Essa reportagem de Hillary Leung foi originalmente publicada na Hong Kong Free Press (HKFP) em 6 de julho de 2024. Uma versão editada foi publicada sob um acordo de parceria de conteúdo.
O salão de banquetes do Hotel Eaton em Hong Kong já viu inúmeras celebrações de casamento, porém, nunca uma como essa: não houve apenas um casal recém-casado, e sim 10, a cerimonialista não apareceu presencialmente, foi em uma tela, através do Zoom, seu fuso horário no estado americano de Utah a deixou com 14 horas de atraso em relação à cidade.
Parados abaixo de um arco de flores com as palavras “Orgulho em Casar”, os recém-casados trocaram votos e discursaram aos seus parceiros, um de cada vez. Alguns secavam lágrimas dos olhos ao falar. Há metros do palco, amigos e familiares seguravam o celular para capturar o momento.
“Dez anos atrás, nos conhecemos em uma igreja aberta a pessoas gays… nos conhecemos no lugar certo. Fizemos muitas coisas felizes, muitas coisas malucas. Ele me trouxe muita felicidade e memórias maravilhosas”, um homem disse sobre o seu parceiro.
A cena foi uma celebração de amor e diversidade em uma cidade na qual o casamento entre pessoas do mesmo sexo não é reconhecido. Meses atrás, a empresa de planejamento de casamentos Next Chapter abriu uma chamada para casais LGBTQ+ que gostariam de se casar em um evento que marcaria o Mês do Orgulho, com toda a organização sendo custeada pela empresa.
Os tais “casamentos à distância” são um dos oferecimentos da empresa, uma alternativa a ter que viajar para um país onde o casamento gay é legal. As cerimônias são feitas virtualmente por uma cerimonialista de Utah, e não exige moradia ou cidadania para emitir uma certidão de casamento.
“Em três semanas, tivemos mais de 35 inscrições para o evento”, Kurt Tung, que fundou a empresa com sua esposa, explicou em cantonês. “Temos pessoas de várias partes do espectro. Queremos que as pessoas saibam que não há só pessoas gays aqui. Também tem pessoas trans, e algumas que são pansexuais.”
‘Mais do que um pedaço de papel’
Ativistas LGBTQ+ em Hong Kong já lutam pelos direitos da comunidade há muito tempo, e muitos casos vão parar na corte. Tais batalhas tiveram algumas vitórias marcantes, incluindo uma em 2019, na qual a justiça apoiou um funcionário público gay que requereu direitos conjugais e de declaração de impostos, e outra em 2021 que concedeu igualdade parental para cônjuges do mesmo sexo.
Recentemente, em setembro, a Corte Superior da cidade tomou a decisão histórica de dar um prazo de dois anos para o governo providenciar um âmbito legal para reconhecer relações homoafetivas. A Corte, porém, unanimemente alegou que não havia um direito constitucional para o casamento entre pessoas do mesmo sexo em Hong Kong, o que significa que a administração pode simplesmente providenciar um sistema de registro conjugal separado, em vez de mudar a lei sobre casamentos para legalizar o casamento homoafetivo. Ainda assim, o reconhecimento de relações homoafetivas garantiriam a o acesso aos benefícios que casais heterossexuais possuem, tais como os de moradia, imposto e imigração.
Com um âmbito inexistente e sem aparente progresso desde a medida em setembro, alguns casais que recentemente trocaram alianças no Hotel Eaton disseram que sequer imaginavam que iam se casar algum dia, caso não tivessem a possibilidade de o fazer virtualmente.
Dark Chan, de 45 anos, disse que ela havia pensado em se casar no Canadá, onde o casamento homoafetivo é legal. Porém, seria muito caro, tanto em tempo quanto em custo, para os convidados viajarem. “Pode casar on-line em Hong Kong significa que posso ter a benção da minha família e celebrar com meus amigos”, explicou.
Lucas Peng, um empresário singapurense de 66 anos de idade, morador de Hong Kong, disse que se casar foi prático e significa “muito mais que um pedaço de papel ou um certificado”. Com esse reconhecimento, ele e seu marido se sentem mais aliviados, caso um deles venha a falecer: “Essa certidão de casamento é uma forma de garantia ou seguro. Ela fortalece nossos testamentos.”
Aceitação crescente
O clima politizado de Hong Kong dificultou todo tipo de ativismo, incluindo o apoio aos direitos LGBTQ+. A Parada do Orgulho de Hong Kong, uma ONG que costumava organizar marchas coloridas anuais na cidade, tem organizado apenas feiras dentro de estabelecimentos, apresentando grupos aliados à comunidade LGBTQ+ desde 2021.
Dois dos maiores partidos políticos de Hong Kong, a Aliança Democrática de Melhoria e Progresso de Hong Kong (DAB) e A Federação dos Sindicatos de Hong Kong (HKFTU), alegam que relações homoafetivas são uma ameaça aos valores da família “tradicional”.
Além de Hong Kong ter sido a primeira cidade coanfitriã do evento Gay Games da Ásia no último ano, o legislador Junius Ho disse que o “aparato de segurança nacional” deveria barrar a cidade de sediar o evento chamando as campanhas de apoio ao casamento gay uma “moda prejudicial” incentivada pelo Ocidente.
Entretanto, Tung, a cofundadora da Next Chapter, disse acreditar que a sociedade está cada vez mais tolerante às relações entre pessoas do mesmo sexo, parcialmente devido à cobertura dos eventos pela mídia, tais como esse casório, que visa buscar visibilidade para a comunidade queer.
Joseph Chen, diretor de cultura do Hotel Eaton, citou uma pesquisa realizada por três universidades que apontaram a crescente aceitação dos direitos aos casais homoafetivos.
“Em 2013, apenas 38% [das pessoas apoiavam o casamento homoafetivo]”, Chen disse. “Dez anos depois, já passa de 60%. Nós esperamos que esse evento consiga [fazer com que] aqueles que o opõem entendam que todos têm o direito de amar, casar e desfrutar dos mesmos benefícios que os [casais] heterossexuais.”