Imagem de Arzu Geybullayeva

Grande parte da Turquia acordou no dia 2 de agosto com a notícia de que uma das redes sociais mais populares do país, o Instagram, havia sido bloqueado pela autoridade de comunicação do país. Segundo os relatos, a rede social foi bloqueada depois que o diretor de comunicação turco Fahrettin Altun criticou a plataforma por censurar mensagens de condolências pela morte de Ismail Haniyeh, o líder do Hamas, grupo de Resistência Islâmica que governa o território palestino de Gaza. Altun disse:

I also strongly condemn the social media platform Instagram which is actively preventing people from posting messages of condolences for the passing of Hamas leader Haniyeh without citing any policy violations. This is censorship, pure and simple.

Eu também condeno veementemente a plataforma de rede social Instagram que está ativamente impedindo as pessoas de publicarem suas mensagens de condolências pela morte do líder do Hamas, Haniyeh, sem citar qualquer violação de políticas. Isso é uma tentativa de censura clara e evidente.

A Turquia vê o Hamas como um movimento de resistência, em vez de uma organização terrorista, e há muito tempo fornece apoio material ao grupo e à sua liderança.

No dia 31 de julho, Haniyeh foi supostamente morto no Irã após uma tentativa de assassinato. O presidente turco Recep Tayyip Erdoğan condenou o assassinato em uma declaração contundente no X, antigo Twitter, chamando-o de um “assassinato desleal” e “uma tentativa abominável de prejudicar a Causa Palestina, a gloriosa resistência de Gaza e a justa luta dos nossos irmãos palestino, visando desmoralizá-los, intimidá-los e reprimi-los”. Ele também declarou o dia 2 de agosto como o dia nacional do luto em homenagem a Haniyeh.

Altun acusou Israel de devastar a região e causar mais conflitos por meio do assassinato e ações secretas que visam acabar com qualquer chance de paz. O assassinato de Ismail Haniyeh é o exemplo mais recente de terrorismo promovido pelo governo, em clara violação da soberania estatal de outro país.

No dia 2 de agosto, dia nacional do luto, a Turquia bloqueou o acesso ao Instagram. Uma fonte de código aberto sobre censura na internet ao redor do mundo, o OONI Explorer, confirmou o bloqueio:

Imagem da página da OONI Explorer confirmando o bloqueio do Instagram na Turquia a partir de 2 de agosto de 2024

Em resposta ao bloqueio, o professor de direito e especialista em temas de liberdade na internet na Turquia, Yaman Akdeniz, tuitou:

Güne Instagram platformunun erişime engellenmesi ve sansürlenmesiyle başlıyoruz. Gerekçesi milli güvenlik ve kamu düzeninin korunması. / Access to Instagram platform has been blocked from Turkey as of this morning. https://t.co/TSppZrQQ3w

— Yaman Akdeniz (@cyberrights) August 2, 2024

Estamos começando o dia com acesso bloqueado e censura da plataforma Instagram. Os motivos para o bloqueio são de segurança nacional e ordem pública.

Akdeniz também disse que a decisão foi “arbitrária”, acrescentando que a decisão de bloquear a plataforma provavelmente foi tomada pelo presidente ou por um dos ministérios. De acordo com a legislação vigente, um juizado de paz deve aprovar qualquer bloqueio de site antes de sua execução. No entanto, nenhuma aprovação desse tipo foi emitida no momento que este texto estava sendo escrito.

Horas após o bloqueio, uma autoridade que falou ao portal de notícias Medyascope relatou que as declarações de Altun não eram a razão pela qual a plataforma foi bloqueada. Eles alegaram que a decisão já estava demorando para ser tomada, devido à falha da plataforma em cumprir as exigências do Estado em várias questões, incluindo infrações contra a segurança nacional e a ordem pública, abuso infantil, incentivo ao suicídio, apostas ilegais, entre outras. O Ministro dos Transportes e Infraestrutura da Turquia, disse que, apesar de o governo ter alertado a plataforma em várias ocasiões, ela se recusou a cumprir as exigências do Estado. “Estamos em contato com o [Instagram]. Assim que cumprirem as exigências, suspenderemos a proibição”, disse o ministro em uma declaração no dia 2 de agosto.

O bloqueio da famosa plataforma gerou muitas críticas on-line. O jornalista Mehmet Emin Kurnaz tuitou:

Yeter artık. Bizim adımıza Heniye için yas tutar, keyfine göre Heniye için instagram kapatır, sabah Haniye, akşam Haniye diye ağlar sızlarlar. Sizi İsraille ticaretten vazgeçirmek için bile 30 takla attık, başaramadık. Gidin kimin yasını tutarsanız tutun bizi niye zorluyorsunuz.

— Mehmet Emin Kurnaz (@m_emin_kurnaz) August 2, 2024

Já chega. Eles lamentam a morte de Haniye em nosso nome, bloqueiam o Instagram por Haniye como querem, choram por Haniye de manhã e à noite. Tentamos 30 vezes dissuadi-los de fazer negócios com Israel, mas falhamos. Vão e lamentem por quem quiserem, por que estão nos forçando?

