
Julian Assange em casa, na Austrália. Captura de tela do vídeo “Como o acordo judicial e libertação de Julian Assange foram negociados | 7.30″ no canal do ABC News In-depth no YouTube channel. Uso justo.
Em casa e livre, enfim! Esse era o sentimento que transbordava entre apoiadores australianos e globais de Julian Assange, com as notícias de sua libertação da prisão e retorno para a Austrália.
O acordo judicial de Assange com o governo americano aconteceu depois de 1.601 dias na prisão de Belmarsh, na Inglaterra, e quase sete anos de asilo político na embaixada do Equador, em Londres. Ele lutava contra a extradição para os Estados Unidos.
O acordo envolveu se declarar culpado pelo crime de espionagem, mais especificamente, de conspirar para obter e divulgar documentos da defesa nacional dos Estados Unidos. Em 2019, Greg Myer, um correspondente de segurança nacional da NPR, ponderou sobre as alegações e seus possíveis danos para a segurança nacional:
…many in the national security community say the leaks were harmful to a broad range of people. However, they generally say the damage was limited and has faded since the first big WikiLeaks dump in 2010, which included hundreds of thousands of classified documents from the U.S. military and the State Department.
…muitos, na comunidade nacional de segurança, dizem que os vazamentos foram danosos para um vasto número de pessoas. No entanto, eles geralmente dizem que o estrago foi limitado e já esmaeceu desde o primeiro grande vazamento da WikiLeaks em 2010, que incluiu centenas de milhares de documentos confidenciais do exército e do Estado americano.
A guatemalteca, Renata Avila, advogada e defensora de Assange, tuitou com alegria demostrando otimismo:
Julian #Assange is a free man. He and everyone behind @wikileaks worked tirelessly to defend our right to know. Now, it is time for gratitude, solidarity, and hope.
— Renata Avila (@avilarenata) June 26, 2024
Julian #Assange é um homem livre. Ele, e todo mundo por trás da @wikileaks, trabalhou incansavelmente para defender o nosso direito de saber. Agora é nosso tempo de gratidão, solidariedade e esperança.
O conflito de Assange com o governo dos Estados Unidos é uma história longa, como reportado pela Global Voices em 2022:
Assange drew the ire of the US government in 2010 when he published thousands of sensitive documents that he received from whistleblower and former US Army Intelligence Analyst Chelsea Manning. The documents contained information about The Baghdad Airstrikes, the Iraq and Afghanistan wars, and confidential cables between US officials and embassies around the world.
Most recently, WikiLeaks published emails showing the US Democratic National Committee favored then-candidate Hilary Clinton over her competitor Bernie Sanders, just weeks ahead of the 2016 election. And then, in 2017, WikiLeaks published more documents detailing the CIA's electronic surveillance and cyber warfare tactics.
Assange provocou a ira do governo americano em 2010, quando publicou centenas de documentos sensíveis que recebeu da delatora Chelsea Manning, uma ex-analista da inteligência do exército americano. Os documentos continham informações sobre os ataques aéreos a Bagdá, guerras do Iraque e Afeganistão e telegramas particulares entre oficiais dos Estados Unidos e embaixadas ao redor do mundo.
Mais recentemente a WikiLeaks publicou e-mails demonstrando que o Comitê Nacional do Partido Democrata favoreceu a então candidata, Hilary Clinton, em vez de seu competidor, Bernie Sanders, apenas algumas semanas antes das eleições de 2016. E depois, em 2017, a WikiLeaks publicou mais documentos detalhando a vigilância eletrônica da CIA e táticas de guerra cibernéticas.
Assange tem sido uma pessoa controversa, mesmo em seu próprio país, com várias pessoas olhando para ele como herói ou vilão. Alguns argumentaram que seus vazamentos para a Wikileaks colocaram em perigo vidas e a segurança nacional. Alegações de estupro na Suécia continuam danificando sua reputação (os procuradores suecos fecharam as investigações em 2019). Existe também a cumplicidade que alegam que ele teve com Trump e Putin antes da eleição presidencial americana de 2016, que ainda projeta uma sombra na sua reputação de lutador pela verdade. Uma troca de pontos de vistas no X (antigo Twitter) captura algumas dessas preocupações.
