Os países insulares de Vanuatu, Fiji e Samoa requisitaram formalmente à Corte Criminal Internacional (ICC) para que o termo “ecocídio” seja incluído como crime coberto pelo órgão.
Baseado em suas propostas, ecocídio é definido como “Atos ilegais ou injustificáveis cometidos com o conhecimento da possibilidade considerável de danos severos e em larga escala ou a longo prazo ao meio ambiente causados por tais atos.”
A proposta vem enquanto os países insulares do Pacífico enfrentam uma ameaça única e incomparável devido a atual Crise Climática. Enquanto a Organização Meteorológica Internacional (WMO) reconheceu em um comunicado a imprensa em agosto de 2024, “Uma ameaça tripla com o aceleramento do aumento do nível do mar, aquecimento e acidificação dos oceanos estão colocando as ilhas do Pacífico em perigo, que enfrentam ameaças a sua viabilidade socioeconômica e a sua própria existência devido as mudanças climáticas.”
Se a ICC aceitar a petição, líderes governamentais e chefes de corporações acusados de causarem poluição com impunidade podem ser responsabilizados por ecocídio.
A ideia foi primeiramente levantada por Vanuatu durante a Assembleia de Estados membros da ICC em 2019. Ela dizia que a decisão da ICC “de fortalecer a lei internacional para proteger nossa herança em comum e o meio ambiente pode ser nosso legado em conjunto.”
Odo Tevi, Representante Permanente de Vanuatu para as Nações Unidas, reafirmou a necessidade de reforma nas regras da ICC já que elas cobrem crimes ambientais somente em tempos de conflito.
Reckless destruction of nature can and does take place at any time, not just during conflict. If we want to inhabit and inherit a livable planet, we must act now.
We must recognise the dire threat and dire consequences of severe environmental destruction wherever and whenever it occurs.
Destruição descontrolada da natureza pode e ocorre a qualquer hora, não só durante conflito. Se nós quisermos habitar e herdar um planeta habitável, devemos agir agora.
Temos que reconhecer a ameaça e consequência sérias da destruição ambiental severa quando e onde ela ocorrer.
Tevi explicou a urgência de tornar ecocídio um crime internacional.
The recognition of ecocide as a crime sends a powerful message: the destruction of nature will no longer go unpunished. This is about holding those responsible for environmental destruction accountable, whether they are governments, corporations, or individuals.
Environmental damage is often overlooked until it begins to affect humans. But by then, it’s often too late. We need to act now to ensure the long-term protection of ecosystems and prevent irreversible damage.
O reconhecimento do ecocídio como crime manda uma mensagem poderosa: a destruição da natureza não mais ficará impune. É sobre responsabilizar os culpados de destruição ambiental, sejam eles governos, corporações ou indivíduos.
Destruição ambiental é frequentemente ignorada até que comece a afetar humanos. Mas ai, muitas vezes já é tarde demais. Precisamos agir agora e garantir proteção a longo prazo dos ecossistemas e prevenir danos irreversíveis.
Ralph Regenvanu, Enviado Especial para Mudanças Climáticas e Meio ambiente de Vanuatu, resumiu a posição dos pequenos países insulares sob o efeito do aumento do nível dos mares e outras consequências graves da mudança climática.
Environmental and climate loss and damage in Vanuatu is devastating our island economy, submerging our territory, and threatening livelihoods. This tragedy is not unique to Vanuatu but is shared by many small island nations that, despite bearing the least responsibility for the crisis, suffer most from its impacts.
Perdas e danos ambientais e climáticos em Vanuatu são devastadoras para a economia de nossa ilha, submergindo nosso território e ameaçando vidas. Essa tragédia não só à Vanuatu e sim compartilhada por muitos outros países insulares pequenos que, apesar de serem menos responsáveis pela crise, sofrem mais com os impactos.
O juiz da Suprema Corte de Samoa, Vui Clarence Nelson, disse durante uma entrevista a LawNews sobre a necessidade de ações em vez de simplesmente falar sobre a mudança climática.
This country has taken the view that to help protect the environment we need to push for the inclusion of ecocide in the ICC statute as a criminal offence. The thinking being that if you criminalise it, you make the larger nations, who are the major emitters, responsible for their actions.