O escritor Abdullah Naci tuitou:

ülkeyi 17 yaşındaki kanzi kafasıyla yönetiyorlar. ne devlet aklı kaldı, ne yasa, ne teamül. bir gece ansızın gelebiliriz diye atar yapıyorlar, canları sıkılınca instagram'ı kapatıp trip atıyorlar dünyaya.

— abdullah naci (@abdullahnaci) August 2, 2024

Eles governam o país com a mentalidade de um kanzi de 17 anos [um bonobo macho]. Não existe mais noção de estado, nem leis, nem costumes. Eles ameaçam agir durante noite e, quando ficam entediados, desativam o Instagram e ficam de mau humor.

A referência de Naci a uma invasão durante a noite vem da recente ameaça do presidente Erdoğan de entrar em Israel durante a noite para acabar com o conflito em Gaza em 28 de julho, o que desencadeou uma pequena crise diplomática entre a Turquia e Israel.

Outro jornalista, Fatih Altayli, também comentou, escrevendo no X que, ao bloquear o acesso ao Instagram, as autoridades alcançaram uma “nova dimensão de censura e pressão sobre a mídia”.

O prefeito de Istambul, Ekrem İmamoğlu, em uma transmissão ao vivo no X, disse, “Limitar o acesso a plataformas de mídia social sufoca a livre expressão e impede o fluxo de informações”.

Enquanto isso, o Presidente Erdoğan desejou a todos uma “sexta-feira abençoada” em sua conta pessoal do Instagram, no entanto, a postagem foi excluída pouco tempo depois:

Instagram'ın kapatıldığı gün Cumhurbaşkanı Erdoğan'ın hesabından Hayırlı Cumalar storysi paylaşıldı pic.twitter.com/pwzngP2SFj

— nevsin mengu (@nevsinmengu) August 2, 2024

No dia em que o Instagram foi bloqueado, o presidente Erdoğan compartilhou uma story em sua conta do Instagram desejando a todos uma sexta-feira abençoada.

O BTK e seus poderes

Em 2000, o governo turco criou a Autoridade de Telecomunicações, “para desempenhar as funções de regulação e supervisão no setor de comunicação eletrônica”. A agência foi reestruturada em 2008, adotando um novo nome: A Autoridade de Tecnologias da Informação e Comunicação (BTK). Ela opera sob o Ministério dos Transportes e Infraestrutura.

Em 2016, após a tentativa de golpe de estado fracassada, a Turquia fechou o Departamento de Telecomunicações e Comunicações (TİB), o principal censor da internet do país, e transferiu toda a sua autoridade para o BTK.

O TİB foi criado em 2005 com o principal objetivo de centralizar “a supervisão das comunicações e a execução de mandados de interceptação de comunicações”.

Após o golpe, as autoridades alegaram que o “TİB foi usado como um centro para o FETÖ [Organização Terrorista de Fethullah Gulen ] para fins de vigilância e escuta telefônica”.

Assim, com seus novos poderes, o BTK passou de um órgão regulador para uma autoridade com poderes de vigilância que incluíam “a autoridade para tomar quaisquer medidas que considerar necessárias para manter a ‘segurança nacional e a ordem pública; prevenir crimes; proteger a saúde pública e a moral pública; ou proteger os direitos e liberdades’ e informar operadores, provedores de acesso, centros de dados, provedores de hospedagem e provedores de conteúdo sobre a referida medida, que devem então tomar providências dentro de duas horas”.

No mesmo ano em que as autoridades fecharam o TİB, o país adotou a Lei nº 6.698 sobre a Proteção de Dados Pessoais, que proíbe o processamento ou armazenamento de dados pessoais sem o consentimento do titular. No entanto, havia algumas exceções à lei, nas quais esses dados poderiam ser processados e armazenados se fosse uma questão de segurança nacional. Assim, a lei estabelece que, no “processamento de dados pessoais no âmbito de atividades preventivas, protetoras e de inteligência realizadas por instituições e organizações públicas devidamente autorizadas e designadas para manter a defesa nacional, a segurança nacional, a segurança pública, a ordem pública ou a segurança econômica”, a Lei de Proteção de Dados não se aplica. Além disso, três novos decretos permitiram a interceptação de qualquer dado da internet sem uma ordem judicial ou supervisão, de indivíduos supostamente ligados ao golpe.

De acordo com o relatório mais recente sobre Censura na Internet produzido pela plataforma Free Web Turkey, “o acesso a 219.059 URLs, incluindo 197.907 nomes de domínio, foi bloqueado na Turquia em 2023. Enquanto o número de notícias bloqueadas foi de 14.680, as notícias mais bloqueadas foram sobre corrupção e irregularidades”. Além disso, de acordo com as conclusões do relatório, 5.641 postagens nas redes sociais e 743 contas das redes sociais também foram removidas ou banidas.

A Turquia tem uma longa história e tradição de bloqueio de conteúdo ou limitação do acesso à internet. Mais recentemente, em 12 de julho, o acesso à plataforma de histórias WattPad foi bloqueada sem que fossem citadas razões para o bloqueio. Em dezembro de 2023, o BTK impôs uma proibição de acesso a 16 provedores de VPN. Após os devastadores terremotos de fevereiro de 2023, o acesso ao Twitter e ao TikTok foi temporariamente limitado. O país é classificado como “não livre” no relatório anual Freedom on the Net publicado pela Freedom House.