazer as coisas de um jeito diferente, e, a depender da tarefa, nosso salário fica entre US$ 2 e US$ 20 por hora”. Ela explicou que a DignifAI “sempre paga pelo menos 30% acima do salário mínimo mensal dos países latino-americanos”, mas não paga benefícios sociais aos rotuladores.
Os projetos da DignifAI vão de moderação de conteúdo a análise de sentimentos e linguagem tóxica, tarefas que María descreve como “bem comuns na inteligência artificial. Aqui, você muitas vezes vai ter que olhar pra imagens chocantes, ou ler textos racistas e homofóbicos”.
Para reduzir o impacto negativo à saúde mental dos empregados, María diz que a DignifAI fornece a eles apoio psicológico, e também deixa assistentes sociais à disposição. Ela também diz que os empregados são treinados em outras áreas, como marketing digital, empreendedorismo, gestão de comunidades e finanças profissionais e pessoais.
Ingrid Hernández é uma funcionária dessa empresa. Ela ingressou como rotuladora de dados no fim de 2022, antes de se tornar supervisora de projetos de análise de sentimentos com base em texto, em fevereiro de 2023. Antes desse trabalho, Ingrid era professora de língua e literatura na Venezuela. Porém, a situação em seu país de origem a forçou a migrar para a Colômbia em busca de oportunidades melhores.
Embora Ingrid não tenha conseguido praticar sua profissão diretamente, ela tem aplicado parte do seu conhecimento às análises de texto na DignifAI. Sendo assim, ela está satisfeita com suas condições de trabalho.
Solo se trabaja cuatro horas al día y, por lo menos en el caso de los anotadores, se gana más de lo que se estaría ganando en cualquier otro lugar por medio tiempo.
Trabalham-se apenas quatro horas por dia, ao menos no caso dos anotadores de dados, e ganha-se mais do que em qualquer outro lugar do mundo num trabalho de meio período.
Para María, todas as empresas de rotulagem precisam melhorar as condições financeiras de seus anotadores.
La industria está despertando hacia la ética de la inteligencia artificial, porque están en el ojo del huracán. Estamos en un buen momento para seguir haciendo ruido y dar a conocer la vida de estas personas que están al final de la escalera, para que se den esos cambios que se necesitan.
A indústria está acordando para a ética da inteligência artificial, pois estão no olho do furacão. Estamos num bom momento para continuar fazendo barulho e dar visibilidade à vida dessas pessoas que estão na base da pirâmide social, para que ocorram as mudanças necessárias.
Embora Álvaro Montes concorde, ele acredita que o problema real é que a América Latina é uma região que está observando a Quarta Revolução Industrial de forma passiva. Ele afirmou:
El problema no es solo resolver la situación laboral de estos migrantes venezolanos que etiquetan fotos. Claro, eso es lo justo, pero tenemos que salir del rol de consumidores para convertirnos en el Thor de la tecnología.
O problema não é só atender à condição laboral desses migrantes venezuelanos que rotulam fotos. Claro que ela não é justa, mas precisamos sair da lista de consumidores e nos transformarmos no Thor da tecnologia.
Ele crê que fazer isso resolveria o problema fundamental, criando empregos qualificados que iriam contribuir para o crescimento da região.
¿Queremos ser un continente que desarrolle tecnología y que tenga muchos ingenieros, técnicos, tecnólogos, matemáticos y científicos?, ¿o queremos repartidores de pizza y etiquetadores de datos bien pagados?
Queremos ser um continente que desenvolve tecnologia, cheio de engenheiros, técnicos, tecnólogos, matemáticos e cientistas? Ou queremos entregadores de pizza e rotuladores de dados bem pagos?
Para Montes, a resposta está em fortalecer a inovação e assegurar a soberania tecnológica; em deixar de ser um importador de tecnologia para se tornar um produtor dela.