There’s frustration, clear frustration, at how there’s been a lot of talk but not a hell of a lot of action. Certainly our government has expressed that very strongly on the international stage and that position is shared by a lot of the Pacific island nations.
This would give momentum to climate action. Momentum’s something that’s very important to something like this – beginning to get a bit of traction and keeping it going.
Esse país assumiu o ponto de vista de que para proteger o meio ambiente precisamos pressionar a inclusão do ecocídio no estatuto de ofensas criminais da ICC. A linha de raciocínio é de que se você criminalizá-lo, fara com que nações maiores, que são as maiores emissoras, responsáveis por suas ações.
Existe frustração, clara frustração, em como houve tanta conversa, mas quase nenhuma ação. Certamente nosso governo tem se expressado fortemente no cenário internacional e esse posicionamento é compartilhado por muitos países insulares do Pacífico.
Isso daria um impulso a ação climática. Impulso é algo muito importante para algo assim, começando por ganhar um pouco de tração e continuando assim.
Os estudiosos Nathan Cooper e Leilani Tuala-Warren da Universidade de Waikato encorajam a Nova Zelândia à apoiar a proposta de seus vizinhos no Pacífico.
The crime of genocide was adopted in 1948 as a result of the horrors of the second world war, and much work was necessary to define and delimit it. Faced with an array of existential threats from ecological crises, it is timely that an ecological crime has been proposed.
Aotearoa [New Zealand] was the first country in the world to give a river the legal status of a person. It should now follow that we support this proposal to criminalise ecocide, for the sake of our own environment and that of our neighbours.
O crime de genocídio foi adotado em 1948 como resultado dos horrores da segunda guerra mundial, e muito trabalho foi necessário para defini-lo e delimita-lo. Confrontados com um conjunto de ameaças existenciais de crises ecológicas, está na hora de um crime ecológico ser proposto.
Aotearoa (Nova Zelândia) foi o primeiro país do mundo a dar a um rio o status legal de uma pessoa. Com isso, deve-se supor que apoiamos a proposta de criminalizar ecocídio, pelo bem de nosso próprio meio ambiente e de nossos vizinhos.
Jojo Mehta, cofundador e CEO da Stop Ecocide International, a destacou a importância legal de incluir o ecocídio entre os crimes sob a jurisdição da ICC.
By establishing legal consequences, we create a guardrail that compels decision-makers to prioritise safety for people and planet, fundamentally altering how they approach their obligations. We also create a route to justice for the worst harms, whether they occur in times of conflict or in times of peace.
Ao estabelecer consequências legais, criamos uma barreira que obriga tomadores de decisão a priorizarem a segurança da população e do planeta, fundamentalmente alterando como eles abordam suas obrigações. Nós também criamos um caminho para a justiça para os maiores males, quer eles ocorram em tempos de conflito ou paz.
Recentemente, alguns países introduziram proteções contra ecocídio em suas leis domésticas, como a Bélgica, Chile e França.
O estudioso Daniel Bertram apontou os desafios em convencer os membros da ICC a aceitarem a proposta de Vanuatu, Samoa e Fiji. Ele relembrou aos defensores da causa de persuadir diversos acionistas, incluindo Estados membro da ICC, a apoiarem a petição para tornar o ecocídio um crime internacional.
Ecocide’s prospects at success, then, hinge on a so far largely silent majority. It is this silent majority that supporting states and ecocide advocates in civil society and academia will have to sway. The outcome is far from certain. States may either decide to kill the proposal once and for all, to take it forward and mold it in line with their own expectations.
Perpectivas de sucesso do ecocídio depende de uma maioria até então silenciosa. É essa maioria silenciosa que estados apoiadores e ativistas do ecocídio terão que convencer. O resultado está longe de ser decidido. Estados podem decidir rejeitar a proposta de uma vez por todas, levá-la a diante ou moldá-la de acordo com suas próprias expectativas.
Outra grande preocupação na campanha é o fato de que países com o histórico de maiores emissões de gases do efeito estufa, como os Estados Unidos, Rússia e China, não são afiliados da ICC.