Mainly, that Assange as unalloyed hero of the left is deeply problematic. As you say, he exposed war crimes. He also got a bunch of innocent people killed, assisted authoritarian dictatorships, helped Trump win the presidency, and oh yeah may be a rapist 🤷♀️
— Snooty & Flouffy McSausage (@SnootySausage) June 27, 2024
Olhar para o Assange como um puro herói da esquerda é profundamente problemático. Como você disse, ele expôs crimes de guerra. Mas também causou a morte de um bocado de gente inocente, compactuou com ditaduras autoritárias, ajudou o Trump a ganhar a presidência, e sim, talvez ele seja um estuprador.🤷♀️
Karen Percy, presidente do Media Entertainment and Arts Alliance (MEAA), sindicato australiano que representa jornalistas, do qual Assange é membro, comemorou a libertação dele, mas alertou:
The stories published by WikiLeaks and other outlets more than a decade ago were clearly in the public interest. The charges by the US sought to curtail free speech, criminalise journalism and send a clear message to future whistleblowers and publishers that they too will be punished.
This was clearly in the public interest and it has always been an outrage that the US government sought to prosecute him for espionage for reporting that was published in collaboration with some of the world’s leading media organisations.
As histórias publicadas pela WikiLeaks e outros veículos, há mais de uma década, eram claramente de interesse público. As acusações feitas pelos EUA almejam limitar o livre discurso, criminalizar o jornalismo e mandar uma mensagem clara para futuros delatores e editores de que eles também serão punidos. Era tudo de claro interesse público e sempre foi um ultraje que o governo americano o tenha processado por espionagem por um conteúdo que foi publicado em colaboração com algumas das principais organizações de mídia do mundo.
Max Blumenthal, editor da Grayzone News, rejeitou as alegações feitas contra Assange e se posicionou fortemente a seu favor e daqueles que trabalharam por sua liberdade:
Many high-profile people deserve credit for mobilizing in Assange's defense, especially when the corporate press was destroying his reputation, smearing him as a Russian asset and rapist to cultivate support for his arrest. But his freedom is also a testament to the everyday… https://t.co/YcQPb59CST
— Max Blumenthal (@MaxBlumenthal) June 26, 2024
Muitas pessoas de grande importância merecem crédito por se mobilizarem na defesa do Assange, especialmente quando a mídia corporativista estava destruindo a sua reputação, tratando dele como um recurso valioso para os russos e como um estuprador, tudo para angariar suporte para sua prisão. A sua liberdade hoje é testemunha também dos protestos cotidianos.
Proeminentes entre os defensores de Assange estão: o primeiro-ministro australiano, Anthony Albanese; o ex-primeiro-ministro da Austrália e atual embaixador do país nos Estados Unidos, Kevin Rudd; e o ex-ministro do exterior na Austrália e atual Alto Comissário do país no Reino Unido, Stephen Smith.
Albanese se juntou aos pedidos para terminar o encarceramento de Assange e trabalho, por detrás dos panos, para trazer o acordo que o libertou. Stella Assange expressou seu agradecimento a Albanese retuitando essa mensagem da advogada dele, Jen Robinson:
Prime Minister @albomp called us the moment we landed in Australia – and Julian told the PM that he had saved his life.
An incredibly emotional and moving return home pic.twitter.com/ADUvfnbJ9K
— Jen Robinson (@suigenerisjen) June 26, 2024
O primeiro-ministro @albomp nos ligou no momento em que pousamos na Austrália, e Julian falou para o PM que ele salvou sua vida.
Uma volta emocionante e incrível para casa.
Simon Birmingham, o Ministro das Relações Exteriores e parte da oposição conservadora, atacou Albanese por dar as boas-vindas a Assange.
This call is neither necessary nor appropriate. Julian Assange was not wrongfully detained like Cheng Lei, Sean Turnell or Kylie Moore-Gilbert.
For 12 years Assange chose to avoid facing justice in countries with fair judicial systems. He is underserving of this treatment. https://t.co/I8zDNFZ66V
— Simon Birmingham (@Birmo) June 26, 2024
Essa ligação não foi nem necessária, nem apropriada. Julian Assange não foi detido sob falsos critérios como aconteceu com Cheng Lei, Sean Turnell ou Kylie Moore-Gilbert.
Por 12 anos Assange escolheu evitar enfrentar a justiça em países que possuem sistemas judiciais justos. Ele não merece esse tratamento.
Birmingham foi apoiado pelo ex-chefe de segurança da Organização Australiana de Segurança e Inteligência (Australian Security Intelligence Organization – ASIO), Denis Richardson, que criticou a ligação de boas-vindas como uma manobra política.
Mesmo que Assange tenha sido celebrado como um defensor do livre discurso e da liberdade de imprensa, muitos comentaristas na mídia tem colocado em disputa suas credenciais como jornalista. SkyNews Australia organizou um debate entre Adam Creighton, um jornalista correspondente em Washington e Alan Howe, o editor de histórias do jornal. Os dois têm pontos de vista muito diferentes sobre o assunto. Howe declara enfaticamente que Assange “não é nem um editor, nem um jornalista”:
Economista e ex-político grego, Yanis Varoufakis, que também é cidadão australiano, claramente vê Assange como um jornalista.
Exactly as Stella put it: By pleading guilty in federal court in Saipan “he was pleading guilty to committing journalism. This case criminalises journalism – journalistic activity, standard journalistic activity of news gathering, and publishing.” https://t.co/bOuGc77zKR
— Yanis Varoufakis (@yanisvaroufakis) June 27, 2024
Exatamente como colocado pela Stella: ao se declarar culpado na corte federal de Saipan ‘ele estava se declarando culpado de cometer jornalismo. Esse caso criminaliza o jornalismo, a atividade jornalística, práticas comuns da atividade jornalística como coletar notícias e publicá-las’.
John J. Mearsheimer, um cientista político e acadêmico americano, falou sobre o caso de Assange em um vídeo em fevereiro de 2024:
My friend and distinguished @UChicago Prof. @MearsheimerJ on Julian Assange:
“Assange is a journalist and he did not break the law, as it is commonplace for journalists to publish classified information that is passed on to them by government insiders.” pic.twitter.com/p5NiVxDvj3
— Steve Hanke (@steve_hanke) June 28, 2024
Meu amigo e distinto professor da @UChicago, @MearsheimerJ, sobre Julian Assange:
‘Assange é um jornalista e não infligiu a lei, já que é lugar comum para jornalistas publicarem informações confidenciais passadas para eles por pessoas de dentro dos governos.’
A respeitada jornalista australiana, Margarete Simons, considerou a natureza do jornalismo moderno e o lugar que Assange ocupa nele.
It’s an arid debate, which overlooks the obvious truth: he and the technological revolutions of which he is part have changed journalism, forever.
É um debate árido, que deixa de lado a verdade óbvia: ele, e as revoluções tecnológicas das quais ele é parte, transformaram o jornalismo para sempre.
Quando o assunto é a libertação de Assange muito da cobertura da mídia mantém o enfoque no apoio de personalidades importantes, personagens dentro da política e no lobby (atrás de portas fechadas). Porém, a campanha para libertá-lo tem sido também um movimento global envolvendo milhares de pessoas. Seu irmão, Gabriel Shipton, agradeceu a todos que participaram desses movimentos populares ao longo dos anos.
“I have to give credit to everybody out there who has been advocating for this for so long… this wouldn't have been possible without them” – @GabrielShipton, #JulianAssange‘s brother
Thank you to everyone who has supported Julian! pic.twitter.com/q8sD7HDmM9
— Free Assange – #FreeAssange (@FreeAssangeNews) June 25, 2024
‘Eu preciso dar crédito a todos que tem defendido essa causa por tanto tempo… isso não teria sido possível sem eles’. @GabrielShipton, irmão de #JulianAssange
Obrigada a todos que defenderam o Julian!
Peter Greste, que passou por sua própria experiência de prisão no Egito por causa do seu trabalho jornalistíco para Al Jazeera, refletiu sobre a provação de Assange:
I also understand the weird blend of elation, confusion and disorientation that sudden release brings.
Assange’s journey home will be much longer than his flight back to Australia.
…This case has undeniably had a serious chilling effect on public-interest journalism, and sends a terrifying message to any sources sitting on evidence of abuses by the government and its agencies.
Eu entendo o mix estranho de euforia, confusão e desorientação que a libertação súbita traz.
A jornada de volta para casa do Assange vai ser muito mais longa que seu voo de volta pra a Austrália.
… Esse caso teve impactos chocantes e inegáveis sobre o interesse público e o jornalismo, e manda uma mensagem terrível para qualquer fonte que tenha evidências de abuso de governos e de suas agências.